Na quarta e última reportagem da série Fiascos históricos, o tema é uma marca de luxo e aquele que foi um de seus maiores erros. Trata-se da primeira geração do Classe A, lançada para ser o primeiro compacto da Mercedes-Benz.
Na época, a ideia era concorrer com modelos como Volkswagen Golf. Depois, veio também o Audi A3. Esses carros são, essencialmente, hatches médios – considerados compactos em alguns mercados.
O primeiro problema apareceu nesse quesito. O Classe A não era um hatch tradicional. Ele estava mais para minivan.
Lançado na Europa em 1997, o Classe A passou por um grande vexame já no primeiro ano. Em uma reportagem realizada por uma revista sueca, ele capotou no chamado “teste do alce”, que avalia a capacidade do carro de fazer mudanças repentinas de trajetória.
O centro de gravidade mais alto que o de hatches comuns contribui para essa falta de equilíbrio. Por causa desse incidente, o Classe A passou a receber sistema eletrônico de estabilidade que nunca, jamais, poderia ser desligado.
VEJA TAMBÉM: CARROS QUE NUNCA DEVERIAM TER SIDO LANÇADOS
RENAULT CLIO SEM AIR BAG
Quando a Renault lançou a segunda geração do Clio, já produzida no Brasil, o orgulho era que o popular tinha air bag de série em todas as versões, mesmo na mais básica. No entanto, não demorou para que o item fosse retirado para baratear o carro, às custas de torná-lo menos seguro.
VOLKSWAGEN LOGUS
A Autolatina não permitia que a Volkswagen tivesse um hatch médio de duas portas para evitar rivalizar com o Ford Escort (e nem um sedã com quatro portas, que brigaria com o Verona). Por isso, o Logus foi criado como um três volumes de porte médio, mas sempre com duas portas e um visual pra lá de curioso e nenhuma conexão com os outros VW da época.
CHEVROLET MONTANA 2
Quando a Chevrolet resolveu renovar a Montana, o modelo passou a ser baseado no controverso Agile. Perdeu, portanto, toda a modernidade da plataforma do Corsa de 2002 para usar a base do Corsa de 1994 (num carro lançado em 2010).
FIAT SIENA 6 MARCHAS
Na virada do milênio os carros 1.0 estavam em alta no Brasil. Então, a Fiat resolveu criar uma versão do Siena com o motor de 61 cv que equipava os Palio de entrada na época. Para tentar dar mais agilidade ao sedã (e à perua, que também teve essa versão), mais pesado que o hatch, o modelo até ganhou um câmbio de seis marchas. Não ajudou.
FIAT PALIO CITYMATIC
Muito antes dos câmbios automatizados de hoje, havia um sistema que acionava apenas a embreagem automaticamente, enquanto o motorista continuava fazendo as mudanças normalmente na alavanca. A Fiat lançou esse sistema numa versão do Palio em 2000. Porém o sistema era lento, tinha problemas recorrentes e saiu logo de cena. A GM até tentou a mesma tecnologia no Corsa em 2002, mas pouquíssimas unidades do Corsa Autoclutch foram vendidas.
CHEVROLET AGILE EASYTRONIC
O Agile já é um carro que divide opiniões. Sua versão com câmbio automatizado Easytronic, no entanto, é uma das mais difíceis de justificar. O modelo era caro e o sistema, que já era conhecido por não ser lá muito confiável, tornava o carro lento e ainda menos prazeroso de guiar.
RENAULT KANGOO 1.0
O Kangoo era desengonçado (vide foto), mas espaçoso e muito versátil. No entanto, para levar toda sorte de coisas em seu vasto interior, era preciso um motor mais forte, como o bom 1.6 que vinha no modelo desde o lançamento em 1999. Mas para encaixar o modelo numa faixa de impostos mais baixa, a Renault fez uma versão com o motor 1.0 de 59 cv (apenas!) do Clio da época e criou um carro que não sobe ladeiras.
FORD ECOSPORT 1.0 SUPERCHARGER
Outro 1.0 inexplicável do início dos anos 2000 foi o EcoSport Supercharger. É inegável que o Eco é um dos maiores acertos da história da Ford brasileira, mas a versão de entrada das primeiras safras do modelo tinha um motor 1.0 com compressor mecânico e 95 cv (também usado no Fiesta). Era a mesma potência da versão 1.6, que era mais eficiente e até consuma menos que esse 1.0.
VOLKSWAGEN POLO 1.0 16V
A Volkswagen teve o infortúnio de lançar uma versão do Polo com motor 1.0 16V de 71 cv dias antes das regras de IPI mudarem no Brasil. Até então, os 1.0 pagavam bem menos imposto e conseguiam ser mais baratos. Logo em seguida, a grande vantagem se perdeu e levou junto todo o apelo do Polo 1.0 e decretou seu fim.
