Imagine que você recebe um telefonema ou mensagem eletrônica da fabricante do seu carro. Eles já sabem que o modelo que está na sua garagem é o terceiro consecutivo da marca. Sabe quais são as peças que você comprou na rede autorizada. E, inclusive, que a data da próxima revisão obrigatória está chegando. Lembram até do teor dos contatos que você já fez com as redes sociais da montadora.
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O contato, muito simpático, alerta para a revisão iminente. E termina com um convite para fazer um test-drive de um produto novo que, eles apostam, tem a sua cara.
Essa atenção personalizada soa natural para uma marca premium. Essas marcas têm uma base limitada de clientes no País e, por isso, conseguem servi-los de forma individualizada. Mas isso seria algo impensável para uma marca de grande volume, que vende dezenas de milhares de unidades por mês.
Hoje, porém, a situação descrita no primeiro parágrafo está se tornando realidade para os clientes da Nissan, que tem 170 concessionárias no País e uma unidade fabril capaz de produzir 200 mil exemplares por ano. A marca entrou na onda das empresas que usam a inteligência artificial para se aproximar dos consumidores, levando a relação para a esfera digital.
Até então, a interação era feita apenas por meio das concessionárias, com o suporte de um call center. É o que ocorre com qualquer montadora. A ideia foi buscar uma ferramenta que pudesse responder às pessoas 24 horas por dia, sem depender do tal call center.
A solução encontrada atende pelo nome de Laura, um sistema de inteligência artificial desenvolvida por uma startup paranaense, a Prometheus. A plataforma fez um mapeamento da base de clientes reais e potenciais da Nissan para analisar seu comportamento e entender suas necessidades.
Todos os clientes são mapeados
O primeiro passo foi reunir os dados, inicialmente desordenados, dessas pessoas. Informações colhidas em cadastros preenchidos por funcionários da rede Nissan, ou em visitas às redes sociais da empresa, geraram um grande número de pessoas configuradas.
A seguir, o robô buscou em recursos externos, como perfis em redes sociais e queixas públicas em sites de reclamações, elementos que permitissem validar as identidades dessas pessoas configuradas. O propósito era justamente confirmar que essas pessoas eram mesmo quem o sistema acreditava que fossem.
Feito esse match de confirmação entre os dados colhidos dentro da Nissan e os dados públicos de cada um desses consumidores, a marca passa a analisar que tipo de cliente ele é e tenta entender do que ele precisa, se antecipando para lhe oferecer mais serviços e produtos.
Laura entregou para a Nissan um levantamento com 12 milhões de entradas. Desse número, 3,6 milhões são registros de pessoas que realmente compraram veículos, fizeram revisões na rede ou adquiriram outros produtos e serviços. Os demais se referem a pessoas que apenas visitaram uma concessionária, ou interagiram com as redes sociais da marca.
Em seguida, a plataforma fez um rankeamento dessas pessoas usando 27 indicadores.
No topo da cadeia, estavam os clientes com relação mais estreita. Alguém que comprou três modelos da Nissan em cinco anos, ou que passou pelo pós-venda da marca várias vezes, por exemplo.
A partir daí, a ideia é que esses consumidores sejam contatados por telefone, SMS ou e-mail, sempre com ofertas mais personalizadas de produtos ou serviços. Mais ou menos como descrito no primeiro parágrafo deste texto.
Chatbots sem burrice
Mas a marca também se prepara para a interação no sentido inverso, provocada pelo consumidor que procura o site ou as redes sociais da marca. A interação inicial é feita por meio de chatbots.
[Um parêntese. Para quem não sabe, os chatbots são programas capazes de promover uma conversa, fazendo-se passar por um ser humano. Quem interage com um chatbot tem, em tese, a impressão de estar conversando com outra pessoa, e não com um programa de computador.
Usados largamente por empresas de telefonia e companhias aéreas, esses recursos trazem um ganho enorme em termos de eficiência para a empresa. Afinal, chatbots não têm o horário de trabalho demarcado e os direitos trabalhistas do pessoal do telemarketing.
Por se apoiar num repertório de respostas prontas, porém, sua capacidade se resume a demandas mais triviais. Diante de uma pergunta ou interação que fuja minimamente do script, o sistema entra em loop e se sai com a resposta padrão que parecer mais adequada, denunciando as limitações da ferramenta.]
Bem, nesse momento, ao invés de deixar o consumidor preso ao loop estapafúrdio do chatbot, a plataforma da Nissan aciona um atendimento humano para prosseguir com o atendimento.
A ideia da marca não é que a plataforma substitua completamente os humanos, mas os ajude a ter resultados melhores. Na ativação de novas vendas, os robôs conseguem um ganho de escala muito maior que uma equipe humana. Em 19 de março de 2018, a Nissan conseguiu fazer sua primeira venda totalmente provocada por inteligência artificial. A transação, envolvendo um Kicks, depois foi concluída por um vendedor humano.
Já na solução de problemas, o chatbot funciona como uma espécie de filtro prévio. Ele dá um primeiro encaminhamento a cada cliente e refina o atendimento humano. Este será prestado em um segundo momento. Isso evita que os atendentes tenham de voltar a perguntas muito básicas.
Para o consumidor, a vantagem é justamente essa sensação de ter uma atenção mais personalizada, por parte de uma empresa que conhece bem seu perfil e procura oferecer produtos e serviços que realmente lhe interessem.
No futuro, chegará o dia em que o comprador de um modelo zero-km simplesmente se dirigirá a um local de entrega, destravará seu carro e irá embora, como já ocorre em plataformas de compartilhamento. Isso porque haverá mais e mais etapas do relacionamento entre empresa e cliente se tornando digitais,
Função social
A tecnologia Laura foi implantada inicialmente em hospitais para identificação precoce do risco de infecção hospitalar em pacientes internados em UTIs. A plataforma de inteligência artificial lê e cruza as informações do paciente.
Em seguida as envia alertas para a equipe médica. Então, indica onde há riscos potenciais de infecção, para que sejam tomadas medidas preventivas.
Hoje, a Laura funciona em cinco hospitais no Paraná. Por lá, monitora 60 mil pacientes por ano. Além disso, já evitou 233 mil mortes, de acordo com a startup que desenvolveu a plataforma.