Quem pretende encomendar um trailer ou motorhome na Apolo Trailer só receberá o veículo na metade do ano que vem. Dono da empresa localizada em Campo Alegre (SC), Alisson Paulo Ramos diz que, com o aumento do número de pedidos, a fila de espera gira em torno de sete meses. A alta na demanda registrada pela fabricante que, segundo Ramos, é a maior do setor no País, não é um caso isolado. O aquecimento desse mercado de motorhomes está ligado à pandemia. Muita gente vem trocando as viagens de lazer internacionais pelo turismo doméstico. E, por receio de aglomerações, vem fugindo do transporte coletivo, como ônibus e aviões, e evitado ficar em hotéis e pousadas.
Diretor do Grupo Fun, que também fabrica esse tipo de veículo, Leônidas José Fleith afirma que a demanda disparou a partir de maio, após uma parada geral em abril. Ele diz que está vendendo três trailers e três motorhomes por mês.
O atual ritmo de produção da empresa localizada em Timbó, em Santa Catarina, é muito superior ao do ano passado. Em 2019, a Fun não chegava a fazer dois motorhomes por mês, e ainda não montava trailers.
Ramos afirma que, até o ano passado, a Apolo Trailer vendia “entre 60 e 70” unidades. De acordo com ele, a empresa deve fechar 2020 com cerca de 100 modelos comercializados.
O empresário avalia que parte desse crescimento foi motivada pelo “fechamento de fronteiras”, que impediu viagens internacionais. Segundo Ramos, isso tem motivado as pessoas a “viajarem com a própria casa”. A prática, comum nos Estados Unidos e na Europa, começa a decolar no Brasil.
Perfil de compradores é iniciante
Segundo Fleith, o perfil do consumidor também está mudando. “Cerca de 60 a 70% dos clientes estão comprando pela primeira vez (trailer e motorhome)”, diz. E a faixa etária diminuiu bastante. “Antes, a maioria do público era formada por aposentados. Hoje, há casais na faixa dos 30, 40 e 50 anos”, diz.
Público jovem. Adriana, de 43 anos, e Jean Paulo Strauch, de 47, enquadram-se nessa nova tendência. Em julho eles receberam seu primeiro trailer. Desde então, o casal, que é de Blumenau (SC), já viajou para lugares como São Francisco do Sul, Bombinhas e Itapoá, todos no litoral catarinense. Agora, planejam viajar para Mato Grosso do Sul no fim do ano.
Adriana é professora e conta que a meta do casal é fazer uma viagem por mês. Ela diz que recentemente foi de carro para Campos do Jordão, em São Paulo, e sentiu falta do trailer. “Com ele, você tem a sua comida, usa o seu banheiro. Não sinto falta de hotel”, garante.
Apesar de a experiência com trailer ser recente, Adriana diz que acampa “há mais ou menos 20 anos”. A professora, inclusive, publica dicas e experiências de viagem no canal “Livres, leves e soltos”, no YouTube.
Ela afirma que o trailer é estável e não compromete a dirigibilidade de seu Toyota SW4. Mas alerta que a velocidade deve ser reduzida e o consumo de diesel aumenta. “Com o trailer, não passamos de cerca de 100 km/h, e a média, que seria de 12 km/l, baixa para 9 km/l.”
Para puxar trailers e motorhomes de até 6.500 kg, não é preciso carteira de habilitação profissional. A do tipo “B” basta.
O casal encomendou o trailer em março. Um pouco antes, portanto, da pandemia do novo coronavírus. Isso reforça outra tendência apontada pelos fabricantes. Mesmo antes da explosão do número de casos de covid-19, a procura já vinha crescendo. A doença só fez com que os clientes – a maioria interessada em turismo ligado à natureza – concretizassem a compra.
Motorhomes fazem sucesso no Sul do País
Tradicionalmente, boa parte da clientela é do Sul do País. Ivete Evaristo Meyer, da área comercial do Grupo Fun, diz que há cada vez mais interessados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. “Estamos subindo aos poucos”, brinca.
Esse aumento do número de clientes também vem atraindo mais empresas para o setor. É o caso da Estrella Mobil, que fica em Santa Branca, no Vale do Paraíba (SP), e lançou o motorhome em 2018.
Diretor da fabricante, Julio Henrique Lemos conta que trabalhava com montagem de veículos, como carretas para eventos e hospitais móveis. Segundo ele, esses segmentos entraram em declínio em 2017.
Como já havia percebido o aumento da procura por motorhomes, Lemos decidiu entrar no ramo. E vem colhendo bons resultados. Segundo ele, faltando dois meses para o fim de 2020 a Estrella Mobil já superou o volume do ano passado, quando foram vendidas nove unidades.
