Quando eu era adolescente, aquela fase em que não sabemos o que pensar e agir e parece que nossos hormônios também não, tinha um menino da rua que teve mais sorte que os outros. Ele espichou sem ficar magrelo, suas espinhas sumiram e sua voz engrossou, enquanto a de todos os outros garotos ainda era confundida com as de suas mães ao telefone. E as meninas gostaram disso nele. Cada vez menos ele era visto na quadras de futebol e mais nas quinas escuras das casas. Com ele, descobrimos que chamar atenção era uma coisa boa.
Rodar com o Renault Captur nas ruas de São Paulo me fez voltar nesta fase da vida. Desde a Scènic, nenhum outro carro da Renault desviava tantos olhares nas ruas ou despertava puxadas de assunto em postos de gasolina. O Captur tem porte, beleza inegável e faz parte do tão amado segmentos dos SUVs.
Junta-se a isso um preço não muito alto para o segmento, de iniciais R$ 78.900, e o mercado tem nas mãos um produto impactante. Se vai ser um sucesso comercial, não sabemos, as marcas francesas ainda têm, injustamente, algumas famas que atrapalham nas vendas. Então é preciso observar o que os próximos meses dirão, embora abril já seja um bom ponto de partida para ver o que vai acontecer: o Renault teve 793 emplacamentos, contra os 3.940 do Jeep Compass, líder do mês.
Continua depois do anúncioMesmo assim, o Captur tem o trunfo de fugir da linha racional dos últimos lançamentos da Renault/Dacia no País e entrega mais emoção. É o primeiro carro da marca em anos que dá vontade de ficar admirando na garagem. E isso, para mim, que sou apaixonado pelos carros, causa até um boa vontade na hora de avaliar o modelo. Isso, é claro, até abrir a porta e se deparar com um interior que não deveria estar lá.
O habitáculo do Captur é como se hospedar em um hotel lindo, com um lobby de cinema e, na hora de entrar no quarto, encontrar a cama quebrada e o papel de parede rasgado. Não, não há nada rasgado ou frágil a ponto de quebrar dentro dele, mas a decepção é a mesma.
Só há uma textura de plástico duro, o tecido das portas não é o que podemos chamar de refinado e falta inspiração no desenho de forma geral. Não chega a ser o Duster, mas também não é muito diferente. E como passamos mais tempo dentro do carro do que fora, a ruptura é drástica. O grande porta-objetos que fica no console central só tem espaço para um copo, no meio, deixando espaço inútil nas pontas, os direcionadores do ar-condicionado não abaixam, só ficam na altura do rosto e se você pretende dar ré logo ao ligar o carro, é preciso esperar o sistema multimídia acordar para mostrar a imagem da câmera de estacionamento.
Há também aquela velha mania da Renault de colocar botões inalcançáveis debaixo da alavanca do freio de mão. Quer outro anacronismo? Tanque de partida a frio. É, ele ainda tem.
A chave é a mesma do tipo cartão do Fluence, que abre ou fecha o carro estando no bolso, o que é bem legal. Fora isso, o carro tem outros equipamentos bacanas, como controle de estabilidade e tração, controle automático de velocidade, assistência de partida em rampa e um kers, que recupera energia de frenagem para o alternador.
Ao volante, o Captur segue seus altos e baixos. O motor 1.6 de até 120 cv e 16,2 mkgf com etanol não parece ser a escolha perfeita para um carro de 1.273 kg. E isso pesa, literalmente, em baixa, já que o torque máximo só aparece aos 4 mil rpm e o câmbio de cinco marchas não tem relações curtas (e isso no manual, porque há a opção de um pré-histórico automático de quatro velocidades que, em um carro lançado em 2016, não deveria ser sequer considerado). Mas depois que o Captur pega embalo, chega a 120 km/h sem sobrecarregar o virabrequim, mostrando que apesar de ser urbano, ele se dá melhor em estradas sem trânsito.
O que pode ajudar a vida mercadológica do SUV é que, em cidades em que a maior parte das ruas é monitorada a 50 km/h, desempenho não chega a ser um item fundamental mais na escolha de compra. Pode ser para mim, um purista que gosta de velocidade, e mais meia dúzia de “ultrapassados”, mas para o consumidor comum não é mais e nem deve ser mesmo.
Já a suspensão é boa para buracos e curvas leves, mas entrega os pontos em curvas mais rápidas e deixa a carroceria inclinada para a direita ou esquerda, nunca no centro, mais ou menos como nas discussões de política hoje em dia no Facebook.