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Preço do carro no Brasil foge da lógica

Queda nas vendas geralmente significa desconto no preço, menos na indústria automotiva. E a culpa não é necessariamente das montadoras

Diego Ortiz

11 de mai, 2020 · 6 minutos de leitura.

VW São José dos Pinhais" >
Fábrica da VW em São José dos Pinhais (PR), de onde sai o SUV T-Cross
Crédito: Volkswagen/Divulgação

Em praticamente todos os segmentos de mercado, uma queda acentuada de vendas significa uma corrida para fisgar o cliente novamente. A ação inicial é sempre dar descontos, seguidos por facilitação na aquisição do produto. Na indústria automotiva brasileira, a primeira opção nunca vem. Mesmo com a pior atuação de vendas desde 1957 (99,4% de queda), por conta do isolamento social para combater a covid-19, o que se vê são aumentos nos preços de quase todas as fabricantes. Há algumas ações para pagamento em 2021, entrada facilitada, juros menores, mas não uma redução significativa nos preços.

Isso leva à ira destilada nas caixas de comentários das redes sociais das publicações automotivas. Marcas são xingadas, complôs para a não aquisição de carros zero-km são deflagrados, e os preços continuam lá, impassíveis. Eu também serei ofendido logo após escrever a frase que está por vir, mas a verdade as vezes dói: a culpa não é das montadoras.



Seguiremos a lógica do iPhone. O 11, com 128 GB, custa R$ 5.299 no Brasil. Nos Estados Unidos ele é vendido por US$ 699. São 699 dinheiros para eles contra 5.299 dinheiros para nós. O argumento de relativizar não serve? Tudo bem.

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O salário mínimo americano (levando em conta que eles recebem lá por hora trabalhada) é de US$ 1.256. Daria para comprar dois iPhones quase. Aqui, o salário mínimo é de R$ 1.045. São cinco vezes menos o valor do iPhone. Já partiremos para xingar a Apple também e chamá-la de mercenária? Ainda não, há outras informações.

Os iPhone são fabricados na China. Apesar do presidente Trump ter colocado tarifas de 25% nesta produção por causa de uma atual guerra mercadológica, eles sempre foram vendidos nos EUA sem imposto algum de importação, com o cliente pegando apenas 9% em média de imposto na hora da compra do celular. No Brasil, apenas o imposto de importação, sem contar os outros que chegam em cascata, é de 35% do produto. Mais de um terço de tudo que você compra importado neste País é só imposto.

Achou muito? Pois bem, agora que vem a peça chave da absurda precificação dos carros no Brasil. Mesmo que o veículo seja fabricado no interior de São Paulo, o imposto total ronda os 48% (mais os custos dos componentes comprados em dólar que não são fabricados aqui). Fora isso, para a cadeia funcionar, há o lucro das montadoras, das concessionárias, comissão dos vendedores, margem de negociação, entre outros.


Preço do líder seria bem menor

Vamos para a prática e colocar no líder Onix contas parecidas. O novo Chevrolet custa a partir de R$ 53.050. Com os 48% a menos dá R$ 27.586. Mais 9% do imposto hipotético: R$ 30.068. Este seria mais ou menos o preço final do carro zero quilômetro de entrada no Brasil. Ainda não seria uma pechincha, claro, pois há outros problemas estruturais por aqui que aumentam os custos de tudo, como por exemplo a alta tarifa da energia elétrica. Mas em cascata, isso faria um Onix 2015 inteirinho ser vendido nas lojas de seminovos por R$ 12 mil. Um sonho!

No entanto, a realidade é outra, de aumentos seguidos de preços. Com o dólar a quase seis reais e com as vendas 99% menores, não há margem para as marcas segurarem os preços e empregos. Não, não estou dizendo que a montadoras são santas imaculadas. Todas as empresas do mundo querem lucro e seu acionistas desejam comprar uma mansão maior e um iate mais luxuoso no fim do verão. Mas se você quer comprar um carro novo e não consegue porque é muito carro, o mais justo é xingar o sistema tributário brasileiro, não as montadoras.

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