Alguns carros dizem muito a respeito de seus donos. Enquanto alguns sedãs prata sugerem que seus motoristas são discretos e preferem sumir na multidão, outros modelos são pura expressão de individualidade. E deixam claro que, atrás do volante, está alguém que não tem o menor problema em chamar a atenção. Um digno representante do segundo grupo é “Kakareko”, como o VW Fusca 1965 das fotos desta página foi apelidado por seu proprietário, o aposentado José Luiz Arruda.
“Eu procurava um Fusca antigo para customizar como um rat rod (aspecto “detonado”), e este estava do jeito que eu queria: parado no tempo, meio enferrujado”, conta. “Resolvi fazer uma oferta ao proprietário, que até se surpreendeu: ‘Mas o que você vai fazer com ele?’.”
Quando o aposentado chegou em casa com o Volkswagen, sua esposa reagiu com o mesmo espanto. “Mas por que você comprou esse cacareco?”
Do comentário espontâneo surgiu o apelido do carro. Ele conta que essa expressão já havia batizado um rinoceronte, personalidade improvável da cena paulistana que, nas eleições para vereador de 1959, ganhou a indicação de cerca de 100 mil eleitores, inaugurando o voto de protesto na cidade.
Depois de uma ajeitada na mecânica do VW, que incluiu a troca da suspensão e da bomba de combustível, Arruda instalou um bagageiro no teto e foi enchendo o carro de coisas. “Essa bicicleta dobrável vale uma nota. A vara de pescar foi do meu cunhado, que já faleceu. Cada item tem sua história”, explica, garantindo que tudo está bem preso e sem risco de cair.
Foram quase dois anos até que o Kakareko se tornasse o que é. Trata-se, segundo seu dono, de uma obra em progresso constante, pois sempre chegam novas colaborações tanto de amigos quanto de parentes.
“Uma amiga da minha esposa trouxe uma mala que achou na rua, e um amigo meu construiu um carrinho de rolimã especialmente para ele”, diz Arruda.
Recusar um presente seria uma desfeita que o proprietário do Fusca nem cogita. “Deus me livre! Aceito tudo, a não ser que não dê para encaixar. Às vezes, tiro ou remanejo alguns itens para abrir espaço.”
Se por fora impera o que Arruda chama de “bagunça organizada”, o interior do carro está um brinco. “Deixei a cabine arrumadinha, a mecânica impecável e a documentação em dia. Rodas e pneus são novos”, conta.
Isso dá ao aposentado de 68 anos confiança suficiente para encarar viagens para lugares como Limeira e Bragança Paulista, no interior de São Paulo.
No prédio em que ele mora, o Fusca inusitado virou uma atração que os vizinhos mostram para as visitas. Pelas ruas, Kakareko rouba a cena sempre.
“Todo mundo diz que ele é ‘muito louco’, aprova com um gesto de ‘positivo’, pede para tirar foto. As crianças ficam malucas”, diz o aposentado, que não poderia estar mais feliz.
“No início, minha esposa tinha vergonha, mas hoje ela dá risada e se diverte. Recebo só energia positiva com ele.”