Eles defendem seu objeto de amor com unhas e dentes, sabem detalhes da história, unem-se a outras pessoas com a mesma paixão e ficam inconsoláveis em caso de rebaixamento. Torcedores de um time de futebol? Não: fãs de carros que cultuam um modelo específico. E podem ser tão fanáticos quanto o torcedor mais “roxo” de uma equipe esportiva.
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Carros que marcaram época, como Fusca, Kombi e Opala, têm uma legião enorme de fãs, acumulados ao longo de décadas de produção. Mas não são os únicos que se tornam objeto de culto. Modelos recentes, como o Hyundai HB20, já angariam um número considerável de admiradores.
São pessoas que gastam boa parte de seu tempo livre cuidando do carro, lendo sobre ele e trocando informações com outros aficionados, em fóruns de discussão na internet.
Em pouco tempo, esses contatos transcendem o virtual e se transformam em amizades, fortalecidas por meio de clubes que promovem encontros e viagens.
Interessados e dedicados, muitos fãs esmiúçam seu objeto de paixão e tornam-se especialistas no assunto, a ponto de servirem de fonte de informação até para as montadoras.
O diretor de comunicação da Chevrolet, Pedro Luiz Dias, conta que os fãs chegam a dar palestras para os funcionários da marca. “Eles entendem o carro tão bem quanto o engenheiro que o desenvolveu, às vezes até mais.”
Não raro, têm na garagem mais de um exemplar do modelo que adoram. E os tratam com todo o cuidado do mundo.
O presidente do Monza Clube, William Bertochi, diz que há sócios que chegam a faltar aos eventos se há previsão de chuva, para não molharem suas preciosidades. Outros simplesmente não rodam com o veículo, para mantê-lo como novo. “Eles contratam guinchos para transportar o carro até os eventos”, conta.
COBRANÇAS
E ai de quem falar mal do carro que tanto amam: é briga na certa. Por defenderem o modelo com tanta paixão, os aficionados se sentem à vontade inclusive para pedir à marca que salve sua paixão da guilhotina.
“Quando começa o burburinho sobre o fim de um modelo, eles nos procuram e tentam nos convencer a mudar de ideia”, diz o gerente de marketing de produto da Volkswagen, Henrique Sampaio.
E se o modelo amado já disse adeus, não faltam clamores dos saudosistas pedindo uma nova encarnação. “Recebemos até hoje mensagens perguntando quando o Opala e o Monza voltarão a ser feitos”, afirma Dias. “Os fãs são educados, mas bastante incisivos.”
Confira as histórias de alguns desses apaixonados por carros e marcas de veículos.
O empreendedor
A paixão do empresário Alexandre Badolato são os Dodge que a Chrysler fabricou no Brasil nos anos 70 e acabaram desaparecendo. “Com a segunda crise do petróleo e o fechamento da fábrica, eles passaram a valer quase nada. Muitos foram destruídos ou cortados para virar carro alegórico. Sobreviveram apenas 3% da produção”, ele conta. Cruzando informações da Anfavea, de revistas e ex-funcionários da empresa, Badolato conseguiu localizar e cadastrar boa parte dos carros remanescentes. Vários passaram a fazer parte de sua coleção, que ocupa um galpão perto de Campinas (SP). Batizado de Museu Dodge, tem 65 unidades, separadas por modelo (Charger e Dart) e ano de fabricação.
O garimpeiro
A missão do ator e restaurador de carros Andrew Bergamo é ajudar a corrigir o que ele considera uma injustiça com o “finado” Ford Versailles. “Ele tinha acabamento superior ao do Santana e, mesmo assim, foi esquecido: só o Volkswagen ficou famoso”, lamenta. Ele criou um clube para o modelo. “Como o Versailles teve apenas 80 mil unidades produzidas, era difícil encontrar informações sobre ele”. Bergamo tem dois sedãs na garagem e está recuperando uma perua Royale que pertencia à sua família e estava indo para o ferro-velho. Ele garimpa material de época, como revistas, folhetos e pôsteres, e conversa com ex-funcionários da Ford. “Todas as informações são preciosas.”
O colecionador
Para os inúmeros órfãos do Fusca e da Kombi, o barulho do motor refrigerado a ar desses modelos é como música. O publicitário Helder Sobrêda é um desses fãs. O gosto pela linha Volkswagen veio de família – ele tem um Fusca e uma Brasilia 1976 e uma Kombi 1972, esta em fase de restauração. Sua coleção de revistas, iniciada na infância, foi crescendo com os exemplares que ele garimpou em sebos. Mas o destaque do acervo VW são as mais de mil miniaturas – só de Kombi, são 200, de tamanhos variados. O Sampa Kombi Clube, que ele ajudou a fundar, tem perfil bem democrático. “Aceitamos modelos de todos os tipos, do mais original ao mais modificado.”
A defensora
A analista de vendas Patrícia Paiva não se interessava por carros até ganhar um Vectra do pai. Depois de rodar 330 mil km com o Chevrolet, ela se encantou com o sedã, juntou amigos e fundou o Clube do Vectra. Ao acompanhar as discussões de mecânica em um fórum, pegou gosto pelo assunto e hoje discute de igual para igual na hora de deixar o carro na oficina. “Quem gosta mesmo de um modelo mexe nele e conhece bem seus sintomas e particularidades”, diz. Defensora ferrenha do sedã, ela não deixa barato nenhuma provocação. “Quando me dizem que ele é defasado, respondo: o meu carro tem suspensão traseira independente, e o seu?”
O cuidadoso
O analista de sistemas Maurício Simão é apaixonado pelo Monza e guarda com cuidado um sedã que o pai adquiriu em 1986. Até o tapete de papel com o qual o carro foi entregue pela concessionária foi mantido. O carro fica coberto por duas capas, suspenso em um cavalete – para preservar as molas, segundo o dono – e não roda mais que cinco vezes ao ano (e nem em asfalto quente). Uma coleção de recortes e revistas com reportagens sobre o Chevrolet ajuda a preservar a história do modelo. “Muitos mantêm o carro em bom estado, mas não com os pneus originais. É algo que poucos conseguem e eu quero ter”, afirma. “Um veículo bem cuidado vale mais do que um refeito.”