Há exatos 30 anos, chegava às concessionárias o Chevrolet Kadett. Não é nenhum exagero dizer que foi o lançamento mais importante da indústria automotiva brasileira na segunda metade da década de 80. Em meio ao cenário de hiperinflação e recessão econômica que dominou o período, o Kadett foi o primeiro carro realmente inédito (ou seja, que não era derivado de outro modelo) em quase cinco anos. O lançamento anterior havia sido o Fiat Uno, em agosto de 1984.
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Esse cenário de mesmice se refletia na própria linha de produtos da Chevrolet. Com 7 anos de mercado (em que a maior mudança foi a incorporação do conta-giros ao painel, na metade de 1985), o Monza já não era nenhuma novidade. Os outros produtos da marca já podiam ser considerados veteranos. O compacto Chevette (nome brasileiro para o Kadett europeu da terceira geração, a série C) já estava na ativa havia 16 anos. E o lendário Opala já tinha completado 21 anos de idade.
Decisão de vender o Kadett no Brasil foi tomada em 1985
O Kadett brasileiro é baseado na quinta geração (série E) do Opel Kadett, que foi vendida na Europa entre 1984 e 1991. Naquela região, o modelo chegou a ser o segundo mais vendido, atrás apenas do Volkswagen Golf. A ideia de trazê-lo para o Brasil foi tomada em 1985.
Naquele ano, a GM brasileira definiu que a novidade europeia viria para ocupar a lacuna entre Chevette e Monza. Em agosto de 1986, os primeiros exemplares do Opel desembarcaram no País, na surdina, para testes no Campo de Provas da Cruz Alta, em Indaiatuba (SP).
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A escolha do nome do modelo brasileiro não foi fácil. Foram consideradas 530 opções de nomes e a mais cotada até 1988 era Astra. Até que alguém lembrou que Astra era o nome comercial de um assento de vaso sanitário da época, e o nome foi imediatamente descartado. Prevaleceu Kadett mesmo.
Na Europa, o modelo tinha configurações hatch, sedã e perua, com duas e quatro portas. Para o mercado brasileiro, a GM optou pela carroceria hatch com duas portas. Com isso, ela preenchia o espaço de um hatch na gama, que estava vazio desde a aposentadoria do Chevette hatch e do esportivo Monza S/R.
Modelo “sofreu” para se adaptar às ruas brasileiras
A mecânica do Kadett brasileiro foi herdada do Monza já vendido no País. Isso facilitou as coisas, mas ainda havia muito trabalho pela frente. A tropicalização do modelo europeu consumiu três longos anos. Foram 1,3 milhões de quilômetros rodados em testes, especialmente para adaptação às condições de piso brasileiras.
O modelo recebeu reforços na carroceria e protetor de cárter, além de para-choques mais protuberantes. Isso porque o desenho das peças do modelo europeu pareceram pouco robustos aos consumidores que a GM ouviu em clínicas de opinião.
Durante a adaptação do modelo, cada exemplar rodava entre 40 mil e 80 mil km. Era uma vida de castigos severos. Para verificar a resistência dos freios, eles desciam a serra para Caraguatatuba a 30 km/h com os freios constantemente aplicados, sem refrigeração. O teste de corrosão era ainda pior. Após levar um banho de salmoura, cada carro passava oito horas parado, oito horas rodando na pista e oito horas em uma estufa com vapor.
Modelo trouxe o que havia de mais moderno
A aerodinâmica era um destaque do modelo, com linhas em forma de gota. A combinação de frente em cunha e traseira alta e compacta resultou no menor coeficiente aerodinâmico conseguido no País até então. A versão esportiva GS tinha Cx de 0,30 e os demais catálogos, de 0,32.
Entre os opcionais, havia regulagem de altura para assento do motorista e volante. Esses itens, ainda raros no mercado, haviam estreado nas linhas 1988 de Monza e Opala. Um computador de bordo entre os difusores centrais de ar mostrava dados de consumo. Era possível ajustar a altura da traseira, por meio de bolsas de ar nos amortecedores, algo útil para quando o carro rodasse com muita carga.
Outro opcional era o check control, um conjunto de sete luzes espia embutidas em um visor abaixo do para-brisa. Elas alertavam para lâmpadas queimadas, desgaste de pastilhas de freio e nível de líquidos do radiador, fluido de freio e água para os lavadores dos vidros. (A pioneira em oferecer o item, porém, foi a Fiat, em 1984).
