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GM passa por uma de suas maiores crises
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GM passa por uma de suas maiores crises

Entenda a origem do problema com ignição que já levou à convocação de 30 milhões de carros da montadora

04 de jul, 2015 · 12 minutos de leitura.

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 GM passa por uma de suas maiores crises
Montadora assume responsabilidade por mortes em acidentes causados por falha na ignição
A General Motors passa por uma de suas maiores crises no Brasil, com pátios lotados, paralisação das atividades em todas as suas fábricas no País e 6,2 mil funcionários em férias coletivas. Mundialmente, a companhia também enfrenta um complicado problema, por causa de um defeito no sistema de ignição de cerca de 2,6 milhões de carros de todas as marcas do grupo. Pode haver desligamento involuntário e repentino do motor do veículo, com falha também nos sistemas de segurança, como os air bags.
No início de maio, o fundo de compensação estabelecido pela GM assumiu a responsabilidade por sete mortes decorrentes de acidentes causados pela falha na ignição, verificados principalmente nos Estados Unidos. Com isso, já são 97 os óbitos reconhecidos pela empresa, além de diversos casos de ferimentos, muito deles graves. De acordo com associações e órgãos formados por clientes, o número de mortes relacionados ao defeito seria de 474, bem superior, portanto, ao divulgado pela fabricante.
Ainda assim, o reconhecimento dos óbitos causados pelo defeito constitui uma nova postura da empresa, capitaneada por Mary Barra, que assumiu a presidência do grupo em dezembro de 2013. Com 53 anos, ela construiu sua carreira na GM, onde ingressou aos 18 anos. A executiva chegou à vice-presidência em 2008, no departamento de Engenharia e Manufatura. No ano seguinte, passou a atuar como vice-presidente de Recursos Humanos e em 2011 começou a responder pela área de Desenvolvimento de Produtos.
Foi ela a responsável pela redução no número de plataformas usadas pelos veículos da companhia. Mary assumiu a presidência no lugar de Dan Akerson, que, assim como seu antecessor, Rick Wagoner, tentou esconder o defeito que daria origem a um dos maiores recalls de todos os tempos.
Alguns meses após Mary Barra assumir o comando, a companhia finalmente reconheceu a falha. Isso ocorreu em fevereiro de 2014, quando a GM assumiu, também, que pelo menos 13 mortes em acidentes com seus carros haviam sido causadas pelo defeito no sistema de ignição. A partir daí, foi formado o fundo de compensação da montadora, para dar assistência e pagar indenização às vítimas e seus familiares.
“A Mary está realizando uma intensa inspeção nos modelos da marca para eliminar definitivamente o problema na ignição”, disse o vice-presidente da montadora, Dan Ammann, durante o Salão de Detroit (EUA), em janeiro. “Por isso, a empresa está promovendo tantos recalls.”
Alguns analistas acreditam que essas convocações não estão afetando a imagem da companhia. “Pelo contrário. Não assumir o defeito do carro, e consequentemente não promover o recall, é que prejudicaria a empresa”, afirma o consultor da ADK Automotive, Paulo Roberto Garbossa.
Embora a estimativa seja de que 2,6 milhões de carros de todas as marcas da GM possam apresentar o problema na ignição, aproximadamente 30 milhões de unidades já foram convocadas às oficinas pela montadora, para inspeção preventiva. Os modelos envolvidos foram produzidos nos últimos dez anos.
A ORIGEM DO PROBLEMA
Para o consultor de mercado norte-americano Rexford Parker, o desdobramento do defeito na ignição dos carros é resultado de uma cultura praticada na GM desde sua origem. “As diversas marcas do grupo (Chevrolet, Cadillac e Buick, entre outras) competiam entre si. Os carros não tinham nada em comum”, explica.
Com a crescente necessidade de redução de custos, as marcas passaram a compartilhar plataformas e diversas peças. “Nessa fase, a competição passou a ser entre os vários departamentos. Quem fazia o conjunto mecânico não falava com o desenvolvedor da carroceria, por exemplo”, explica Parker. “Ninguém assumia, também, a responsabilidade em caso de defeito.”
Parker acredita que esse tenha sido o principal motivo para a quantidade de defeitos descobertos agora. O consultor diz que a crença em um possível corte de custos por causa da crise financeira que levou a GM à concordata, em 2008, está fora de cogitação. “Muitos dos modelos afetados são posteriores a esse período”, justifica.
Garbossa defende que os recalls sempre vão existir. “A produção da maioria das peças é feita não pela fabricante do carro, mas por fornecedores. A montadora dificilmente conseguira controlar 100% da linha de montagem de todos os fornecedores.”
De acordo com estimativas da GM, o gasto com o recall por causa das falhas na ignição será de US$ 1,2 bilhão (cerca de R$ 3,6 bilhões), valor que não inclui as indenizações às vítimas dos acidentes. Entre os modelos envolvidos estão os Chevrolet Cruze e Malibu, os Cadillac CTS e SRX, além de carros de marcas extintas, como Pontiac e Oldsmobile.
OUTROS CASOS
Não é a primeira vez que uma montadora tenta esconder, ou nega, que seus carros tenham defeitos passíveis de um grande recall (os chamados são feitos quando a falha afeta a segurança dos ocupantes). Entre 2009 e 2010, a Toyota convocou 8 milhões de carros, incluindo os de sua controlada Lexus, às oficinas por causa de um problema que provocava aceleração involuntária.
Antes de fazer a convocação, a empresa negou a existência de falhas nos aceleradores dos veículos. Posteriormente, ficou provado que a falha era causada pelo tapete, que poder se prende ao pedal do acelerador.
O recall ecoou no Brasil. Mesmo negando a existência de defeito, a Toyota convocou o Corolla produzido em Indaiatuba (SP) às oficinas para troca do tapete.
O resultado foi um grande prejuízo à montadora, bem como uma “mancha” em sua imagem, principalmente nos EUA. Em abril de 2010, a Toyota concordou em pagar US$ 16,5 bilhões (quase R$ 50 bilhões) ao NHTSA, o departamento de segurança viária americano, por não ter notificado as autoridades sobre o risco de falhas na aceleração. O órgão é responsável por investigar casos de acidentes que indicam problemas passíveis de recall.
Em 2014, após quatro anos de investigação nos EUA, a montadora foi condenada à multa de US$ 1,2 bilhão por ter “iludido o consumidor americano”. De acordo com o parecer da justiça americana, a Toyota deu declarações falsas sobre o defeito e omitiu informações a seus clientes.
No Brasil também já houve casos de montadoras que negaram a existência de problemas de fábrica denunciados por consumidores. Em 2008, a Volkswagen não assumiu que o mecanismo de rebatimento dos bancos do Fox poderia decepar dedos de clientes, embora houvesse diversos casos registrados.
Por fim, a empresa teve de convocar todas as unidades do hatch produzidas até então (cerca de 500 mil). Além disso, foi obrigada pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) a promover mudanças no sistema.
Em 2010, o DPDC obrigou a Fiat a convocar cerca de 50 mil exemplares do Stilo, feitas de 2004 a 2010, para a troca dos cubos das rodas traseiras. De acordo com relatos de consumidores, houve vários casos de acidentes (alguns com vítimas fatais) causados pelo desprendimento da peça. Mesmo após ser obrigada a chamar o hatch às oficinas, a empresa continuou negando a existência do defeito.

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