Você está lendo...
Maxwell 1917 foi alvo de um resgate internacional
Carro do leitor

Maxwell 1917 foi alvo de um resgate internacional

Carro centenário feito nos EUA estava preso entre quatro sobrados no Uruguai

Thiago Lasco

20 de ago, 2018 · 8 minutos de leitura.

Publicidade

maxwell
Maxwell 1917
Crédito:Crédito: Daniel Teixeira/Estadão

Até onde você seria capaz de ir por uma paixão? Para colocar as mãos no Maxwell das fotos desta reportagem, o empresário Marcos Vinicius não mediu esforços. As façanhas incluíram pegar um avião até Montevidéu, desalojar uma família e até demolir paredes.

A relíquia foi descoberta por um olheiro que garimpa carros antigos para o colecionador no Uruguai e na Argentina. Assim que soube que se tratava de um modelo fabricado em 1917, Vinicius se empolgou e emitiu um bilhete aéreo para a capital uruguaia. Mas entre ele e o carro havia certos obstáculos.

“Quando cheguei ao local, descobri que o veículo estava parado havia muito tempo e acabaram erguendo quatro casas ao seu redor. Ou seja, estava emparedado, sem saída”, conta.

Publicidade


O empresário tratou de negociar uma solução com a família dona dos imóveis. Além de instalá-los em um hotel por 15 dias, pagou-lhes uma gratificação de US$ 10 mil (cerca de R$ 42 mil) e contratou um pedreiro para quebrar as paredes inconvenientes. “Assim pude resgatar o carro e passá-lo pelo espaço entre as casas.”

Bem, chamar aquilo de carro demandava certa licença poética. Afinal, o Maxwell era então pouco mais que um chassi em meio aos escombros, com um monte de peças em caixas. “Minha esposa viu aquilo e disse: ‘é outro lixo’. Vários carros meus, você olha e diz que são lixo mesmo, que não têm salvação. Mas quando eu pego, não enxergo um monte de sucata: já vejo o carro pronto”, explica Vinicius.

Coleção. Para atrair a atenção do colecionador, o que conta não é a marca do veículo, mas o ano de fabricação. Dos cerca de 40 exemplares que constituem seu acervo, ele calcula que 95% sejam anteriores à Segunda Guerra Mundial. “Meu foco é de 1930 para trás. Quando meu olheiro disse ‘1917’, eu fui correndo. Esse está entre meus três modelos mais raros.”


Quando recebeu o Maxwell, Vinicius sabia pouco sobre a história do carro. Depois de uma boa pesquisa, descobriu que o modelo havia tido uma carreira de sucesso. “Ele foi considerado o melhor carro da década de 1910 nos Estados Unidos”, afirma o dono. “Bateu recordes em uma prova em que funcionou por dez dias e 14 horas ininterruptamente, venceu uma corrida com um trem entre Quebec e Montreal, no Canadá, e foi o primeiro carro a vencer um rali com uma mulher ao volante”, enumera, entusiasmado.

Mão na massa. A reforma do adorável calhambeque foi feita à moda antiga, por Vinicius e seu pai, atualmente com 86 anos. “Nós mesmos fabricamos as peças, colocando a madeira no formão, como se fazia na época. Vou pesquisando e descobrindo, já com a mão na massa. Restauro até dez carros de uma vez”, conta o empresário.

O ofício é executado com rigor de purista. Pode até empregar componentes de outros modelos, desde que sejam da mesma época. “Modernizar, jamais”, decreta Vinicius. “Pesquisei detalhes como cores e tecidos e refiz o carro exatamente como ele era há 100 anos. Só restauro se for para deixar como saiu da fábrica”, garante.


A maior dificuldade do processo, que levou cinco anos, foi desvendar a parte elétrica. O Maxwell 1917 utiliza duas baterias de 6 volts. Para dar a partida no motor, uma chave no pedal coloca as duas peças em série. “O motor dá partida em 12 volts e trabalha em 6 volts. Levei um tempo para entender isso.”

Depois de pronto, nada de plataforma ou cavalete. O Maxwell foi logo posto em uso. E até participou de filmagens. “Ou o carro roda e me dá prazer, ou não fico com ele. Ponho amigos dentro, deixo a molecada botar a mão, não tenho frescuras”, diz o colecionador, que monta uma escala para organizar os passeios com todo o acervo. “Tenho 20 antigos funcionais. Como rodo aos fins de semana, levo três meses para conseguir movimentar todos.”

Peculiar. A condução do calhambeque é bastante peculiar. Como acelerador e câmbio têm acionamento por alavancas, o motorista precisa aprender a se organizar ao volante até conseguir assimilar o ritual.
“Com a mão direita, eu acelero. Com a esquerda, troco as marchas e controlo a direção. Aí piso na embreagem, coloco o câmbio em ponto morto, desacelero, engreno a próxima marcha, solto a embreagem e acelero”, descreve Vinicius.


Ele explica que não é preciso acelerar muito para ter uma boa dose de emoção a bordo. “O Maxwell é muito leve, aberto e com rodas feitas de madeira, como uma carruagem. Por isso, a 70 km/h parece que você está voando”, brinca.

O colecionador conta que, nas ruas, o interesse pela relíquia se concentra nos extremos do espectro etário: crianças, por curiosidade, e idosos, por nostalgia. “Mas a reação mais comum – e que me deixa furioso – é chamarem meu Maxwell de ‘Fordinho’”, diz.

“É uma falta de conhecimento, são uns ignorantes, não têm cultura de carro antigo”, esbraveja o empresário. “Dia desses, tive de ouvir que o Citroën 2CV era um projeto malsucedido de reforma de um Fusca!”


Vinicius reconhece que seu interesse por modelos pré-guerra é compartilhado por poucos. E arrisca algumas explicações “Falta mão de obra apta a fazer a manutenção. E as pessoas que cultuam essa época estão morrendo”, constata. “A molecada de hoje acha que carro antigo é Maverick, Opala e Corcel.”

Veja mais fotos do modelo:
Deixe sua opinião