Segurança veicular: quem manda são os uruguaios

Depois que o Latin NCAP deu bomba em dois carros nacionais, o Denatran correu para consertar a situação

Segurança Crédito: Chevrolet Onix em teste de colisão do Latin NCAP (Foto: Divulgação)

É tamanho o descaso do governo brasileiro com a segurança veicular que, por enquanto, quem determina os parâmetros de proteção aos ocupantes dos nossos automóveis é uma entidade uruguaia, o Latin NCAP.

Estranhou? Pois então acredite se quiser: os uruguaios estão realizando testes de impacto (crash tests) com automóveis produzidos e vendidos (também) no nosso mercado. Depois dos testes frontais, passaram a simular também, no ano passado, os laterais. Nos quais dois compactos nacionais (Onix e Ka) tomaram bomba (zero estrela). As duas fábricas correram para se explicar: “Nossos carros estão de acordo com a legislação brasileira”.

E estavam, de fato, pois o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) só exigia testes de impacto frontal, não os laterais. Apesar disso, a General Motors correu para reforçar a estrutura lateral do Onix (e seu sedã Prisma), mandou ambos para o Latin NCAP testá-los e os resultados foram positivos: de zero para três estrelas. Envergonhado, o Contran correu para publicar, há duas semanas, uma portaria (n.721) exigindo os testes laterais. A Peugeot, por exemplo, terá agora que voltar as barras de proteção lateral que retirou do 208 produzido aqui.

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A rigor, a legislação brasileira de segurança veicular é uma colcha de retalhos que começou a ser tecida na década de 70 e tomou primeira forma em 2007, com a resolução 221 do Contran, seguindo as normas ABNT 15.300 para testes de impactos frontais – e regulamentada em 2012 seguindo critérios das Nações Unidas (ECE R94). Nos quais se registram os sinais vindos dos bonecos (“dummies”) nos crash tests para uma avaliação biomecânica da intensidade das lesões na cabeça, pescoço e tórax. A colcha foi ganhando mais retalhos e, dois anos mais tarde, em janeiro de 2014, foram tornados obrigatórios airbags e freios ABS.

Como não existe laboratório independente para realizar estes testes no Brasil, nosso governo decidiu aceitar os resultados dos crash tests realizados por empresas certificadas no exterior, considerando as normas da ABNT. Ou seja, não se realizavam simulações de impactos laterais, apenas os frontais. Uma divergência com o Latin NCAP, pois seus testes são realizados pelo Euro NCAP, com critérios europeus.

A leniência do governo brasileiro já fez o país passar diversas outras vergonhas pelo atraso em exigir equipamentos de segurança presentes até em países vizinhos como a Argentina; alguns por pressão contrária do poderoso lobby das fábricas. Até dispositivos simples, como apoio de cabeça e cinto de três pontos no centro do banco traseiro, demoraram anos a serem exigidos. Outro da maior importância para a proteção infantil, o Isofix, também demorou a se tornar obrigatório. O mesmo com o sistema eletrônico de estabilidade, um dispositivo simples e barato de ser instalado, desde que o carro já tenha freios ABS. E a colcha foi ganhando novos remendos…


A primeira iniciativa digna de aplausos pelo Contran foi a Resolução 717, de novembro do ano passado. Nela, são relacionados dezenas de itens de segurança veicular com estabelecimento de prazos para que os estudos necessários para sua implementação sejam apresentados ao órgão. Entre os especificados para automóveis estão aviso de afastamento da faixa na rodovia, sistema de frenagem automática de emergência, proteção ao pedestre, proteção contra impactos laterais, veículos elétricos, autônomos e até gravador de dados. Os prazos variam de acordo com a complexidade tecnológica de cada um, de seis meses para a maioria, esticados a 36 meses (gravador de dados, ou caixa-preta); ou até 48 meses, no caso dos carros autônomos.

Como se vê, um esforço do governo (o primeiro) para que nossa legislação acompanhe a evolução tecnológica da indústria automobilística mundial. Resolução publicada, melhor que nada. Resta saber se os prazos serão efetivamente cumpridos ou todos empurrados (como sempre) para debaixo da colcha…

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