CHEVROLET CHEVETTE JUNIOR
A Chevrolet não queria ficar para trás na onda dos 1.0, lançada pela Fiat com o primeiro Uno Mille. Só que seu produto de entrada na época ainda era o Chevette (o Corsa só veio em 1994). Por isso, o já veterano sedã ganhou uma versão reduzida do 1.6 que o equipava. O problema era que parte dos seus parcos 50 cv já ficava pelo caminho entre o motor e o eixo traseiro (de tração) e o desempenho do Chevette Junior era mais que sofrível (ele ia de 0 a 100 km/h em 21 segundos!). O Mille, que já era longe de ser um carro rápido, andava bem mais e bebia menos.
À época, o assunto foi levado bastante a sério pela marca. Mas, hoje, a Mercedes-Benz trata o fiasco do “teste do alce” com um toque de humor.
Sempre que o presidente mundial da montadora, Dieter Zetsche, fala sobre o Classe A em um evento automotivo, no telão atrás do executivo aparece rapidamente a imagem de um alce – algo como uma mensagem subliminar. As gargalhadas da audiência são inevitáveis.
O outro problema do Classe A foi a concorrência. Os hatches médios têm uma pegada esportiva, atraindo um tipo de cliente mais jovem que o de sedãs, por exemplo. A Mercedes, tradicionalmente, é uma marca que cativa um público mais maduro.
Com o Classe A, no entanto, a estratégia era atrair os jovens. Porém, as minivans não têm grande apelo com esse tipo de consumidor. São carros que conquistam mais quem tem família e precisa de espaço.
A INVESTIDA NO BRASIL
O Classe A foi o modelo escolhido pela Mercedes-Benz para produzir, pela primeira vez, carros de passeio em território brasileiro. Foi construída exclusivamente para esse veículo uma fábrica na cidade mineira de Juiz de Fora.
O modelo seria o primeiro automóvel da Mercedes-Benz produzido fora da Alemanha, o que mostrava que a marca estava apostando forte no Brasil. Era o auge das “newcomers”, montadoras que passaram a fabricar carros no País a partir do fim da década de 1990.
A produção começou em 1999 e, inicialmente, veio a versão A160, com motor de apenas 99 cv. Um ano depois, a Mercedes-Benz lançou por aqui o Classe A topo de linha, A190, com 125 cv.
O Classe A, porém, não agradou o brasileiro. Ele era um Mercedes-Benz de entrada, mas nem por isso barato. Na época, falava-se, no País, que mais pessoas poderiam realizar o sonho de ter o desejado carro com estrela no capô (ou na grade, nesse caso), em alusão ao logotipo da Mercedes.
A estrela oferecida aos menos abonados – e nem tão menos abonados assim, já que o carro não era nada popular -, porém, não agradou.
O Classe A era sofisticado, mas não tinha o tipo de sofisticação que se espera de um Mercedes. Os motores eram fracos e a marca sempre foi conhecida pelos sedãs de luxo, não por um monovolume com estilo careta.
Além dos motores fracos, o Classe A tinha também um câmbio automatizado de uma embreagem, ou semiautomático. Algo como os que equipam hoje modelos como Mobi, Uno e Gol.
LEIA TAMBÉM
- Duas vezes em que a Fiat resolveu se achar
- A gambiarra que não deu certo
- O carro que morreu no lançamento
O automatizado da Mercedes, porém, era ainda menos sofisticado. O carro não tinha pedal de embreagem, mas o motorista era obrigado a trocar as marchas pela alavanca.
Além disso, o modelo tinha uma manutenção complicada e cara. O cliente que o modelo almejava não estava acostumado com isso.
Com tudo isso, o primeiro Classe A foi um grande fracasso. A Mercedes esperava, no auge da produção, fazer 70 mil unidades por ano. As vendas totais do modelo, em toda a sua trajetória, chegaram a 63 mil exemplares.
A conjuntura brasileira, porém, auxiliou o fracasso. A primeira metade dos anos 2000 foi ruim para a indústria do País, com quedas nas vendas. A Audi, que deixou de produzir o A3 por aqui no mesmo ano em que a Mercedes tirou o Classe A de linha (2005), também não nacionalizou a segunda geração do carro.
A partir daquele ano, tanto Audi quanto Mercedes voltaram à condição de importadoras, que só abandonariam a partir de 2015, mas com outros carros – A3 Sedan e Q3, no caso da primeira, e Classe C e GLA, no da segunda.
A fábrica de Juiz de Fora foi desativada e, posteriormente, passou a produzir CLC para exportação. Esse modelo chegou a ser vendido no Brasil, mas em baixos volumes.
Na volta à condição de fabricante de carros de passeio, a Mercedes-Benz não usou a planta de Juiz de Fora, que, após o fim do CLC, foi adaptada para produção de caminhões. A nova planta é em Iracemápolis, no interior de São Paulo.
Quanto ao Classe A, ele teve segunda geração na Europa, também lançada como monovolume. Esse carro nem chegou a vir ao Brasil.