Desempenho era ponto alto. Mas tudo era opcional
As versões SL e SL/E traziam o motor 1.8 que, após reformulações, ainda é usado no Cobalt. No Kadett, a opção movida a etanol entregava 95 cv de potência e 16,1 mkgf de torque; no motor a gasolina, eram 90 cv e 14,3 mkgf, respectivamente.
Já o esportivo GS vinha com o propulsor 2.0 a álcool que entregava 110 cv e 17,3 mkgf. A opção movida a gasolina, com 99 cv, só surgiria na linha 1991). O Kadett GS acelerava ir de 0 a 100 km/h em 10,26 segundos e chegava a 182 km/h. Seu desempenho empolgou o repórter especial Marcus Vinicius Gasques.
“É um carro limpo, sem detalhes supérfluos, com acabamento e frisos discretos. Mas a imagem clean engana bastante. Na hora de acelerar, ele mostra que é o melhor esportivo do mercado nacional. Acelera muito bem. O motor cheio responde com vontade aos desejos do motorista”, escreveu no Jornal do Carro. Já o consumo do esportivo não era dos melhores: 6,5 km/litro na cidade e 7,9 km/l na estrada.
O conteúdo de equipamentos era considerado bom. Deve-se lembrar, porém, que nessa época os carros eram “pelados” e ar-condicionado era exclusividade de modelos caros e versões de topo. A configuração de entrada, Kadett SL, tinha apenas quatro opcionais. Rádio, limpador e lavador do vidro traseiro, desembaçador com ar quente e pintura metálica eram tudo o que o comprador podia agregar ao carro.
A intermediária SL/E sagrou-se a mais popular da gama. Ela tinha acabamento melhor, com luzes de leitura e painel com comta-giros. Mas tudo era cobrado à parte, até mesmo o limpador traseiro. Era a única configuração que podia trazer câmbio automático, uma caixa com três velocidades. Mesmo na versão de topo, a esportiva GS, ar-condicionado e direção hidráulica eram opcionais.
GM tentou manter o segredo enquanto pôde
A GM fez o que pôde para manter o modelo em segredo até a data do lançamento oficial. A estratégia do silêncio absoluto se estendia aos revendedores. Quando uma concessionária anunciou a formação de grupos de consórcio para o novo modelo, foi punida pela fábrica. O interessado podia se inscrever em um grupo de Monza e optar, posteriormente, pelo Kadett. Mas havia um problema. O Kadett custaria mais barato, e não existe devolução de dinheiro em consórcio. O jeito era completar a diferença de preço com opcionais.
Os leitores do Jornal do Carro, porém, não tiveram de esperar pelo lançamento e puderam conhecer detalhes do modelo em primeira mão. A edição de 1º de março publicou o flagra de uma unidade do esportivo GS em testes, com fotos de Oswaldo Palermo. Na semana seguinte, um novo furo. Desta vez, Palermo flagrou a família completa – incluindo a perua Ipanema, que só chegaria ao mercado no segundo semestre – em um longo teste de durabilidade entre São Paulo e a Bahia.
A edição de 12 de abril de 1989 trazia a apresentação do carro em todas as suas versões e a avaliação da versão GS. Já em 19 de abril, os leitores puderam conferir o desempenho das demais versões, SL e SL/E. No dia 30 de maio, o JC dedicou uma edição especial inteiramente ao novo Chevrolet, com impressionantes 36 páginas, mais um atestado da relevância do lançamento.
Principais mudanças ao longo da vida
A perua derivada do Kadett, Ipanema, surgiu no final de 1989. A versão conversível do esportivo GS foi apresentada no Salão do Automóvel de 1990.
A linha 1992 trouxe encostos de cabeça vazados e injeção eletrônica – monoponto para o motor 1.8, que passava a gerar 99 cv, e multiponto para o 2.0 do agora rebatizado GSi que passava a 121 cv. Em 1993, a Ipanema ganhou quatro portas e opção de motor 2.0 MPFI.
Com a mudança de nomenclatura de versões na GM, em 1994, o Kadett SL virou GL e o SL/E passou a ser GLS. A única atualização de estilo expressiva veio em 1996. O modelo recebeu nova grade frontal, para-choque pintado na cor da carroceria e lanternas traseiras escurecidas. O Kadett saiu de cena em 1998, para dar lugar ao Astra.