Para muitos, o carrinho pode ser confundido com uma minivan asiática. E só não passa totalmente despercebido no trânsito por causa da pintura branca e vermelha. Mas quem conhece um pouco da história da Gurgel, a fábrica de automóveis fundada em 1969 pelo engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel (1926-2009), vê que está diante de algo diferente.
O técnico de fiação Paulo Togneri, o Poli, de 85 anos, tem um carro único. Resgatada do espólio da montadora quando era pouco mas que uma casca de fibra, sua van foi “completada” em casa, num trabalho que demandou muito esforço e que ainda não está totalmente completo.
Pelas circunstâncias que marcaram sua história, esse carro só circula pela abnegação dos aficionados da marca. Segundo o que informa o site do Gurgel Clube, no final dos anos 80, João Gurgel desenvolvia dois utilitários, um que possivelmente seria chamado de BR-Van, de duas portas, e um “veículo para lotação”, para taxistas.
Continua depois do anúncioCom a falência da fábrica, em 1993, a van e o táxi/lotação não chegaram a ser completados. As cascas de fibra ficaram esquecidas no que restou na fábrica de Rio Claro (SP) até que fossem arrematadas em um leilão da massa falida.
O BR-Táxi, no entanto, teve seu momento de celebridade. Ele chegou a ser exposto como conceito na feira Transpo-89, montado sobre uma base do BR-800. Curiosamente, tinha duas portas, como a van, mas a do lado direito dava acesso direto ao banco traseiro.
Já a van parou em um estado ainda mais embrionário, daí o trabalho de Togneri. “Fiz tudo em casa”, diz, orgulhoso. O “tudo” não é força de expressão. O carro não tinha motor, suspensões, parte elétrica, bancos, revestimentos…
Como possui na garagem outros quatro exemplares da marca Gurgel, Togneri começou enxertando a mecânica do BR-800, como deveria ser o plano original de Gurgel. O motor de dois cilindros e 800 cm cúbicos de cilindrada refrigerado a água encaixou perfeitamente no cofre dianteiro. Com tração traseira, por diferencial, e câmbio de Chevette, a base da parte mecânica estava pronta.
Em seguida, ele se dedicou a confeccionar os bancos (individuais na frente) e os revestimentos internos. Mas os desafios continuavam. “O carro não tinha vidros, tive de mandar fazer”, conta. “Somente no para-brisa gastei R$ 1,7 mil.”
Faróis e retrovisores também são do BR-800. As lanternas traseiras, tricolores, foram feitas artesanalmente, assim como a adaptação das dobradiças das portas, que sequer existiam. As rodas, aro 13, são cobertas por calotas “resgatadas” nas instalações da fábrica.
E o que deu mais trabalho? “Foi a tampa traseira”, conta. Como “casca” não tinha dobradiças, maçaneta e, principalmente, resistência, Togneri conta que tudo precisou ser desenvolvido do zero, em especial o suporte que mantém aberta a tampa. E do zero também saiu outro item fundamental, a coluna de direção, que não existia. “Moldei a tampa de fibra no jardim de casa”, conta.
E do zero também saiu outro item fundamental, a coluna de direção, que não existia. “Moldei a tampa de fibra no jardim de casa”, conta.Batalhas vencidas e com o carro já andando, Togneri se dedicou à regularização da documentação. O veículo foi registrado apenas como “Gurgel”, e o ano de fabricação, 1980. Hoje, as ofertas pelo carrinho se multiplicam, mas o proprietário é irredutível. “Quando algum proprietário de Gurgel vem perguntar se quero vender, eu digo que compro o dele, mas não vendo o meu”, brinca.
Instrumentos: faltou relógio