Quando o engenheiro civil Adriano Nogueira desfila pelas ruas com sua Volkswagen Saveiro GT 1985, costuma ser recebido com um misto de espanto e curiosidade. Homens e mulheres de sua faixa etária – ele tem 43 anos – relembram histórias da década de 80 e logo emendam perguntas sobre o carro: “é um protótipo?”, “quantas unidades foram produzidas?”.
Inquietos, eles pensam que a memória já está falhando, pois não conseguem lembrar dessa particular versão da picape – alguns até arriscam uma rápida pesquisa pelo celular. As caras de interrogação só se desfazem, com alívio, quando o engenheiro revela que a Saveiro GT jamais existiu: trata-se de uma criação dele.
A história do nascimento dessa “picape esportiva” é cheia de reviravoltas. Nogueira sempre foi fã do Gol GT, mas, quando resolveu comprar seu primeiro antigo, percebeu que era muito difícil encontrar um exemplar sobrevivente em bom estado.
Como também gosta de picapes, optou pela Saveiro, influenciado por um grupo de amigos mineiros de um clube de modelos VW. Sua única exigência: que tivesse sido fabricada entre 1985 e 1986, os anos da primeira reestilização da dianteira.
O que poderia ter sido uma longa busca se resolveu em apenas uma semana: um dos amigos viu, pela internet, uma Saveiro S 1985 à venda em Campinas, no interior paulista. O vendedor, segundo dono, havia ficado 23 anos com o carro. Os amigos de Nogueira vieram de Belo Horizonte especialmente para ajudá-lo a avaliar a aquisição.
“Fomos em grupo, negociamos muito e fizemos de tudo para tentar conseguir um preço mais baixo. Mas o vendedor não tirou nem um centavo”, conta o engenheiro, que fechou negócio mesmo assim, diante do bom estado da picape Volkswagen. Ele não revela quanto pagou pelo veículo.
A intenção inicial de Nogueira era preservar a originalidade da versão S e apenas instalar as rodas esportivas do Gol GT. Ele mudou de ideia em um evento de fãs da VW. “Um Gol GT estacionou ao lado da Saveiro, e um amigo meu teve o estalo: se eu era apaixonado pelo hatch esportivo, por que não fazer logo uma Saveiro GT? Afinal, só faltavam os adesivos, o painel e os bancos daquela versão.”
Projeto único. O engenheiro colocou o projeto em execução, com pitadas de criatividade. Encomendou uma réplica fiel do painel de instrumentos, mas, em vez da iluminação amarela da época, usou LEDs vermelhos. Diante do preço exorbitante de um emblema “GT” original, ele não se fez de rogado: reproduziu a fonte com pintura epóxi adesiva em uma plaqueta de alumínio.
Os bancos esportivos exigiram mais jogo de cintura. Como as peças Recaro originais do Gol GT à venda na internet eram muito caras ou tinham procedência duvidosa, Nogueira improvisou com os modelos de um Pointer GTi. Mas o arranjo não o satisfez completamente. “Muitas pessoas achavam que eram bancos de Ford Escort XR3, na fase Autolatina, e isso me incomodou”, conta.
A solução definitiva veio por outro golpe do acaso. Nogueira estava instalando bancos de couro em seu Hyundai Santa Fe quando um Volkswagen Golf de sétima geração (a atual) deu entrada na oficina para fazer o mesmo serviço. “Como o proprietário iria descartar o pano original, aproveitei o tecido na parte central dos bancos da Saveiro e depois fiz o arremate.”
A picape ainda tem vestígios da versão básica S, nos puxadores de porta curtos e nos comandos simples da ventilação. Mas há detalhes mais nobres: a faixa horizontal que guarnece a placa traseira é do sedã Polo Classic e a tampa do tanque de combustível veio de um Golf alemão de primeira geração.
Na traseira, Nogueira tomou a liberdade de imaginar as mudanças que a Volkswagen teria feito em uma versão GT da picape. Criou uma espécie de moldura negra para o vidro traseiro e a tampa traseira. Com tantas adaptações, a Saveiro só pôde ganhar a placa preta porque a vistoria foi feita antes da aplicação dos adesivos.
A mecânica também recebeu ajustes, com carburador, comando de válvulas e escapamento mais esportivos. “O carro ficou mais ‘nervosinho’, mas não o forço acima dos 90 km/h”, garante o dono, que já viajou com ele até Blumenau e Pomerode, ambas em Santa Catarina – não sem antes ter ido exibir a cria com orgulho aos amigos de Minas Gerais, é claro.
Em um evento de fãs da VW em Águas de Lindoia, no interior de São Paulo, a Saveiro GT levou até um prêmio pela beleza da cabine. Mas a maior recompensa para Nogueira é poder sair por aí curtindo a picape.
“Coloco um pen drive com músicas do New Order, A-Ha, Depeche Mode, Erasure e Michael Jackson. Vou revivendo minha adolescência e mostrando o que é cuidar bem de um carro: volante alinhado, peças bem encaixadas, lataria e pneus brilhando. É minha distração.”