Quintal imenso. Segundo Lemos, as viagens de motorhome “proporcionam experiências” únicas. “Você não fica amarrado a roteiros prontos”, diz.
O professor Francisco Albano, de Curitiba (PR), concorda. Ele viaja de motorhome há cerca de 18 anos e afirma que “é sempre uma aventura”. A bordo de sua Karmann Ghia Safari ano 85, Albano garante que faz amizades por onde passa.
E conta que em uma das viagens, parou em Maresias, no litoral norte de São Paulo, para reparar os freios. Acabou ficando 15 dias, “num estacionamento de frente para o mar”.
Há grupos em redes sociais sobre o tema
Há um ano, o professor montou um grupo no Facebook que reúne pessoas com as mesmas afinidades. Segundo ele, os cerca de 30 mil participantes usam o espaço para trocar informações e experiências.
Albano afirma que atualmente há muitos espaços, como campings, onde é possível ficar. E diz que é possível pernoitar em estradas nos estacionamentos de grandes redes de postos de serviço, com todas as comodidades e segurança. Segundo ele, vários aplicativos têm pontos de apoio catalogados. “Saio com o roteiro pronto”, conta.
O grupo criado por Albano também virou uma plataforma para interessados em comprar e vender. Segundo ele, dependendo do estado de conservação e “da vontade de vender e de comprar”, nas palavras do professor, para um trailer como o dele os preços podem variar de R$ 70 mil a R$ 120 mil. A média fica na faixa dos R$ 85 mil.
A Karmann Ghia montou a Kombi Touring de 1977 a 1979. Em 1979, lançou a Safari, que permaneceu em linha até 1995.
O trailer novo, como o do casal Adriana e Jean Paulo, custa cerca de R$ 130 mil. Já um motorhome, normalmente feito sobre o chassi do Mercedes Sprinter e do Iveco Daily, começa na faixa dos R$ 300 mil e pode ultrapassar os R$ 700 mil. Isso depende da marca, tamanho e equipamentos, por exemplo. “O céu é o limite”, diz Lemos.
Segundo postagens feitas no grupo criado por Albano, em comum há sempre “uma pequena casa com um quintal imenso”.
Ford Ka foi adaptado como “minimotorhome”
Após terminar um namoro de seis anos, o gaúcho Gustavo Blume, de 28 anos, decidiu realizar um sonho antigo: fazer uma longa viagem pela América do Sul. O desejo de se aventurar, sair da rotina, é comum. Mas o meio de transporte escolhido acabou fugindo do convencional.
No dia 1º de fevereiro, Blume partiu de Ivoti, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, com seu Ford Ka 1.0. E transformou a aventura em uma minissérie de seis vídeos curtos, batizada de “Ka Estou Viajando pela América do Sul”.
A aventura durou 100 dias. Blume fez algumas adaptações em seu Ka, até então utilizado para o trabalho como representante comercial. O hatch tinha mais de 50 mil km rodados.
O banco traseiro foi retirado, para a instalação de uma cama. O Ford, que ele diz ter transformado em um “minimotorhome”, recebeu canos no rack do teto para armazenamento de água, protetor de cárter e bateria extra, para os acessórios. A bagagem incluiu fogareiro, baú, minigeladeira, utensílios domésticos e ferramentas.
O roteiro inicial previa passar por seis países (Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela), mas, com o fechamento de fronteiras por causa da pandemia, Blume diz que acabou ficando isolado no Chile. O episódio aconteceu depois que ele já havia passado por Ushuaia, no sul da Argentina. A cidade mais austral do mundo é um local gelado habitado por leões marinhos e pinguins, conhecido como “fim do mundo”.
No Chile, ele ficou “20 dias sem ver ninguém”. E fez amizade com um morador local, o que lhe garantiu alimentação e banho diário, em troca de trabalho. “Eu rachava lenha”, diz.
Viagem não teve roteiro
Depois disso, Blume partiu sem um roteiro definido, e diz que teve de contornar alguns percalços. Foi o caso da necessidade de um cambão para poder circular na Argentina, o que teve de ser providenciado em um domingo. Procurar paradas para dormir em local seguro, segundo ele, foi outro desafio.
Além de encarar alguns atolamentos com o carro, ele diz que não teve problemas. “Não furou nenhum pneu”, garante.
O gaúcho, que voltou para casa no dia 10 de maio, já está pensando em uma nova viagem, prevista para o ano que vem. “Quero fazer o roteiro inverso, subir pela costa do Brasil, entrar na Venezuela e ir descendo.”