Até onde você seria capaz de ir por uma paixão? Para colocar as mãos no Maxwell das fotos desta reportagem, o empresário Marcos Vinicius não mediu esforços. As façanhas incluíram pegar um avião até Montevidéu, desalojar uma família e até demolir paredes.
A relíquia foi descoberta por um olheiro que garimpa carros antigos para o colecionador no Uruguai e na Argentina. Assim que soube que se tratava de um modelo fabricado em 1917, Vinicius se empolgou e emitiu um bilhete aéreo para a capital uruguaia. Mas entre ele e o carro havia certos obstáculos.
“Quando cheguei ao local, descobri que o veículo estava parado havia muito tempo e acabaram erguendo quatro casas ao seu redor. Ou seja, estava emparedado, sem saída”, conta.
O empresário tratou de negociar uma solução com a família dona dos imóveis. Além de instalá-los em um hotel por 15 dias, pagou-lhes uma gratificação de US$ 10 mil (cerca de R$ 42 mil) e contratou um pedreiro para quebrar as paredes inconvenientes. “Assim pude resgatar o carro e passá-lo pelo espaço entre as casas.”
Bem, chamar aquilo de carro demandava certa licença poética. Afinal, o Maxwell era então pouco mais que um chassi em meio aos escombros, com um monte de peças em caixas. “Minha esposa viu aquilo e disse: ‘é outro lixo’. Vários carros meus, você olha e diz que são lixo mesmo, que não têm salvação. Mas quando eu pego, não enxergo um monte de sucata: já vejo o carro pronto”, explica Vinicius.
Coleção. Para atrair a atenção do colecionador, o que conta não é a marca do veículo, mas o ano de fabricação. Dos cerca de 40 exemplares que constituem seu acervo, ele calcula que 95% sejam anteriores à Segunda Guerra Mundial. “Meu foco é de 1930 para trás. Quando meu olheiro disse ‘1917’, eu fui correndo. Esse está entre meus três modelos mais raros.”
Quando recebeu o Maxwell, Vinicius sabia pouco sobre a história do carro. Depois de uma boa pesquisa, descobriu que o modelo havia tido uma carreira de sucesso. “Ele foi considerado o melhor carro da década de 1910 nos Estados Unidos”, afirma o dono. “Bateu recordes em uma prova em que funcionou por dez dias e 14 horas ininterruptamente, venceu uma corrida com um trem entre Quebec e Montreal, no Canadá, e foi o primeiro carro a vencer um rali com uma mulher ao volante”, enumera, entusiasmado.
Mão na massa. A reforma do adorável calhambeque foi feita à moda antiga, por Vinicius e seu pai, atualmente com 86 anos. “Nós mesmos fabricamos as peças, colocando a madeira no formão, como se fazia na época. Vou pesquisando e descobrindo, já com a mão na massa. Restauro até dez carros de uma vez”, conta o empresário.
O ofício é executado com rigor de purista. Pode até empregar componentes de outros modelos, desde que sejam da mesma época. “Modernizar, jamais”, decreta Vinicius. “Pesquisei detalhes como cores e tecidos e refiz o carro exatamente como ele era há 100 anos. Só restauro se for para deixar como saiu da fábrica”, garante.
A maior dificuldade do processo, que levou cinco anos, foi desvendar a parte elétrica. O Maxwell 1917 utiliza duas baterias de 6 volts. Para dar a partida no motor, uma chave no pedal coloca as duas peças em série. “O motor dá partida em 12 volts e trabalha em 6 volts. Levei um tempo para entender isso.”
Depois de pronto, nada de plataforma ou cavalete. O Maxwell foi logo posto em uso. E até participou de filmagens. “Ou o carro roda e me dá prazer, ou não fico com ele. Ponho amigos dentro, deixo a molecada botar a mão, não tenho frescuras”, diz o colecionador, que monta uma escala para organizar os passeios com todo o acervo. “Tenho 20 antigos funcionais. Como rodo aos fins de semana, levo três meses para conseguir movimentar todos.”
Peculiar. A condução do calhambeque é bastante peculiar. Como acelerador e câmbio têm acionamento por alavancas, o motorista precisa aprender a se organizar ao volante até conseguir assimilar o ritual.
“Com a mão direita, eu acelero. Com a esquerda, troco as marchas e controlo a direção. Aí piso na embreagem, coloco o câmbio em ponto morto, desacelero, engreno a próxima marcha, solto a embreagem e acelero”, descreve Vinicius.
Ele explica que não é preciso acelerar muito para ter uma boa dose de emoção a bordo. “O Maxwell é muito leve, aberto e com rodas feitas de madeira, como uma carruagem. Por isso, a 70 km/h parece que você está voando”, brinca.
O colecionador conta que, nas ruas, o interesse pela relíquia se concentra nos extremos do espectro etário: crianças, por curiosidade, e idosos, por nostalgia. “Mas a reação mais comum – e que me deixa furioso – é chamarem meu Maxwell de ‘Fordinho’”, diz.
“É uma falta de conhecimento, são uns ignorantes, não têm cultura de carro antigo”, esbraveja o empresário. “Dia desses, tive de ouvir que o Citroën 2CV era um projeto malsucedido de reforma de um Fusca!”
Vinicius reconhece que seu interesse por modelos pré-guerra é compartilhado por poucos. E arrisca algumas explicações “Falta mão de obra apta a fazer a manutenção. E as pessoas que cultuam essa época estão morrendo”, constata. “A molecada de hoje acha que carro antigo é Maverick, Opala e Corcel.”