Saber passar em alta velocidade entre carros em congestionamentos e manobrar em vias estreitas com SUVs que pesam mais de 2 toneladas e têm quase 2 metros de altura são algumas das habilidades exigidas dos motoristas das viaturas da Rota. O Jornal do Carro participou do primeiro de três níveis de treinamento ministrados aos integrantes do 1º Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo. A conclusão é que quem acredita que sabe dominar um carro do porte do Toyota SW4 e do Chevrolet Trailblazer e não é motorista da Rota, muito provavelmente está enganado.
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As Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar completarão 50 anos no dia 15 de outubro. Trata-se do primeiro dos cinco batalhões subordinados ao Comando de Policiamento de Choque da PM de São Paulo. São cerca de 500 policiais e 100 viaturas lotados no quartel localizado na região central da capital paulista. O prédio, erguido em 1892 e cujo desenho é assinado por Ramos de Azevedo, forma um quadrilátero perfeito, com 84 metros de cada lado.
O batalhão atende ocorrências em qualquer parte do Estado. Além de fazer patrulhamento tático, a Rota é acionada em casos como roubos a bancos. Também atua no enfrentamento a quadrilhas especializadas no tráfico de drogas e armas. A unidade é formada por quatro companhias com oito pelotões. Em cada pelotão há de oito a dez viaturas com quatro policiais, sendo um motorista designado.
Frota da Rota tem SW e Trailblazer
Atualmente, a frota é composta pelos SUVs médios SW4 e Trailblazer. “Ao longo do tempo, houve uma evolução importante no tipo de veículo utilizado pelo batalhão”, explica o tenente-coronel PM Coutinho, comandante da Rota (foto abaixo). “Tivemos a (Chevrolet) Veraneio, primeiro a curta, depois a longa. Nos anos 2000 vieram as (Chevrolet) Blazer”. Os primeiros (Toyota) SW4 chegaram por volta de 2010. Em 2015, todas as Blazer do modelo antigo foram substituídas. Mais recentemente, vieram as (Chevrolet) Trailblazer”, diz.
Chegar ao posto de motorista da Rota requer muito treinamento. O de primeiro nível, do qual participamos, começa com uma aula teórica no quartel ao longo de uma manhã. Os PMs recebem instruções técnicas acerca dos veículos. Isso inclui informações sobre tipos e características de pneus, além de calibragem ideal, por exemplo.
Peças usadas circulam entre os policiais na sala de aula e os instrutores explicam o que levou a esse ou aquele tipo de desgaste. Detalhes do funcionamento dos sistemas de arrefecimento e freio e até dicas de reparos rápidos em situação de emergência também fazem parte da aula. Todos os instrutores são policiais da Rota.
Treinamento em pista simula situações do dia a dia
A palavra segurança é repetida como um mantra. “O objetivo não é apenas capacitar, mas também garantir o bem estar dos policiais que estão na viatura e de quem estiver na rua”, diz o tenente PM Sudatti, chefe do gabinete de treinamento da Rota. Segundo ele, quanto melhor o PM conhecer o veículo, maior será seu aproveitamento e eficiência.
A segunda etapa do treinamento básico é feita em pista de testes. Partimos cedinho do quartel da Rota em direção ao Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo, a cerca de 140 km da capital. O tenente Sudatti reuniu todos os PMs, agradeceu a participação, explicou o que seria feito e, mais uma vez, reiterou os cuidados com a segurança. Por se tratar de ambiente 100% controlado, em alguns momentos foi possível dispensar o uso de máscara.
“Nesse primeiro nível, o objetivo é eliminar vícios ao volante, treinar slalom (ziguezague) curto e médio e frenagem de emergência”, diz o sargento PM Pereira, coordenador do treinamento de direção da Rota. Ele cuida da escolha do local onde as aulas práticas são feitas e monitora o desempenho dos policiais. A meta é fazer com que todos conheçam o comportamento das viaturas por meio de simulações que retratam situações que serão enfrentadas no dia a dia.
