Trânsito, estresse, tempo perdido, acidentes. É possível listar os problemas que a má gestão da mobilidade urbana acarreta na vida dos moradores das regiões metropolitanas das cidades brasileiras.
Com mais de 12 milhões de habitantes, a cidade de São Paulo tem mais de 6 milhões de carros registrados no Detran. Só no último mês de junho, de acordo com dados mais recentes do órgão, foram mais 23 mil carros emplacados no município.
Se o carro é usado para facilitar o deslocamento, por conta do excesso de veículos, esse meio acaba tendo o sentido reverso. Segundo levantamento mais recente da CET (Companhia de Engenharia do Tráfego), em 2017, a velocidade média do tráfego geral na cidade foi de 24,8 km/h no pico da manhã e 18,5 km/h no pico da tarde.
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Fora a perda de tempo, há fatos mais graves. O estado de São Paulo, com mais de 45 milhões de habitantes, no último mês de agosto, registrou 478 mortes decorrentes de acidentes de trânsito, aumento de 2,8% em comparação com o mesmo período do ano passado (465 óbitos), de acordo com dados do Infosiga, sistema do governo do Estado de São Paulo. A cada mês, em média, 440 pessoas morrem em acidentes no estado.
Esses problemas de mobilidade afetam de maneira semelhante todas as grandes cidades brasileiras, de acordo com especialistas consultados pelo Estado. No entanto, segundo eles, não há “bala de prata” para solucionar os problemas de mobilidade urbana no Brasil.
Visando propor uma reflexão sobre novas formas de se locomover, entre os dias 18 e 25 de setembro se comemora a Semana Nacional de Trânsito, prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro. O tema deste ano, definido pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito), foi “No trânsito, o sentido é a vida”.
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Acidentes e falta de alternativas
O primeiro e mais importante problema a ser resolvido, tanto em rodovias federais como na área urbana das cidades brasileiras, é a morte por acidentes. Essa é a opinião de Claudio Barbieri, chefe do departamento de Engenharia de Transportes da POLI-USP.
Para Barbieri, a maioria dos acidentes acontecem por conta da velocidade dos veículos. “Os acidentes acontecem desde o mau comportamento de motoristas até por falta de infraestrutura. A velocidade é um aspecto importante pois quanto maior a velocidade maior a gravidade”, afirma.
Como exemplo, o professor citou o acidente que aconteceu na Rodovia Castelo Branco no último domingo, 22, que deixou três mortos e cinco feridos. “O carro, neste caso, invadiu a pista contrária porque aparentemente estava em excesso de velocidade. O acidente é uma sucessão de causas que se somam. Seja por velocidade, por vias que não estão em condições adequadas de sinalização, de engenharia. O motorista que está em alta velocidade e desvia de um buraco ou bate num buraco e perde a direção”.
Além dos acidentes, nas grandes cidades, um dos sintomas das más condições da mobilidade urbana é o congestionamento. São carros demais para vias de menos. Como se não bastasse esse problema afetar a rotina dos habitantes, ele também prejudica a economia. Segundo um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o tempo perdido pelos brasileiros no deslocamento para o trabalho nas regiões metropolitanas gera um custo adicional de R$ 62,1 bilhões às cidades.
Falta investimento em infraestrutura
Mas os quilômetros de carros enfileirados são um sintoma da falta de alternativas e investimento na mobilidade urbana, conforme aponta o engenheiro de tráfego e mestre em Transportes pela USP, Sergio Ejzenberg.
“São milhões de viagens por dia de carro. Se você oferece alternativas à população, elas vão escolher a menos poluente, menos perigosa, mais confortável e segura. A sociedade não cria a mobilidade, ela usa o que está disponível”, disse.
Os culpados por esse caos não são os motoristas, continua Ejzenberg, mas, sim, as autoridades públicas. “Qual a alternativa ao automóvel? O transporte público, que é ruim, que demora, que é caro. Uma rede de metrô minúscula, superlotada, que serve algumas regiões da cidade. É uma sorte quando você tem um metrô perto”, afirma.
“Quem tem dinheiro usa o carro ou uma moto. E aí começam os problemas de congestionamento, poluição, acidentes. Mas eles não são vilões. Vilões são as autoridades públicas que não disponibilizam o transporte em massa necessário”.
As soluções
Para começar o processo de solução do problema, os especialistas são enfáticos: educação e fiscalização. “Educação para que as pessoas não se comportem de maneira irresponsável. Fiscalização para que a gente assegure que as pessoas não vão ter um comportamento que coloca em risco suas vidas e a de outras pessoas”, afirma Barbieri.
Ele explica. “Não há resultado imediato. É possível começar por certas alterações na legislação de trânsito, como para rever velocidades de algumas vias. Realizar um trabalho sério de investigação e mapeamento de acidentes e suas causas. No caso de São Paulo, a CET tem muitas atribuições e não consegue fazer isso na velocidade necessária. Uma coisa fantástica seria disponibilizar esses dados para outras organizações. Muitas são sérias, comprometidas em promover melhorias na mobilização da cidade”.
Radares ajudam
Na visão de Ejzenberg, rodovias menores devem ser massivamente fiscalizadas com radares, mas, em trajetos maiores, o correto seria a utilização da lombada eletrônica.
“Se você tem uma rodovia de centenas de quilômetros em uma velocidade alta e, em determinado trecho, o motorista tem que reduzir a velocidade, isso deveria ser proibido porque vira uma armadilha. O motorista é mal informado, a obediência é baixa e a arrecadação do estado é alta.”, explica. “A lombada eletrônica fica em evidência, estudos comprovam que quase 100% dos motoristas diminuem a velocidade. A ocorrência de acidentes será menor”.
Para o trânsito urbano, a sugestão de Barbieri é integrar os meios de transporte coletivo públicos. “Mecanismos que permitam a pessoa usar diversos modos de transporte de maneira integrada e ser cobrada uma única vez sem burocracia, desde a bicicleta até o ônibus ou metrô. Em São Paulo, por exemplo, a gente tem um bilhete para ônibus e metrô, mas o ônibus intermunicipal é outro bilhete. No Rio, o VLT também não funciona integrado com bilhete de ônibus. Esses são empecilhos para quem usa o carro deixar se usá-lo”.
Criar um ambiente de segurança econômica para investidores e ampliar a malha ferroviária, de acordo com Ejzenberg, deveria ser a primeira meta dos governos. “Criando um ambiente de segurança negocial você permite que grandes investidores de empresas de fora invistam em infraestrutura de transporte no Brasil. Ampliando a malha ferroviária, tanto para carga quanto para passageiros, você coloca as cargas de milhares de caminhões nos trilhos. O resultado é o que queremos: mais segurança e menos trânsito nas rodovias”.