O modelo voltou ao País apenas na terceira geração, a atual. Com ela, o Classe A passou a ser, finalmente, um hatch médio com aptidão para encarar A3 e o BMW Série 1, lançado posteriormente.
VEJA TAMBÉM: ESTRATÉGIAS QUE MATARAM OS CARROS
VOLKSWAGEN POLO
A Volkswagen quando foi lançar o Polo no Brasil adotou a estratégia de iniciar as vendas do modelo com o motor 1.0, que na época tinha vantagens por questões de impostos. Foi um fracasso, já que as primeiras críticas detonavam o desempenho do carro com motor 1.000 cm³ e mesmo quando ele trocou o 1.0 pelo 1.6 e o 2.0. Bom carro, nunca foi tudo que poderia em vendas
RENAULT MEGANE
Com o Renault Megane aconteceu algo semelhante com o Polo. Buscando um preço melhor de lançamento, a montadora francesa optou por lançar o modelo apenas na versão com motor 1.6. O resultado também foram críticas ao desempenho do carro e, por isso, as vendas não alavancaram, ainda que a versão 2.0 tivesse comportamento interessante para brigar com os rivais da época e um bom custo-benefício
HYUNDAI VELOSTER
Um caso característico é o Veloster. Equipado com o mesmo motor 1.6 de 128 cv que é usado no HB20, o modelo prometia com seu visual uma esportividade que nunca entregou. Lá fora, o modelo usava um motor 1.6, mas com injeção direta de combustível que rendia mais e havia ainda uma versão turbo, as duas nunca vendidas aqui. A estratégia pode ter reduzido o preço para o Brasil, mas também as vendas, já que com as piadas sobre o desempenho pífio, apesar do nome, as vendas nunca embalaram
FIAT LINEA
No caso do Fiat Linea foram dois tropeços que levaram o carro a ser menos do que poderia. A Fiat, que não tinha mais um sedã médio desde a saída do Marea do mercado, insistiu em posicioná-lo como um médio, ainda que ele não tivesse essas medidas. O resultado era que ele perdia sempre em espaço para os concorrentes. A outra falha do modelo foi, quando lançado, utilizar um motor 1.9 argentino que foi muito refutado no mercado por seu desempenho, sendo difícil de vender até hoje entre os usados
PEUGEOT 2008
Assim como os outros SUVs compactos, a versão de topo do Peugeot 2008 deveria ser a mais vendida, correto? Errado. Bem a marca afirma que não tem um câmbio automático que possa "casar" com o motor 1.6 turbo para o jipinho e por isso oferece a versão com o melhor motor e comportamento apenas no câmbio manual de seis marchas. Agora o câmbio automático, que era de quatro marchas passou a ser de seis, para o motor 1.6 de 122 cv, mas o de topo 1.6 turbo de até 173 cv continua apenas com opção manual, o que afasta clientes que querem conforto, mas também a melhor versão
HYUNDAI I30
Quando chegou ao Brasil em 2012, a segunda geração do Hyundai i30 despertou muito interesse, em especial pelo sucesso da primeira. Mas a estratégia errada da companhia de adotar o motor 1.6 flexível (aquele mesmo do Veloster e do HB20) para um hatch médio não funcionou. O modelo, além de ter ficado mais caro que o antecessor andava bem menos. Com isso em mente muita gente fugiu do modelo. A marca chegou a trocar o motor para o próximo lote adotando um 1.8, mas era tarde, o antes líder do segmento de hatches médios, nunca mais voltou a brilhar da mesma forma
CHEVROLET TRACKER
O Tracker sempre foi um bom produto, mas a Chevrolet quando trouxe o modelo para o Brasil, em 2013, optou apenas pela versão de topo LTZ que na época partia de R$ 71.990, enquanto as versões mais vendidas do líder, o Ford EcoSport custavam a partir de R$ 57.990. O resultado não podia ser diferente e o Tracker nunca saiu da lanterninha de vendas. Só no final de 2015 a marca trouxe uma versão básica, a LT, quando os preços já tinha aumentado e ela então partia de R$ 76.990. No final de 2014 ganhou visual renovado e novo motor 1.4 turbo, mas continua longe de ser um sucesso de crítica
FIAT MOBI
Cercado de expectativa, o Mobi, novo compacto de entrada que a Fiat prometia ter tudo para brigar com o Up! decepcionou. Além do preço acima do esperado, o carro tinha um espaço abaixo do ideal e foi equipado com o antigo motor 1.0 quatro cilindros de rendimento sofrivel, deixando o 1.0 de três cilindros, mais moderno, econômico e com melhor rendimento para uma única versão que viria depois - a Drive. Claro que com um desempenho pífio frente ao rival e o preço que não justificava o negócio, o vendeu menos do que a montadora esperava e agora começa a embalar nas vendas, mas ainda aquém do ideal e esperado para um carro de volume