Todos os PMs da Rota fazem o curso
No segundo nível de treinamento (que pretendemos fazer algum dia desses), os exercícios são mais complexos. Os PMs aprendem a realizar manobras evasivas, inclusive em marcha a ré, e tomadas de curva em alta velocidade, entre outras técnicas. A instrução inclui a condução da viatura sobre piso com baixa aderência, como asfalto molhado e terra.
O terceiro nível reúne questões técnicas e exercícios das duas primeiras fases e serve como uma espécie de avaliação geral. “É possível saber quem assimilou as instruções de forma satisfatória e está apto a ser motorista”, afirma o sargento Pereira.
Todos os PMs das quatro companhias da Rota participam dos cursos, inclusive os que não são motoristas de viatura, sargentos e tenentes. “Isso faz com que todos conheçam as funções e dificuldades enfrentadas pelo motorista”, diz Pereira. Segundo ele, o objetivo é evitar, por exemplo, que os demais policiais tirem a atenção do motorista tanto em deslocamentos quanto no atendimento a ocorrências.
Cada motoristas é responsável por sua viatura
“O motorista deve estar tranquilo e focado para levar a equipe ao destino o mais rapidamente possível, com total cautela e segurança”, afirma Pereira. De acordo com ele, o PM da Rota que estiver interessado em ser motorista de viatura deve, primeiro, fazer um ”estágio” na função. Apenas os que se saem bem nos treinamentos podem se candidatar ao posto. E só assume o volante quem for aprovado pelo comando.
Os motoristas de pelotão têm sua própria “carga”, jargão que designa a viatura. Esse PM chega ao batalhão duas horas antes dos demais para realizar a chamada “manutenção de primeiro escalão”. Trata-se da verificação completa do veículo, incluindo os níveis do óleo do motor e do fluído de freio, além do estado dos pneus e dos demais equipamentos. “Ele deve lavar a viatura, passar ‘pretinho’ nos pneus e, se for o caso, encerar a carroceria”, diz Pereira. “Viatura da Rota só vai para a rua se estiver impecável”, afirma o tenente-coronel Coutinho.
Os SW4 da Rota têm motor de quatro-cilindros a gasolina e câmbio manual. Os motores dos Trailblazer são turbodiesel de quatro cilindros e a transmissão é automática. As compras são feitas pelo governo do Estado por meio de licitação. “Quem oferecer um veículo que atenda à lista de requisitos pelo menor preço, ganha”, explica o comandante do batalhão.
Treinamento reduziu acidentes em mais de 80%
“Por causa do centro de gravidade alto, seu eu girar o volante abruptamente as rodas vão sair do chão. E isso não acontece com um modelo ou marca específico. É uma característica desse tipo de veículo”, diz o subtenente PM Oliveira. Ele é um dos responsáveis pela implantação dos treinamentos focados em viaturas da Rota. E, embora tenha se aposentado recentemente, após 29 anos no batalhão, o instrutor continua atuando como uma espécie de consultor.
“São carros grandes, com centro de gravidade alto”, explica Oliveira. Ele diz que, em manobras bruscas, a tendência é que a roda traseira do lado oposto ao da trajetória desejada perca contato com o solo. “Se isso acontecer, haverá perda de aderência e de poder de frenagem”, diz. De acordo com o subtenente, em casos extremos o SUV pode até tombar.
Essa expertise foi adquirida com o tempo, por meio de erros e acertos. Oliveira lembra que não havia um treinamento focado em carros grandes, como as Chevrolet Veraneio utilizadas no passado pela Rota. Por isso, os acidentes, a maioria grave, eram comuns. Foi formado, então, um grupo de instrutores especializados. O resultado imediato foi a queda de mais de 80% no número de acidentes, de acordo com o subtenente.
