“Muitos homens dedicam mais amor, tempo e dinheiro a um carro em uma semana do que à esposa e filhos em um ano.” Essa frase, dita por um dos personagens do filme Se Meu Fusca Falasse, de 1968, Tennessee (Buddy Hackett), pode ser aplicada aos entusiastas que tratam o carro com os cuidados, mimos e paparicos que se dá a um mascote, como se o veículo tivesse vida própria.
Pois o que Se Meu Fusca Falasse mostra é justamente um carro com vida própria. Seu protagonista, o Fusca Herbie, é amoroso, temperamental e dedicado ao dono como são os mais fiéis cachorros de estimação. A forma como isso vai se revelando ao longo do filme ajuda a prender o espectador e é responsável por boa parte do entusiasmo despertado pelo longa dos estúdios de Walt Disney.
O mocinho e galã da trama é Jim Douglas (Dean Jones), um piloto de corridas com a carreira em declínio. Ele precisa achar um veículo barato e entra em uma loja de carros, atraído pela beleza da vendedora, Carole (Michele Lee). Mas o esportivo que lhe arranca suspiros está muito além da quantia que ele pode desembolsar.
A sorte de Jim muda quando Herbie surge em seu caminho. O velho Volkswagen havia sido comprado por Carole a pedido de um cliente rico, para ser usado por sua criada, mas foi devolvido à loja. Quando o dono do estabelecimento, o esnobe Peter Thorndyke (David Tomlinson), começa a disparar impropérios contra o carro e ordena que o retirem imediatamente dali, Jim sai em defesa de Herbie e acaba ficando com ele.
Nos primeiros dias, Herbie tem o comportamento de um touro bravo: sai em disparada, freia quando quer, faz manobras descontroladas. Jim pensa que o carro está com defeito e o confia aos cuidados de Tennessee, seu amigo e mecânico e dono de uma sensibilidade rara. É Tennessee quem primeiro percebe que Herbie tem brios e começa a conversar com o carro.
O Fusca é tão genioso que, ao se sentir preterido pelo dono, chega a destruir um Lamborghini pelo qual Jim se encantou, em autêntica crise de ciúmes, e tenta se jogar do alto da ponte Golden Gate, cartão-postal de São Francisco (EUA), onde a trama se desenrola.
Na medida em que a sintonia entre o mocinho e seu Fusca vai se afinando, Herbie demonstra um desempenho surpreendente e Jim decide começar a usá-lo em corridas. Cada vez mais entrosados, os dois vão vencendo prova após prova, a carreira de Jim volta a deslanchar e esse sucesso repentino começa a incomodar Peter Thorndyke, o dono da loja de carros – que também é piloto e se vê ofuscado pelo renascimento do rival.
Peter tenta recomprar o Fusca e, como não consegue, passa a enfrentá-lo abertamente nas corridas e sabotá-lo de todas as formas possíveis. A partir daí, a história dá uma guinada e passa a focar na rivalidade entre Jim e Peter. As cenas de ação beiram o pastelão e fazem uso de efeitos especiais até toscos para os dias de hoje, mas nem por isso o filme deixa de encantar o público familiar a que uma produção da Disney se destina.
Com um pouco de boa vontade, não é difícil comprar a ideia de carro humanizado de Se Meu Fusca Falasse e torcer por Herbie. Tanto que Herbie se tornou um ícone do cinema.
Em uma enquete promovida no fim do ano passado pelo Jornal do Carro sobre o melhor filme sobre automóveis de todos os tempos, Se Meu Fusca Falasse ficou na quinta posição – em uma lista com 23 longas.
Modelo que estrela o filme poderia não ter sido um Fusca
Ao retratar o Fusca como um carrinho cheio de sentimentos e fiel ao dono, o carismático filme de Walt Disney marcou a própria história do modelo da Volkswagen e se tornou uma referência básica para os muitos fãs do “besouro” no Brasil e no mundo.
O que pouca gente sabe é que, até o longa começar a ser produzido, não estava definido que Herbie seria um exemplar do “besouro”. Os estúdios fizeram um teste de “casting” com modelos de marcas variadas, incluindo a sueca Volvo, a japonesa Toyota e a inglesa TVR.
O Fusca acabou levando a melhor por ter sido o único candidato que despertou nos integrantes da produção a vontade de se aproximar do carro e fazer carinho nele.
Se Meu Fusca Falasse teve três sequências: As novas aventuras do Fusca (1974), O Fusca enamorado (1977) e A última cruzada do Fusca (1980). Houve ainda uma espécie de remake, Meu Fusca turbinado (2005), estrelado pela então atriz adolescente Lindsay Lohan. Alguns dos exemplares do Volkswagen utilizados nas filmagens foram preservados ou resgatados do esquecimento, restaurados e oferecidos em leilões.
No mais recente deles, em novembro deste ano, em Nova York (EUA), o Fusca 1963 que encarnou Herbie no segundo e no terceiro longas da série foi arrematado por US$ 86.250 (quantia correspondente a cerca de R$ 325 mil).
Equipado com motor de 1.300 cm³ e câmbio de quatro marchas, ele teve momentos de glória mesmo fora dos sets de filmagem. Entre outros feitos, foi o único carro a ter sido escolhido para deixar suas marcas de pneu na Calçada da Fama, em Hollywood.
Na última restauração, foi feita uma espécie de “gambiarra” com engrenagens e polias, para que o carro pudesse ser conduzido a partir do banco traseiro.
A ideia foi passar a impressão de que o Fusca, em movimento, estivesse rodando sem motorista, “recriando” algumas cenas da série de filmes.