A velocidade não era tão alta, a chuva não estava tão forte e a curva nem era tão fechada. De repente, o carro “desobedeceu” o motorista e passou reto na curva. Felizmente, não havia outro veículo do lado ou vindo em sentido contrário. A área de escape era grande e a pista estava fechada para os testes de aquaplanagem do Jornal do Carro. Tudo acabou bem. Mas, na vida real, nem sempre o final é feliz.
Estamos em período de férias. As estradas ficam cheias e as chuvas de verão, normalmente volumosas, estão aí. Com isso, a possibilidade de aquaplanagem (ou hidroplanagem) aumenta. Esse fenômeno ocorre quando os pneus perdem contato com o piso ao passar sobre a água na pista. Isso pode acontecer com qualquer tipo de veículo. Não importa o modelo, marca ou tipo de motor, e mesmo se os pneus forem novos.
Fizemos várias simulações no Campo de Provas da Bridgestone, em São Pedro, no interior de São Paulo. Lá, é possível “fazer chover”, por meio de um sistema de irrigação. Ele permite controlar a quantidade de água sobre o asfalto.
Além dos testes que comprovam o perigo da chuva associada à velocidade, mostramos os riscos de rodar com pneus descalibrados, o significado das inscrições nas laterais do pneu e o preço médio dos modelos mais comuns.
Em curva, a aquaplanagem é ainda mais perigosa. Se os pneus perderem a aderência com o piso, o carro sairá da trajetória e seguirá em linha reta, mesmo com o motorista esterçando o volante.
Para simular essa situação, parte da pista recebeu uma lâmina de 6 mm de água, volume que, segundo o engenheiro da Bridgestone Lauro Oliveira, é muito comum em estradas.
Na primeira passagem, aos 70 km/h, o Civic contornou a curva sem nenhum problema. Na volta seguinte, estabilizamos a velocidade em 75 km/h. Ao entrar na parte “molhada” da pista, os pneus dianteiros derraparam levemente e o carro ameaçou sair um pouco da trajetória. Mas logo recuperaram o atrito com o piso e o sedã permaneceu no caminho, após deslizar de leve a frente.
Para a terceira passagem, chegamos a 80 km/h, e tudo mudou. Apesar de não ser uma velocidade alta em estradas, ao entrar na parte com água o sedã ignorou os comandos do motorista e seguiu reto, mesmo com as rodas viradas.
Nessa situação, o motorista torna-se tão passageiro quanto os demais ocupantes. Na vida real, o veículo poderia atravessar para a pista contrária ou mesmo sair para o acostamento, por exemplo. Na melhor das hipóteses, seria um susto e um frio na barriga. Ou um acidente de consequências imprevisíveis.
Andando sobre as águas
Na aquaplanagem em linha reta, o risco de acidente também é grande e, assim como em curvas, pode ocorrer mesmo em baixa velocidade. Para verificar o momento a partir do qual os pneus perdiam contato com o piso, o teste consistiu em aplicar aceleração máxima com o carro (um Honda Civic 2018) rodando sobre uma lâmina de água com 18 mm.
Enquanto as rodas dianteiras continuassem respondendo ao comando do acelerador, tracionando o veículo, era sinal de que os pneus estavam em contato com o piso – e o motorista, no controle.
Fizemos a primeira passagem a 65 km/h, e o Civic se saiu muito bem. A 70 km/h, aparentemente estava tudo em ordem, mas, na metade do trajeto, a luz do sistema de controle de tração deu uma leve piscada no painel, sinalizando que as rodas da frente estavam começando a patinar.
A 75 km/h, a luz espia começou a piscar logo no início do trecho molhado. Isso evidencia que os pneus da frente estavam perdendo contato com o asfalto e começaram a “subir” na lâmina de água.
Nesses casos, o carro já não responde mais aos comandos do acelerador, freios e direção, e se transforma em uma boia desgovernada sobre a água.
