O ano de 2021 tem sido diferente para a Ford. Desde que a montadora encerrou a produção de carros no País, em janeiro, a Ranger, que é importada da Argentina, passou a ser o seu carro-chefe de vendas. Nesse sentido, a versão Black chegou em março justamente como o primeiro lançamento da marca após fechar suas fábricas brasileiras.
O momento, portanto, não era tão oportuno. Mas a picape acabou surpreendendo nas vendas, talvez um sinal de que a Ford acertou na receita. A Ranger Black é mais um modelo a apostar no público dos grandes centros urbanos. Sem opcionais, a picape feita em Pacheco custa atualmente R$ 193.690 e tem garantia de cinco anos.
Na prática, a Ranger Black serve de configuração intermediária da gama Ranger, acima das versões XL e XLS, equipadas com o mesmo motor 2.2 turbo diesel. E abaixo de Storm, XLT e Limited, estas três sempre equipadas com motor 3.2 e tração 4×4. Seu diferencial, além do preço de picapes com motor flex de outras marcas, é ter visual com itens todos na cor preta, tal como o nome já entrega.
Assim, a cor é o preto Gales perolizado, em tom mais destacado que o da grade hexagonal em preto Antracite com o nome Ranger (em tom de grafite). Compõem o estilo o santoantônio herdado da versão Limited, além de estribos plataforma, lanternas escurecidas da Storm, rack funcional de teto, rodas de liga leve raio 18, fora os bancos de couro também da Limited. Tudo na cor preta, vale frisar. Os pneus são 265/60 de perfil urbano.
Mercado disputado
Desde 2019, quando começou o movimento de abandonar o Brasil, a Ford tirou da gama da Ranger as configurações com motor flex de ciclo Otto. E apostou todas as fichas no diesel. Assim, se em outros segmentos a marca viu sua participação despencar, entre as picapes médias se manteve estável. Considerando apenas as médias, a Ranger fica sempre atrás da Chevrolet S10, com ambas na rabeira da líder absoluta Toyota Hilux.
Mas não vale olhar os números de emplacamentos, pois eles entregam que a Ranger não briga no mesmo patamar das demais. Com menos de 2 mil emplacamentos mensais, a picape da Ford fica bem atrás das concorrentes diretas, Hilux e S10, que entregam de 3 a 4 mil carros, mesmo com pandemia e escassez de chips eletrônicos.
Mesmo na competição com a médio-compacta Toro, que tem a versão Ultra com a mesma proposta da Ranger Black, inclusive no valor (R$ 196.300), há uma disparidade — e uma derrota no mercado. A Toro, aliás, faz qualquer picape média comer poeira no mercado.
Dentro da linha Ranger, a versão Black é para quem não precisa da tração 4×4, mas quer tecnologia. São R$ 9 mil a mais em relação à XLS 2.2 4×2, que é muito menos equipada. E expressivos R$ 17 mil a menos na comparação com a XLS 2.2 com tração 4×4, vendida por R$ 220.690 – e que entrega basicamente a tração integral a mais.
Forte em segurança
Ao avaliar a Ranger Black, fica claro qual é a da pegada do pacote, que tem altos e baixos evidentes. Vamos logo tratar do ponto forte da picape: segurança, que sempre foi bandeira da Ford. São sete airbags, incluindo o de joelho para condutor tão esquecido na indústria nacional. Há ainda, praxe de veículos médios e grandes, controle de tração e de estabilidade, mas com o “bônus” do controle anti-capotamento, muito útil para picapes médias em geral, por conta do centro de gravidade elevado. Dá até para curtir uma com os donos de Hilux, apesar da piada estar defasada.
Completam as soluções ainda o prático assistente de rampa, ganchos Isofix para cadeirinha, piloto automático (simples, com controle de cruzeiro e limitador de velocidade, nada adaptativo aqui) e sensores e câmera de ré. Por fim, a Ford coloca o Pass Connect, sistema que liga a picape ao smartphone via QR Code, Bluetooth e internet.
O recurso permite acionar na tela do celular a partida remota, climatização remota, verificação do nível de combustível, além de chamada de socorro em emergência e serviços do tipo concierge.
