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SUV é invenção do marketing
Mercado

SUV é invenção do marketing

Aptidão off-road perde prioridade na definição de utilitário-esportivo, que se tornou veículo urbano

Hairton Ponciano Voz e Rafaela Borges

30 de ago, 2017 · 14 minutos de leitura.

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O termo mais popular do mercado automotivo brasileiro atualmente é SUV. A sigla em inglês para veículo utilitário esporte – tipo de carro que no Brasil é chamado também de utilitário-esportivo – está sendo usada para classificar diversos automóveis de passeio sem nenhuma capacidade off-road.

Para especialistas de mercado e engenheiros ouvidos pelo Jornal do Carro, isso está ocorrendo porque há uma demanda do consumidor por SUVs, que, na verdade, não são uma categoria de carro (como hatches, sedãs e peruas, por exemplo). “O termo é um conceito de marketing, não um segmento automotivo”, diz o consultor Paulo Roberto Garbossa, da ADK.

O engenheiro da SAE Brasil Reinaldo Muratori tem opinião semelhante: “Como não há legislação sobre definição de SUV em nenhum lugar do mundo, tudo depende do nome comercial.” Assim, segundo o especialista, os SUVs, que nos EUA inicialmente designavam modelos derivados de picapes, foram sendo adaptados e hoje são empregados até para “hatches anabolizados”.

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As montadoras estão usando a classificação criada pelo Inmetro para o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBVE) para declarar que seus carros são utilitários-esportivos, ou SUVs. Dois exemplos recentes vieram da Renault, com o hatch Kwid, e da Honda, com o monovolume WR-V.

De acordo com o Inmetro, para ser utilitário-esportivo, um carro tem de cumprir quatro de cinco parâmetros (leia na página 12). Tanto Kwid quanto WR-V estão adequados a essas normas. Portanto, no Brasil, podem ser chamados de SUVs.

“Em nenhum outro lugar do mundo um Kwid seria ‘O SUV dos compactos’ (slogan do carro)’. Ele não é utilitário nem compacto. É subcompacto”, diz o engenheiro e jornalista especializado em automóveis Fernando Calmon.


Para o especialista, o termo utilitário, se for levado ao pé da letra, deve ser atribuído apenas aos carros que têm real capacidade off-road. “Na minha opinião, o Inmetro deveria exigir o cumprimento de todos os parâmetros, não apenas de quatro. A maioria dos modelos hoje listados como utilitários-esportivos não conseguiria cumprir o ângulo de transposição, que é o que realmente define se um veículo é capaz de transpor obstáculos.”

De acordo com Calmon, o problema não é só o Kwid. Modelos como HR-V, Creta e até mesmo algumas versões do Renegade não deveriam ter a classificação de utilitário. Nenhum tem real capacidade off-road. “Os SUVs do Brasil não trazem nem mesmo tração 4×4”, complementa Garbossa.

Carro urbano. Coordenador do PBVE, Alexandre Novgorodcev entende que, no Brasil, utilitário-esportivo não é um carro off-road, é um carro urbano. Pelos critérios do programa, a maioria dos carros altos, sejam eles hatches, sedãs ou peruas, entre outros, é classificada como SUV. “É um tipo de veículo diferente do fora de estrada. Neste caso, os critérios são mais rigorosos, inclusive com exigência de uso de pneu off-road.”


São poucos os modelos classificados pelo Inmetro como fora de estrada. Na lista, estão algumas versões 4×4 de EcoSport, Renegade, Compass e SW4, além de Jeep Wrangler e Troller T4. Em contrapartida, não há nenhum Land Rover, marca conhecida pelos veículos com alta aptidão off-road. Isso porque, no País, eles não trazem pneus off-road de série – o item é opcional.

Para Garbossa, o brasileiro não compra um utilitário pela capacidade off-road, nem mesmo pelo status. “O que importa é a flexibilidade de espaço e, principalmente, a posição de dirigir alta, que passa sensação de segurança ao volante.” Ao que parece, SUV virou conceito de carro urbano alto.

Classificação é confusa em todo o mundo. O termo veículo utilitário esporte (SUV), ou utilitário-esportivo, surgiu para designar os modelos com características de jipe, mas com itens de conforto de modelos de passeio. Esses carros, na origem, eram feitos com carroceria sobre chassi. No Brasil, exemplos são o Toyota Hilux SW4 e o Chevrolet Trailblazer.


“Com a proliferação dos modelos com carroceria do tipo monobloco (feitos em base de carro de passeio), os americanos passaram a utilizar o termo crossover para diferenciar esses veículos dos feitos sobre chassi”, explica o engenheiro e jornalista especializado em automóveis Fernando Calmon. “Ainda assim, como no Brasil, em todo o mundo a classificação de utilitário-esportivo é bem confusa. Varia bastante conforme o país.”

Crossover, porém, é um termo que vai além dos utilitários-esportivos. Ele é usado para definir os carros que trazem características de dois ou mais segmentos. Assim, modelos com carroceria de utilitário-esportivo e base de carro de passeio podem ser chamados de crossover. O Porsche Panamera, no entanto, também pode. Ele tem características, em sua carroceria, de cupê e sedã.