O que fazer em caso de aquaplanagem
Em caso de chuva, a primeira providência é reduzir a velocidade. Sobre piso molhado as distâncias de frenagem aumentam, o que eleva também o risco de acidentes. Segundo dados da Bridgestone, um carro 80 km/h precisa de 27 metros para parar sobre piso seco. Se a pista estiver molhada, a distância é de 35 m.
Os primeiros indícios de que o veículo entrou em aquaplanagem são a direção leve e a elevação do giro do motor (indicando redução do atrito com o piso). Se isso acontecer, não freie.
Tire o pé do acelerador e deixe a velocidade cair sozinha. Ao mesmo tempo, mova levemente o volante para os dois lados para ajudar os pneus a retomarem o contato com o piso.
O risco da pressão baixa
Calibrar pneus deveria ser algo corriqueiro: é rápido, não custa nada e pode ser feito enquanto se abastece o tanque. Mas, mesmo assim, muitos motoristas não seguem as instruções dos fabricantes, e as consequências podem ser graves.
Pneus descalibrados elevam o consumo de combustível, comprometem a estabilidade e desgastam-se mais rapidamente. De acordo com a Bridgestone, pneu com pressão baixa pode durar até 30% menos. Resumindo: há prejuízo para o bolso e para a segurança.
Na pista de testes, fizemos simulações com a calibração recomendada pelo fabricante (no manual do carro) e com pressão abaixo da indicada. Entre um ensaio e outro, a impressão foi a de que o veículo havia sido trocado, tal a diferença de comportamento.
O trajeto consistia em fazer o “teste do alce” e depois a curva “Londrina”. No primeiro caso, a prova simula uma troca repentina de faixa, para desviar de um obstáculo que aparecesse inesperadamente na via. Após o desvio “do alce”, o veículo volta à faixa normal.
O segundo teste leva esse nome porque reproduz um trecho do autódromo de Londrina, no Paraná. O veículo faz uma longa curva à direita, a 100 km/h, e de repente dá uma guinada à esquerda. Tanto no teste do alce quanto na curva Londrina o objetivo é testar o limite de estabilidade lateral.
Com pneus calibrados (32 libras), foi possível realizar o teste do alce com o Civic a 100 km/h, sem acertar nenhum cone que delimitava a pista. Da mesma forma, o sedã fez a curva “Londrina” com segurança e obedeceu aos comandos do motorista.
Após a primeira sessão de ensaios, com a elevação da temperatura interna, a pressão subiu para 37 libras na frente e 35 na traseira. Retiramos seis libras de cada pneu e voltamos à pista, com 31 libras na frente e 29 atrás. A dirigibilidade mudou, e exigiu mais correções no volante. Mesmo assim, já não era possível fazer o contorno das curvas do alce na mesma velocidade, sem acertar um ou outro cone.
A direção também perdeu velocidade de reação e ficou mais indireta. Isso obrigou o motorista a virar mais o volante para tentar manter o veículo na trajetória. Outro sintoma é que o carro perdeu a firmeza e “balançou” mais.
Na sequência, tiramos outras seis libras de cada pneu. Como a pressão havia subido novamente, o Civic voltou aos testes com 26 libras na dianteira e 24 na traseira. Nessa condição, o sedã ficou ainda mais desgovernado, saindo de frente nas curvas e com a traseira escapando perigosamente. O engenheiro Lucas Rizzi Pinto disse que, numa situação real, com motorista despreparado para reagir, o carro provavelmente rodaria na pista.
Duas libras por mês
O gerente geral de vendas da Bridgestone, José Carlos Quadrelli, alerta para o fato de que na média os pneus perdem duas libras de pressão por mês. Por ser uma perda lenta e constante, não se deve confiar no visual para avaliar o momento de conferir a calibragem.
De acordo com Quadrelli, um pneu só dá sinais visuais de que está murcho quando tem cerca de 20 libras. Em nossas simulações, desligamos o controle de estabilidade do Civic, para evitar que a eletrônica interviesse e impedisse o carro de chegar ao limite de aderência.
AGRADECIMENTO: BRIDGESTONE