
Preservar os objetos pessoais de um ente querido que já se foi é uma das formas mais comuns de manter viva a sua memória. Foi pensando nisso que o engenheiro Geraldo Campesi restaurou o Chevette Hatch 1981 desta reportagem.
O sogro dele, Oswaldo, havia comprado o Chevrolet em 1982, com apenas 2 mil quilômetros rodados. Depois de sua morte, em 1990, o carro amargou um longo período parado na garagem: foram 15 anos de ostracismo, até que o engenheiro decidiu recuperá-lo.
“Eu tinha começado a restaurar antigos havia pouco tempo e estava pegando gosto pela coisa. Tentei repor os itens de acabamento que haviam se deteriorado, para que o Chevette ficasse o mais original possível e pudesse receber as placas pretas. Nada neste carro é adaptação”, garante Campesi.
O Chevrolet ficou pronto em cerca de dois anos. A carroceria recebeu nova pintura e foram trocados para-choques, borrachas, guarnições e a tampa interna do compartimento de bagagem.
Munido de uma amostra do tecido original, um especialista refez a tapeçaria dos bancos. O motor não precisou de retífica e passou por um restauro superficial, com substituição de itens como anéis e platinado.
Atualmente, o hodômetro registra cerca de 53 mil km. O Chevrolet faz parte de uma coleção de 16 antigos que Geraldo mantém em parceria com o concunhado, Gilberto.
“Ele roda pelo menos duas vezes por mês, em trajetos curtos. Por não ter itens como direção hidráulica, a manutenção é simples: basta ligar o motor, medir o nível de óleo e calibrar os pneus. Temos um funcionário que lava, encera e manobra os carros do nosso acervo”, conta o engenheiro.
No meio dos antigos, o Chevette ocupa uma espécie de limbo, destinado a modelos que já saíram de linha há muito tempo, mas ainda não são considerados “clássicos”.
Isso fica claro nas participações que o hatch de Campesi faz em eventos. “As pessoas falam ‘ah, um Chevette. Está bonitinho’, viram as costas e vão embora. O pessoal dos clubes prefere que a gente leve outros modelos, como o Willys Interlagos ou meu Mini Cooper 1975.”
O próprio engenheiro fala sobre o Chevrolet sem o excesso de reverência de outros donos de antigos, que se derretem por suas relíquias.
“É um carro duro e não passa tanta segurança ao dirigir, os freios não são lá essas coisas. O motor 1.4 (de 68 cv) dele fica devendo até a outros modelos da época”, descreve, com franqueza. “Até minha esposa, que comprou um Karmann-Ghia 1968, sentiu na pele a dificuldade de guiá-lo. Em uma ladeira, ela engrenou a terceira marcha e o carro não tinha força para subir”, conta.
Por que então manter o Chevrolet? “Pela estima ao meu sogro, que usou o carro por muito tempo. Ele merece essa atenção, era muito paciente e amigo. Até hoje, a gente olha para o Chevette e se lembra dele.”
Nas ruas, porém, o carrinho faz bastante sucesso. “As pessoas me cumprimentam no trânsito, elogiam o carro. Basta estacionar no posto de gasolina e sou abordado. Já ouvi belas histórias de gente que teve um Chevette na família ou aprendeu a dirigir em um desses. Tem até os que se emocionam.”
Há também interessados em encontrar um possível “negócio da China” – mas que não tem a menor chance de acontecer, segundo Campesi. “Alguns pensam que esse carro pode ser um antigo baratinho e me oferecem R$ 3 mil, R$ 4 mil. Mas o Chevette não está à venda. Além de eu não precisar do dinheiro, ele tem um enorme valor afetivo para mim.”