Por muitos anos, os carros mais baratos do País foram versões básicas de hatches compactos. A partir de 2014, o segmento de entrada começou a ser ocupado pelos subcompactos, feitos para caber no aperto das vagas urbanas – e também em orçamentos mais modestos. Colocamos lado a lado dois legítimos representantes desses citadinos: Renault Kwid Zen, importante novidade de 2017 tabelada a R$ 36.490, e Volkswagen Take Up!, que parte de R$ 37.990 (os exemplares mostrados nas fotos desta reportagem são das versões Kwid Intense e Move Up!).
O VW mostrou-se superior em todos os quesitos ligados à dirigibilidade. Mas o cliente do segmento de entrada vai às compras com papel, caneta e calculadora, à procura de um carro que ofereça mais pelo dinheiro investido e pese menos no bolso.
Por isso, a sensível diferença de preço na tabela e no seguro acabou dando a vitória ao modelo da Renault, que também oferece mais equipamentos que o concorrente.
Os dois modelos trazem motores flexíveis de 1 litro e três cilindros. Com potência de 82 cv (com etanol), comando de válvulas variável na admissão e sistema de partida a frio que dispensa o tanquinho de gasolina, o EA211 da VW é o grande trunfo do Up!. A boa oferta de torque em baixas rotações garante fôlego constante em saídas e, principalmente, retomadas.
Esperto e silencioso, ele encara com desenvoltura o trânsito urbano e é ótimo companheiro de estrada. Boa ergonomia, direção justinha e câmbio de engates precisos completam um conjunto muito agradável. Esse Volkswagen é um carro que não cansa o motorista.
Já o Kwid usa uma versão simplificada do motor SCe 1.0 que equipa Logan e Sandero. No novato, o comando de válvulas variável foi limado. Por isso, a potência com etanol caiu de 82 cv para 70 cv.
Apesar de menos forte, o Renault surpreende nas respostas. O segredo está no baixíssimo peso: apenas 779 kg na versão avaliada, o que resulta em uma relação peso-potência muito próxima da do concorrente, que tem 922 quilos.
Na prática, o Kwid arranca com muito vigor e mantém o pique mesmo rodando carregado, ainda que trabalhe em faixa de giro mais elevada (são quase 4.000 rpm a 120 km/h) e seja inferior ao VW em retomadas.
O que depõe contra ele é o chiado metálico que o motor emite sempre que se aciona o pedal do acelerador, em qualquer velocidade e faixa de rotação. Habituar-se a esse ruído leva algum tempo.
Rodando com os dois carros, fica nítido que o Up! tem construção mais refinada. A carroceria, feita com aços de alta resistência, transmite mais robustez, e sua suspensão absorve melhor os impactos da via. No Kwid, a suspensão parece mais frágil e menos durável diante da buraqueira das nossas ruas.
Por outro lado, o Renault leva vantagem em todas as medições de consumo. Com etanol, sua média é de 10,3 km/l em ciclo urbano e 10,8 km/l em rodovias – o VW obtém 9,6 km/l e 10,6 km/l, respectivamente. Uma questão de sobrevivência, diante de seu diminuto tanque de 38 litros (o do Up! tem 50).
Kwid deixa explícito que foi concebido para ser barato
Tanto o Take Up! quanto o Kwid Zen primam pelo despojamento interior. As cabines trazem muitas peças de plástico duro e revestimentos simples nos bancos. Nos instrumentos dessas versões, há apenas o essencial – nada de conta-giros, por exemplo.
No painel do Up!, um providencial suporte em forma de pinça para smartphones, com porta USB embutida, facilita a vida de quem usa aplicativos para dirigir. Fazem falta, porém, saídas de ar centrais – há apenas um difusor voltado ao para-brisa, o que dificulta o resfriamento da cabine pelo ar-condicionado.
Por dentro, o VW é mais espaçoso que o Renault, em que os ocupantes batem os cotovelos nas laterais ao abrirem os braços. O próprio desenho enxuto do painel do Up! acentua a sensação de maior amplitude. Nenhum dos dois é adequado para cinco pessoas – mas, na hipótese eventual de um carona extra, o aperto será bem maior no Kwid.
Os bancos do Renault são mais baixos e menos firmes que os do VW, mas ganham em apoio lateral. Nos dianteiros, em ambos os encostos de cabeça são integrados, o que diminui os custos de produção.
Solução para reduzir custos, aliás, é o que não falta no Kwid. O limpador de para-brisa usa uma única palheta, as rodas são presas por apenas três parafusos e os comandos de abertura dos vidros elétricos, do capô e do tanque são mal posicionados, deixando a desejar em termos de ergonomia.
Os únicos “luxos” de série do Kwid são os quatro air bags (além dos dois frontais, obrigatórios e também presentes no Up!, há duas bolsas laterais, uma exclusividade no segmento) e o sistema Isofix com dois pontos de fixação para cadeirinhas infantis.
Tanta frugalidade, porém, ajuda o Renault a sobressair em um quesito importantíssimo em seu segmento: o custo-benefício. A R$ 36.490, o Kwid Zen, opção intermediária da gama, traz ar-condicionado, direção assistida, vidros dianteiros elétricos e travamento central das portas.
Por R$ 37.990, o Take Up! não oferece nenhum desses equipamentos; seu conteúdo, pra lá de espartano, é similar ao do básico Kwid Life, tabelado a R$ 29.990. No VW, esses itens de conforto precisam ser adquiridos em um pacote que custa R$ 5.250, fazendo seu preço final encostar no do Hyundai HB20, que pertence a um segmento superior.
Prós e contras
VOLKSWAGEN TAKE UP!
Prós: CONJUNTO MECÂNICO. Motor bem esperto e silencioso e câmbio de engates precisos formam uma combinação que entrega muito prazer ao dirigir.
Contras: PREÇO e SEGURO. Mal equipado, modelo é bem mais caro que Kwid. Com opcionais básicos, sua tabela encosta na do HB20. Valor do seguro também é alto.
RENAULT KWID ZEN
prós: ESTILO e CONSUMO. Com linhas inspiradas em SUVs, visual chama a atenção. Motor é mais econômico que o do rival em todas as situações.
contras: ESPAÇO e SUSPENSÃO. Cabine do Kwid é mais apertada que a do rival. Suspensão fica devendo em robustez e absorção de imperfeições do piso.
OPINIÃO: Posicionamento de preços revela pretensões opostas
Primeiro com Logan, Sandero, Duster e Oroch e agora com o Kwid, a Renault mostra que sua ambição é ocupar o lugar que um dia foi da Fiat no mercado brasileiro: o de marca de grande volume, com modelos capazes de ser um sonho possível para muitos consumidores. Em época de crise econômica, ela soube criar um produto simples, mas atraente, com um “preço sexy” que o habilita a fazer grande sucesso.
Já a Volkswagen segue na direção oposta, forçando a barra para ser vista como uma espécie de “generalista premium”. Uma marca que cobra R$ 55 mil por um carro que não traz sequer ajuste elétrico para os retrovisores (o Polo 1.6) sinaliza que confia não só na qualidade de seu produto, mas também que o público pagará qualquer preço por ele.
Com o Up!, porém, não foi bem isso que aconteceu: graças ao posicionamento um tanto descolado da realidade, ele nunca deslanchou em vendas, a despeito de suas inegáveis virtudes.