Altos e baixos
Se no visual e na segurança a Ranger Black é bem forte, em conforto, arremate de pacote e movimentação, a picape entrega seu projeto já mais antigo e em defasagem. Sendo uma alternativa para motores flex de outras marcas e para o motor 3.2 diesel da própria Ford, a Ranger Black 2.2 é comedida em saídas e bem lenta em retomadas.
O 2.2 tem 160 cavalos de potência, mas é forte o bastante para a proposta, com 39,3 mkgf. Tanto que, se o condutor não dosar o pé ao sair da imobilidade, vai sentir o controle de tração para domar a fera. Mas a aceleração de 0-100 km/h na casa dos 13 a 15 segundos mostra que a ideia aqui é tranquilidade.
Além de patinar em saídas, basta vir mais embalado nas curvas para perceber aquela menção de sair de traseira – mas tudo bem contornado pelos controles de estabilidade e de correção da carroceria.
Da mesma forma, é sempre uma aventura encarar o trânsito e as vagas paulistanas com essa picape larga, com 1,86 m de largura e 5,35 de comprimento. Entretanto, é algo bem mais comum que há 10 anos. E, claro, estamos falando do público dos grandes centros brasileiros, bem como de pessoas que precisam visitar com frequência o sítio ou áreas de piso mais atribulado nos finais de semana.
Conforto a bordo
Mas a grande questão é que a Ranger não é tão confortável quanto Hilux (com ótimo projeto de cabine e suspensão), nem quanto a S10 para esse uso na cidade. É silenciosa, num bom trabalho de acústica, e boa de direção, por conta da assistência elétrica. Mas sofre com a suspensão traseira por eixo rígido e feixe de molas, e com os freios traseiros a tambor, assim como com a cabine com teto baixo para quem está nos bancos da frente.
Problema é maior ainda nos bancos traseiros, com aquela sacudida típica de picapes mais antigas, algo que só muda se a caçamba estiver cheia. Se for comparar com SUV – e há essa comparação neste tipo de uso -, o conforto fica lá embaixo. Fora isso, o acabamento destoa da proposta premium do exterior, com nível grande de empobrecimento, mais uma vez um aviso da idade do projeto da Ranger.
Vamos um pouco longe agora: olhe o que os SUVs médios de Stellantis (Jeep), Volkswagen e GM fazem. E olhe para a Ford nos Estados Unidos, com os projetos da nova F150 elétrica ou a inédita Maverick. Volte agora, e olhe para os painéis duros e sem texturas da Ranger Black. Ou as saídas de ar antiquadas, sem dutos para o banco traseiro (apesar do sistema de duas zonas de resfriamento do ar-condicionado).
Multimídia conectada, mas pequena
Mesmo o sistema de entretenimento, que é Sync3, pode desapontar com sua tela de 8 polegadas meio “torta”, que fica pequena na picape. A central já foi das melhores do mercado (isso seis, sete anos atrás), mas agora tem uso difícil, com telas demais para percorrer, tamanho de menos e interface confusa, apesar dos muitos recursos e da integração com celular.
A multimídia ainda aceita sua coleção antiga de CDs. Mas a integração com Android Auto e Apple Carplay com cabo desconectou mais de uma vez, do nada, durante nossos testes. Noção de envelhecimento vale também para o painel de instrumentos, com duas telas de 4 polegadas, que pouco adicionam na informação ao condutor.
No fim das contas, há um ganho de interessante para a Ranger 3.2 em termos de economia. Isso não só no valor de compra menor na versão a diesel, mas também ao rodar, uma vez que o 2.2 promete consumo entre 9,5 e 13 km/l (entre o urbano e o rodoviário). Ou seja, bem menor que a média do motor mais forte. Com o tanque de 80 litros, a autonomia pode passar de 1.000 km, uma boa para viagens de férias ou mesmo esticadas a trabalho.
Versão testada traz ainda um acessório ao mesmo tempo prático demais e divertido, mas que deixa a chave esquisita por acrescentar um penduricalho. A capota de caçamba tem estilo de persiana, de acionamento automático e alarme incluso. Além de vedar a entrada de poeira e chuva, traz um pequeno porta-objetos ao custo de R$ 10 mil.