Atingir a marca de um milhão de quilômetros rodados em um veículo é coisa rara, ainda mais com o motor em estado original. Isso já seria suficiente para uma homenagem. Mas não se trata de um modelo qualquer. A Ford F-1000, um clássico da marca do oval azul, voltou a chamar a atenção quase quatro décadas depois de aparecer na novela Roque Santeiro (TV Globo), um dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira, que foi ao ar em 1985.
A picape voltou a ser assunto, mas não por causa de polêmicas com atores e tampouco pela censura que a novela sofreu uma década antes da estreia (em 1975, foi substituída por uma reprise de Selva de Pedra). É que o exemplar da Ford F-1000, usado na trama pelo personagem Sinhozinho Malta, vivido por Lima Duarte, protagonizou um vídeo do ator em seu perfil pessoal no Instagram. “Essa caminhonete era do Sinhozinho Malta”, diz o veterano, de 92 anos, no vídeo (veja aqui).
De presente
O curioso é que a relação de Lima Duarte com a picape ultrapassou o período das gravações – realizadas na fictícia cidade de Asa Branca. “Quando terminou a novela (em fevereiro de 1986), a Ford me deu a caminhonete dele (do personagem)”, conta o ator no vídeo, que já tem milhares de curtidas. “Tô certo ou tô errado?”, brinca, imitando o bordão do personagem que, segundo Duarte, surgiu por acaso, durante conversa com o operador de áudio em uma gravação.
E é justamente com o fim da trama – que reuniu artistas consagrados como Regina Duarte (Viúva Porcina) e José Wilker (Roque Santeiro), entre tantos outros nomes de peso – que a história começa. De acordo com o ator “Ela (a F-1000) rodou 1 milhão de km, sem mexer no motor”, conta.
“Não estou fazendo propaganda, até mesmo porque a MWM faliu”, refere-se Duarte à empresa que fabricava o motor da picape. Em tempo, cabe salientar que a fabricante não faliu, mas – após trocar de mãos duas vezes – pertence ao grupo Tupy. Hoje, produz motores e geradores em São Paulo e em Córdoba (Argentina), bem como possui um centro de distribuição de peças em Jundiaí (SP).
No vídeo, o artista com mais de 70 anos de carreira revela que, nestes 1 milhão de km, estão duas idas a Manaus (AM). “Só à Manaus eu fui duas vezes, 6 mil quilômetros. Eu e Armando Bogus, querido!”, conta, relembrando o amigo (morto em 1993) que interpretou o comerciante Zé das Medalhas em Roque Santeiro. À época das viagens, Lima Duarte morava no Rio de Janeiro (RJ), afinal, vários atores residem na cidade a fim de manter proximidade com os Estúdios Globo durante as gravações de novelas. Hoje, o trecho entre Rio de Janeiro e Manaus é feito em pouco mais de 4.200 km, de acordo com o Google Maps.
Detalhes da Ford F-1000
Mesmo guiando também um limusine Ford Landau, com enorme par de cifres no capô, o carro de Sinhozinho Malta que fazia sucesso, mesmo, era a Ford F-1000. É tanto que Duarte legendou o vídeo postado com a seguinte frase: “Sempre me perguntam se eu ainda tenho a caminhonete do Sinhozinho Malta. Olha ela aí!”.
Mas, se você acompanhou a novela, deve ter estranhado a diferença entre as picapes. Mas, calma! Não se trata de mais uma das brilhantes interpretações de Lima Duarte. O ator, de fato, ganhou o exemplar da montadora. Entretanto, ele preferiu deixa-la, digamos, mais incrementada.
Desse modo, a Ford F-1000 SSS (Super Série Special) marrom metálica com detalhes em vermelho e cabine simples deu lugar a um modelo com carroceria pintada em azul e cabine dupla. A dianteira também foi toda retrabalhada. Com nova grade e faróis mais modernos que os redondos da picape original. À época, a Souza Ramos fazia parceria com a Ford e, desse modo, realizava modificações nos mais variados modelos. Por isso a sigla SR na grade do exemplar exibido por Duarte.
Motorização e breve histórico
O motor, entretanto, como comentou o ator no vídeo, se mantém original. A rival da Chevrolet D20 à época, ostentava o propulsor MWM 3.9 movido a diesel que desenvolvia 86 cv e 25,5 mkgf de torque máximo. Assim, chegava a velocidade máxima de 125 km/h. Afinal, só no começo da década de 1990 chegou a opção turbodiesel, de 119 cv. O modelo tinha capacidade de carga de 1 tonelada.
Voltando um pouco na história, a F-1000 nasceu em 1979, ficando acima da irmã menor F-100 no portfólio da Ford. Em uma época que o segmento de picapes no Brasil se concentrava em território rural, o modelo inovou com a adoção do motor diesel. Afinal, estourava a crise do petróleo e era preciso economizar com combustível.
De início, a procura foi tanta que a F-1000 passou a ter vendas com cobrança de ágio. Entretanto, com o passar dos anos – e o lançamento de diversas configurações e motorizações -, a picape grande da Ford já não cabia no cenário nacional. Em 1999, chegava ao mercado a moderna F-250. Ainda assim, 20 anos de história não é para qualquer um.