A voz dos consumidores. Os SUVs são a sensação do mercado de carros do Brasil. A maior parte dos consumidores pretende ter um. Num contexto em que, conforme a classificação do Inmetro, quase todo carro alto pode almejar para si o título de utilitário-esportivo, é o mercado quem ditará que veículo é ou não é SUV.


Esta é a leitura do consultor automotivo Paulo Roberto Garbossa. “De nada adianta uma marca chamar seu carro de SUV se o consumidor não enxergá-lo assim”, analisa. “O mercado é que dita essa regra.”

No perfil do Facebook do Jornal do Carro, perguntamos a nossos seguidores quais são suas percepções sobre diversos modelos que o Inmetro classifica como utilitário-esportivo compacto. No caso do Kwid e do WR-V, o post obteve 85 respostas.

Do total, nenhum leitor afirmou considerar o Kwid um SUV. Ele foi classificado como compacto ou subcompacto. Para o WR-V, houve quem o considerasse crossover. A maioria, porém, acredita que um carro é uma versão mais alta do Fit.


Poucos leitores definiram EcoSport, Kicks Creta e HR-V como utilitários-esportivos. A maior parte os classificou como crossovers. O único compacto mais visto pelos leitores como utilitário é o Jeep Renegade.

Veja as regras do Inmetro. Segundo o coordenador do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular, Alexandre Novgorodcev, os critérios de classificação adotados pelo Inmetro surgiram há nove anos, com categorias separadas por tamanhos. Depois, vieram os derivados, como os utilitários-esportivos.

O PBVE usou os critérios do programa de controle de emissões do governo federal, o Proconve, para modelos fora de estrada e, a partir deles, criou o de utilitários-esportivos. Esse trabalho de adaptação foi feito com aconselhamento das montadoras. “Para os SUVs, os parâmetros são os mesmos adotados para os fora de estrada. Porém, o nível de exigência é menor”, diz Novgorodcev.


Quem é quem. Segundo a portaria nº 377 do Inmetro, de 2011, e editada em 2013, para ser utilitário-esportivo compacto, um veículo precisa cumprir quatro de cinco requisitos. Os parâmetros são ângulo de entrada de pelo menos 22° e de saída de ao menos 19°. A altura da carroceria em relação ao solo deve ser de 18 centímetros. Já a altura do solo sob os eixos tem de ser de no mínimo 16 cm.

Por fim, há o ângulo de transposição, que precisa ser de pelo menos 9 graus. Já os fora de estrada, outra classificação adotada pelo Inmetro, precisam ter ângulos de 25° e 20° de entrada e saída respectivamente, mas também tração nas quatro rodas e pneus de uso misto de série.

Para os fora de estrada, o ângulo de transposição mínimo é de 13 graus. As alturas do solo exigidas são as mesmas dos utilitários compactos.


Peruas. Em algumas regiões do Brasil, é comum os consumidores chamarem os utilitários-esportivos de peruas. Isso porque os modelos do segmento têm formas que lembram as de peruas. Além disso, seus porta-malas, integrados às cabines, são típicos desse segmento familiar.

‘SUV Compacto’ foi uma boa ideia de marketing. Para o especialista em comportamento do consumidor e professor de Ciências Sociais e do Consumo da ESPM, Fábio Mariano, o Kwid é uma variação de SUV: “Esse tipo de carro virou o ‘queridinho’, porque transmite mais segurança em um cenário violento”, diz, referindo-se não apenas à abordagem de pessoas, mas também às condições precárias de ruas. No entanto, na opinião do especialista, o utilitário tradicional tem inconvenientes, como tamanho exagerado, preço alto e manutenção cara.

Segundo Mariano, um modelo como o Renaut Kwid é bem-vindo porque remove características que o cliente não precisa, mas preserva qualidades, como a altura do solo: “É uma boa ideia, especialmente para famílias pequenas e pessoas solteiras”, diz.


Para o professor da ESPM, o sucesso de veículos com esse tipo de proposta depende da forma como ele será vendido: “Os vendedores deverão ser muito bem treinados”, afirma. “Tudo pode pegar, mas depende do modo como será oferecido”, diz Mariano.

“Há uns seis ou sete anos, a Citroën teve dificuldades de achar espaço no mercado para o C3 Picasso, que ficou entre o (hatch) C3 e o (monovolume) C4 Picasso”, diz. No fim de 2015, a marca acabou tirando o modelo de linha, para focar sua estratégia no Aircross.

SUV, SUP E OUTRAS SIGLAS. Além da proliferação do termo SUV, as montadoras criaram também outras siglas para classificar seus modelos, e torná-los mais atraentes. Conheça alguns desses novos termos.


CUV: É a sigla para “Crossover Utility Vehicle”, ou veículo utilitário desenvolvido sobre estrutura monobloco.

SAC: A BMW criou o termo “Sports Activity Coupé”, cupê para atividades esportivas, para modelos como o X6.

SAV: A mesma empresa criou a denominação SAV, de “Sports Activity Vehicle”, ou veículo para atividades esportivas, como uma forma de diferenciar seus “SUVs” dos demais.


SUP: Foi a denominação que a Fiat escolheu para a picape Toro. A sigla é a abreviatura de “Sport Utility Pick up”, ou picape utilitária esporte.

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