O vovô tem quase oitenta anos e uma saúde de ferro, que deixa muito garotão no chinelo. Esse é o espírito dos hot rods, uma vertente de carros customizados que alia o charme dos antigos a conforto e mecânica atualizados. São modelos, em geral, dos anos 30 a 60, que ganham ar-condicionado, direção hidráulica e motor de responsa.
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O estilo nasceu nos EUA após o fim da Segunda Guerra. A indústria estava estagnada e os jovens, sem muito dinheiro, passaram a recuperar modelos antigos, com preços em conta.
“Um dos mais procurados era o Ford 1932, um dos primeiros com motor V8”, explica Alexandre Benevides, da Hot Company Brasil. “Às vezes, para-lama e capô eram retirados para deixar o carro mais leve para competições.”
Com a disseminação da cultura, surgiram empresas especializadas em fornecer peças para esse segmento, como motores, suspensões e câmbios de alto desempenho. “Um novo nicho de mercado se abriu. As oficinas viram isso como um negócio e a clientela crescia na base do boca a boca”, diz Murillo Cerchiari, da loja e oficina especializada em hot rods San Diego Motors.
Aos poucos, esta prática se sofisticou: nascia a era dos hot rods de luxo, que custavam centenas de milhares de dólares, disseminados por grandes expoentes da customização, como Chip Foose.
No Brasil, a onda hot rod ganhou impulso nos últimos dez anos, com a maior facilidade de importação de componentes. “Antigamente, usavam-se motores de Opala e Maverick adaptados, pois era o que se tinha à mão. Hoje, se você tiver dinheiro, é fácil fazer um hot rod fiel ao americano”, diz Cerchiari.
Em relação aos preços, o céu é o limite: um bom projeto parte de R$ 200 mil, fora o preço do carro, e chega ao triplo disso.
Identidade
A cartilha da customização de um hot rod segue poucas regras: a ideia é buscar um resultado único, que revele o bom gosto do dono. Os projetos são feitos principalmente a partir de modelos dos anos 1930 a 1960. “São os desenhos mais legais. A partir dos anos 1970, os carros perdem detalhes e aumenta o uso de plástico”, explica Cerchiari.
O que não significa que seja necessário recuperar um exemplar sobrevivente dessa época. “Hoje, você compra uma carroceria nova que reproduz um modelo clássico, como o Ford 1932, e coloca o recheio que quiser.”
Nem sempre esse recheio inclui um motor V8, envenenado para obter um desempenho agressivo. “Há hot rods mais bravos e outros mais mansos. Alguns retrabalham um motor de época, outros instalam um novo. Cada um faz como quer e pode pagar.” Há, inclusive, quem instale um comando para abafar o ronco do propulsor, quando necessário.
No rat look, sinais do tempo são bem-vindos
Enquanto a evolução dos hot rods produziu resultados sofisticados, que beiram a ostentação, há uma vertente que volta às origens dessa cultura, quando os modelos eram produzidos no quintal de casa, com sobras de peças. Nos rat rods, o que dá o tom é o visual ‘detonado’, com marcas do tempo – o termo ‘rat look’ denota uma aparência suja, de rato.
“A proposta é bem mais despojada. Se o hot rod é um projeto que nasce pronto, no rat você mexe o tempo todo, vai colocando peças”, diz Murilo Cerchiari.
Há espaço para modelos mais modestos, como o Fusca, que tem peças fartas e baratas. O “besouro” foi a escolha do vendedor Adriano Esperandeu, que transformou um exemplar de 1961 em um de seus rat rods – o outro é uma Kombi 1967. Ambos receberam motores VW 1600 novos, com dupla carburação e injeção eletrônica.
“Para conseguir um aspecto mais ‘detonado’, há quem lixe a pintura manualmente até remover toda a tinta. Ou use uma palha de aço embebida em água e sal para manchar a lataria”, ele conta. “Pode ficar bonito, mas você vê que é artificial. Prefiro algo mais natural.”
No outro extremo, há rat rods mais sofisticados. O visual é cuidadosamente envelhecido e, por baixo dele, há um conjunto mecânico de ponta, com motor e freios de primeira linha.
Um bom exemplo é o Ford 1940 do empresário Marcos Scavacini. “Eu queria um carro feio por fora, mas ‘top’ por dentro, com motor V8”, ele explica.
Ele achou o exemplar do cupê já enferrujado e levou dois anos para deixá-lo como queria. O teto foi rebaixado – o para-brisa ficou com a altura de uma nota de US$ 1 – e os para-lamas foram alargados. A carroceria recebeu uma aplicação de verniz fosco para conter a ferrugem e, sob o capô, foi instalado um V8 de Galaxie norte-americano.
“A ideia do rat rod é usar sem dó, parar em qualquer lugar, sem medo de esbarrões”, ele diz. “Exposto ao clima, ele envelhece a cada dia. Por isso, nunca está pronto.”