O motorista que está acostumado a dirigir entre São Paulo e Rio de Janeiro normalmente usa uma tática para economizar: no sentido do Rio, completa o tanque na Rodovia Presidente Dutra antes de cruzar a divisa de Estado. Na volta, se possível, só abastece após alcançar terras paulistas novamente. A razão é que a diferença de preço dos combustíveis entre os dois Estados é gritante. O litro do etanol, que sai em média a R$ 2,559 em São Paulo, pula para R$ 3,602 no Rio, ou mais de R$ 1 de diferença.
Se a opção for pela gasolina, as coisas não melhoram muito. Em São Paulo, o litro sai, em média, a R$ 3,966. No Rio, Estado com a gasolina mais cara do País, são R$ 4,70. São R$ 0,73 (ou 18,5%) a mais.
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A discrepância entre São Paulo e Rio não é um caso isolado. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que faz pesquisa semanal em postos de todo o País, há grande variação de um Estado para outro.
A pesquisa feita entre os dias 10 e 16 deste mês, por exemplo, revela que a diferença do preço do litro do etanol chega a 58,36%, ou R$ 1,48. O menor valor médio, de R$ 2,539, foi apurado no Mato Grosso e o maior, de R$ 4,021, no Acre.
No caso da gasolina, a média mais baixa (R$ 3,563 por litro) no período foi apurada na Bahia. São R$ 1,137 (31,9%) a menos que o valor cobrado no Rio.
Imposto é o vilão
Algumas razões explicam essas diferenças. A principal é a alíquota de ICMS, que muda de Estado para Estado. São Paulo tem a mais baixa do País.
Sobre o etanol, o ICMS é de 12%. Com isso, por litro, o valor equivalente ao imposto é de R$ 0,317. Já o Rio de Janeiro cobra 32% (o maior porcentual do território nacional), o que equivale a R$ 1,088 por litro.
A discrepância volta a aparecer no caso da gasolina. Em São Paulo, o ICMS sobre o combustível é de 25% (R$ 1,026 a cada litro), enquanto no Rio a taxa é de 34% (R$ 1,636 por litro).
De acordo com o diretor de Planejamento Estratégico e Mercado da Plural, associação que congrega algumas das principais distribuidoras de combustíveis do País, Helvio Rebeschini, o ideal seria uniformizar os tributos. “Com isso, as diferenças de preços tenderiam a ser menores.”
A concorrência, porém, sempre existirá. “Combustível é o produto com o preço mais escancarado que existe. Basta sair à rua para ver”, afirma.
Gasto em dose dupla
Um Civic 2.0 é capaz de rodar 13 km com um litro de gasolina no Brasil. Nos EUA, um dos maiores mercados de veículos do mundo, o mesmo sedã vai bem mais longe: pode percorrer 16,1 km, ou 23,8% a mais.
Não é culpa da Honda. Sua arquirrival, Toyota, também não tem nenhuma responsabilidade pelo fato de o Camry 3.5 V6 fazer 11,5 km/l nas estradas do País e 14,0 km/l nas highways norte-americanas.
Civic e Camry são apenas dois, entre outros vários exemplos (confira no quadro da próxima página). Alguns fatores explicam essa discrepância. O principal é a maior quantidade de etanol misturada à gasolina que é vendida no mercado brasileiro.
Atualmente, a chamada “gasolina C” contém (oficialmente) 27% de etanol em sua composição. É bem mais que os 10% presentes na maior parte das bombas nos EUA. Por lá, há ainda outros dois tipos de mistura: E15 (gasolina com 15% de etanol, presente em alguns locais) e E85 (combustível com 85% de etanol, exclusiva para veículos flexíveis, de uso ainda muito raro no país).
O etanol é um combustível mais “limpo” e amigável ao meio ambiente. Durante a combustão, o derivado da cana emite muito menos monóxido de carbono que a gasolina.
O incentivo ao etanol foi uma opção do governo, nos anos 70. A meta do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) era desenvolver uma tecnologia própria. Uma das motivações foi criar uma alternativa nacional para livrar o País da crise do petróleo, que estava elevando os preços do produto.
Mas, como o poder calorífico do combustível vegetal é cerca de 30% menor que o da gasolina, quanto maior a participação na mistura, maior o consumo. Daí o fato de os “nossos” carros gastarem mais.
Consumo é quase 24% maior
Além da maior adição de etanol à gasolina, o Brasil adotou também os carros flexíveis, a partir dos anos 2000. Isso resolvia uma problemão: o de ter de produzir o mesmo carro com dois tipos de motores, um a álcool e outro a gasolina (o que, em termos de economia de escala, era um péssimo negócio).
Com o carro flexível, o dono não ficava à mercê nem dos usineiros, nem dos xeques árabes do petróleo. A contrapartida (aqui também havia um preço a pagar) era que esse tipo de motor, embora pudesse receber gasolina e etanol em qualquer proporção de mistura, não era tão bom nem como um motor puramente a gasolina, nem como um propulsor desenvolvido apenas para álcool. Daí aquela analogia com o pato: ele nada e voa, mas não faz bem nenhuma das duas coisas.
Comparativo
Colocamos lado a lado os dados de consumo de automóveis que rodam no Brasil e no Estados Unidos. A tabela desta página inclui veículos de produção nacional (caso do Civic, flexível) e importados (como o Passat, a gasolina). Tomamos a precaução de escolher carros que utilizam o mesmo conjunto motor-câmbio aqui e lá.
A diferença já era esperada. Mas o que chama a atenção é que em alguns casos ela é superior a 20%, principalmente no ciclo rodoviário.
Os números são oficiais. No caso do Brasil, são do Inmetro, que compila os dados do Programa Brasileiro de Etiquetagem. No caso dos Estados Unidos, são do Departamento de Energia, que os divulga no site FuelEconomy.gov.
Por fim, há ainda o fator preço. Além de gastar mais, o combustível é bem mais caro no Brasil. Um exemplo é o Nissan Versa 1.6 automático.
No Brasil, o sedã faz média rodoviária de 14,1 km/l de gasolina. Como esse combustível custa, em média R$ 4,17, segundo levantamento feito pela ANP entre 10 e 16 de fevereiro, o km rodado sai a R$ 0,29.
Nos Estados Unidos, o mesmo Versa faz 16,6 km/l. Com o galão de gasolina (3,785 litros) a US$ 2,28, paga-se o equivalente a US$ 0,60 o litro, ou R$ 2,23, na conversão direta, sem impostos. Assim, nos EUA o km rodado cai para R$ 0,13, menos da metade do aferido no Brasil. Poluímos menos, mas a conta acabou ficando para os motoristas daqui.