Rota é referência em direção de SUVs
Houve redução também do tempo e do número de vezes que as viaturas param para manutenção. “A Rota virou referência na PM em gestão de frota e treinamento de direção de SUVs”, diz Oliveira. A boa fama extrapolou os limites do Estado de São Paulo. “No início do ano, fomos chamados para ministrar o treinamento de direção a policiais do Rio de Janeiro, mas tivemos de cancelar por causa da pandemia”, diz o sargento Pereira.
Na instrução da qual o JC participou, também havia integrantes do Comandos e Operações Especiais (COE) e do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE). As duas companhias fazem parte do 4º Batalhão de Choque da PM de São Paulo. Os policiais do GATE fizeram os exercícios na pista com uma picape Toyota Hilux, modelo utilizado nas operações do batalhão.
Antes de iniciar o treinamento prático, todos os policiais recebem instruções sobre ergonomia. A instrução inclui posicionamento ao volante, regulagem dos retrovisores e técnicas para afivelar e soltar o cinto de segurança. Fácil, certo? Pois tente fazer isso sem desviar o olhar da rua. Aprender a liberar e se desvencilhar da cinta com a mão esquerda enquanto a direita puxa a maçaneta e de forma rápida e eficiente – e sem olhar – requer várias repetições.
Sem ‘lavar pratos’
Outra diferença das técnicas aprendidas em cursos “civis” de pilotagem diz respeito à posição das mãos no volante. Os instrutores da Rota ensinam que, em linha reta, deve-se manter a tradicional “15 para as 3h”. Já em manobras, é preciso mover as mãos rapidamente. Isso porque, tanto no SW4 quanto no Trailblazer, o diâmetro de giro é de 11,8 metros.
“Um erro comum é o motorista ficar ‘lavando prato’ (apoiar a palma da mão sobre o volante, sem segurá-lo)”, diz o sargento PM Ronaldo. Ele é um dos mais antigos instrutores do curso de direção da Rota. Sentado no banco do carona, observo com atenção a forma como ele conduz o SUV. O PM ensina que, em manobras, é preciso manter a velocidade constante. “Se você ficar freando e acelerando o tempo todo, o sistema progressivo (de assistência de direção) passa a atuar e acaba dificultando a condução.”
Ele mostra a forma ideal de atacar as curvas e indica os pontos de frenagem e aceleração da pista. Após a última curva, o sargento Ronaldo pisa firme no acelerador e, no fim da pequena reta, freia bruscamente e encaixa a viatura em um pequeno espaço delimitado por cones.
Dirigir SUV requer técnicas específicas
Chega minha hora de dirigir, pela primeira vez na vida, um “carro de polícia”. Após afivelar o cinto de segurança e ajustar a distância de banco e espelhos, levo o SW4 da Rota com cuidado ao ponto de início do exercício. Pelo rádio, ouço o sargento Pereira autorizar a partida.
O primeiro trecho é o slalom curto. Arranco forte com o Toyota e, após contornar o primeiro cone, engato rapidamente a segunda marcha. Tento relembrar mentalmente as dicas passadas pelos instrutores. Mas, de cara, sou traído pelo condicionamento adquirido ao longo de mais de duas décadas e dezenas de cursos de direção.
Mantenho as mãos no volante na posição “15 para as 3h” e, para tentar atacar o próximo cone, cruzo um braço sobre o outro. Percebo que não vou conseguir deixar o SW4 em um ângulo que permita realizar a próxima manobra e… começo a “lavar pratos”. O sargento Ronaldo ri. “Solta o volante”, diz ele. “Você recebeu instruções de como se faz”.
Errei a ‘garagem’ e deixei o motor apagar
Acato e, após atropelar um cone, volto a ter controle sobre o SUV. Vencido o slalom curto, contorno a curva à esquerda e sigo para um leve aclive. Dois cones delimitam a largura da passagem. Uma nova curva à esquerda surge na sequência. Acelero e o instrutor orienta: “Cuidado, senão não vai conseguir fazer o próximo slalom.”
Ele explica que o segredo é manter a cadência. Esquerda, direita, esquerda, direita… No fim do trecho, é preciso acelerar forte para subir uma pequena rampa. E manter o SUV do lado de fora da curva até a próxima tomada, que é bem fechada e à direita. Aqui, é preciso ficar na parte de dentro da pista. Começa a descida. Deixo o SW4 “esparramar” até o lado de fora, visando a reta que surge a seguir. “Acelera tudo”, diz o sargento Ronaldo.
Poucos metros depois, o instrutor ordena: “Freia, freia”. Monto no pedal sem dó e percebo o ABS atuando. O SW4 para antes do limite determinado, mas atropela o cone que divide dois pequenos espaços. Em cada um cabe um único carro. “Você tinha de escolher a ‘garagem’ para parar”, diz o sargento. Esqueço que é preciso pisar no pedal da embreagem e o motor apaga.
Sirene e falatório ajudam a treinar foco
Levo o carro de volta ao ponto de partida e, quando avanço em direção ao primeiro cone, o instrutor diz: “Agora eu vou colocar um pouquinho mais de emoção”. Ele liga a sirene e passa a falar sem parar. O objetivo é mostrar o quanto isso desvia a atenção do motorista. Como todos os PMs da Rota passam pelo treinamento, sentem a pressão na pele.
“Você está perseguindo um carro roubado…”, diz o sargento. No mesmo instante, perco a concentração e derrubo um cone. “Você acaba de atropelar uma pessoa”, compara o PM. “Se fosse na rua, teria de parar a viatura para socorrer a vítima. Quando você sai para atender uma ocorrência, o objetivo é chegar. Não podemos abrir mão da segurança”, afirma o instrutor.
Ele diz que o motorista da Rota é treinado para guiar de forma rápida e, sobretudo, eficiente. “Na rua tem cruzamento, trânsito e não é porque a sirene está ligada que você pode avançar o semáforo (vermelho) sem olhar. Você vai ter de passar, mas com muito cuidado”, afirma.
Cones representam poste, caçamba, pedestre…
O instrutor reitera que isso só é possível com treinamento constante. “Aqui você pode derrubar o cone. Na rua não é cone. É poste, ciclista, caçamba, transeunte…” Segundo Ronaldo, os PMs são instruídos a não acelerar quando estão em locais com vias estreitas, como comunidades, por exemplo. “As ruas são, geralmente, apertadas e tem muita gente, principalmente crianças”, diz. “A porta da casa da criança abre direto para a rua.”
Após concluirmos a última volta do treinamento no SW4, o sargento Ronaldo balança a cabeça positivamente. “Muito bom”, diz ele. Consegui disfarçar o sorriso de orgulho sob a máscara, mas o sentimento durou pouco. Ao parar o carro, puxo a alavanca do freio de estacionamento sem pressionar o botão. “Policial deve ter ‘disciplina’ de luz e som”, diz o sargento.
Ele explica que, principalmente em ocorrências durante a madrugada, qualquer ruído pode denunciar a chegada e até mesmo a posição da viatura. “Quando você aciona o botão ao puxar a alavanca, está contribuindo para aumentar a durabilidade do sistema. Isso vale também para o seu carro pessoal”, ensina o sargento Ronaldo.
Da viatura para o carro de uso pessoal
“A instrução que os policiais recebem não serve apenas para cuidar da viatura”, diz o sargento Pereira. “Boa parte das informações passadas em aula, como validade e velocidade que o pneu aguenta, por exemplo, pouca gente sabe”, afirma. “Posso dizer com certeza que o policial vai usar, no mínimo, 80% da instrução no dia a dia, na vida pessoal.”
Fizemos o treinamento também com um Trailblazer. As respostas foram melhores que as da Toyota, sobretudo por causa da atuação dos controles eletrônicos de tração e estabilidade. O Chevrolet apresentou maior equilíbrio da carroceria, principalmente em curvas, e garante maior sensação de segurança. Os 46 mkgf de torque do motor 2.8 turbodiesel, entregues em uma ampla faixa de giro, contribuem para facilitar as manobras, inclusive em baixa velocidade.