O mundo está caminhando a passos largos rumo a eletrificação de veículos. Só a General Motors investiu US$ 20 milhões para a implantação de uma nova família de carros movidos à bateria. E o Brasil não está fora dos planos. Por aqui, a fabricante oferece (desde 2018) o Bolt, que tem autonomia superior a 400 km. Porém, o modelo encareceu mais de R$ 55 mil no último semestre e, hoje, não é vendido por menos de R$ 230.600.
Isso é reflexo da alta do dólar, pois a indústria é bastante vulnerável e exposta à variação cambial. Para comentar este e outros pontos, o Jornal do Carro entrevistou com exclusividade Hermann Mahnke, diretor-executivo de marketing da GM América do Sul, que vê na elevação de preços a principal dificuldade em tornar esse tipo de veículo realidade no Brasil.
Jornal do Carro – O Chevrolet Bolt foi o carro elétrico mais vendido do Brasil no primeiro semestre de 2020, com 82 unidades. A que se deve o sucesso do modelo frente à concorrência?
HM – Em 2018, quando fizemos a avant-première do Bolt (durante o Salão do Automóvel de São Paulo), seu ponto forte era, justamente, aliar tecnologia e autonomia superior. Afinal, é possível rodar mais de 400 km com uma única recarga. Sem contar a acessibilidade de preço. À época, o elétrico mais premiado dos Estados Unidos, chegou por aqui a R$ 175 mil.
JC – Os veículos elétricos vendidos no Brasil subiram bastante de preço nesse meio-tempo. O Bolt, por exemplo, chegou a ultrapassar os R$ 55 mil de alta. Isso foi apenas por conta da alta do dólar, ou há outros fatores que influenciaram?
HM – À época do lançamento do Bolt, o dólar estava na casa dos R$ 3,70. Mas, desde então, a moeda tem ganhado força, se valorizado frente ao real. Hoje, está no patamar de R$ 5,60, aproximadamente, e os preços dos carros elétricos como um todo estão reagindo a esse novo câmbio.
Esse tipo de veículo, por ser totalmente importado, com conteúdo tecnológico muito alto vindo de fora, invariavelmente sofre os impactos desse aumento (do dólar). E isso vai continuar, porque não há como a gente subsidiar o preço de um carro desses! Aliás, o patamar de preços dos carros elétricos no Brasil ainda não está ajustado a realidade cambial. Com certeza, teremos ainda mais altas ao longo do ano. E isso, infelizmente, tira o carro elétrico dos planos de muitos compradores.
JC – Qual seria o valor ideal do dólar para que o carro elétrico ampliasse sua participação no Brasil?
HM – Eu acredito que se conseguirmos superar o patamar inferior a R$ 4, que é a realidade que tínhamos no final de 2018, quando lançamos o Bolt, seria o ambiente perfeito para que o brasileiro pudesse usufruir dessa tecnologia que vem recebendo investimentos no mundo inteiro. Com o dólar alto, a gente começa a perder oportunidade de eletrificar o Brasil.
Com base no processo visto em outros países, a eletrificação começa nos centros urbanos e, posteriormente, em algumas rotas. Por aqui, o processo começou a funcionar em cidades como Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, e também no eixo Rio-SP.
Ou seja, esses locais começaram a investir em infraestrutura para começar a ter carros elétricos. E eles começaram a chegar. E é em função do aumento das vendas desses modelos que a infraestrutura também vai se adequando, os investimentos vão acontecendo, até que a gente tenha uma cobertura nacional, por exemplo. Hoje, a rede Chevrolet tem 15 pontos totalmente capacitados e qualificados a vender o Bolt.
A nossa ideia era expandir essa rede conforme o mercado fosse crescendo. Porém, percebeu-se uma desaceleração substancial. Culpa da elasticidade de preço. Em resumo, isso faz o Brasil perder. Perde por não poder usufruir dessa grande onda de investimentos da indústria (de elétricos) como um todo.
JC – O que o Governo poderia fazer para reverter essa situação e, de fato, tornar o elétrico uma realidade no Brasil?
HM – Aqui (no Brasil) não tem nenhum benefício excepcional. Mas o Governo já tomou algumas atitudes, como a isenção de imposto de importação, independente da fonte, por exemplo. Isso já é um convite importante para que possamos ofertar essa tecnologia por aqui. A tributação (IPI) é de 8%, e tem benefícios indiretos, como a isenção de rodízio municipal (em São Paulo), IPVA diferenciado, enfim.
Porém a questão central para determinar o aumento ou diminuição no volume de veículos elétricos é o câmbio. É ele quem torna a estratégia proibitiva ou não.
JC – Tendo em vista que o veículo elétrico ainda é inviável para muitos consumidores no Brasil, não seria hora de pensar em um modelo mais barato? Há planos para um Onix elétrico, por exemplo?
HM – Não. Temos planos e altos investimentos em eletrificação de todo nosso portfólio, mas, hoje, estão totalmente concentrados fora do Brasil. A nossa ideia é importar. Sem previsão de nacionalizar.
JC – Poderia adiantar algum modelo elétrico que será realidade por aqui em breve?
HM – Temos planos de trazer mais produtos já ofertados lá fora, mas não posso adiantar nomes. Mesmo porque a intenção, no curto prazo, é fazer volume com o que já temos. Queremos fazer uma oferta de produtos diferente nos próximos anos. Entretanto, isso só será possível com a estabilização do dólar. A moeda cara retarda todo o planejamento (de trazer mais carros elétricos para o Brasil), porque você vai ter menos volume e, por consequência, menor infraestrutura, o que torna a oferta desvantajosa.
JC – Quais partes do mundo já estão preparadas a conviver perfeitamente com o carro elétrico?
HM – O mundo todo está se preparando para isso, afinal, trata-se de uma energia totalmente limpa a partir de uma energia potencialmente renovável. Há eletrificação em massa por todos os lados, porém, EUA, Ásia e Europa estão acelerando essa transição de carros a combustão para elétricos com mais velocidade por meio de incentivos do Governo. O que não é o nosso caso.
Para comparação, o Brasil é um mercado de 2 milhões de carros, mas tem menos elétricos que a Colômbia, por exemplo, que vende, aproximadamente, 300 mil carros/ano. Nossa angústia é ver a indústria de elétricos minguando por aqui com a alta do dólar. O resultado é ainda mais espera para que se tornem realidade no Brasil.
JC – Há uma grande polêmica em torno da fabricação do carro elétrico e, principalmente, do descarte de baterias. Qual a visão da GM sobre os temas?
HM – Há muita lenda em torno disso. É uma nova realidade. Todo um mercado ainda vai nascer, como a própria indústria de recuperação de baterias de veículos elétricos. Hoje, já temos (a GM) mais de 4,2 bilhões de km percorridos dentro do nosso portfólio de veículos elétricos. Para se ter ideia da grandeza, é como ir 11 vezes até a lua. Ainda assim, até hoje, não tivemos nenhuma substituição de bateria em garantia. Ou seja, a durabilidade da bateria elétrica é extremamente confiável e duradoura.
Temas como descarte em massa, assim como falta de capacidade de produção (para cumprir a demanda) não existiu até agora. Conforme a tecnologia evolui, os prolemas vão sendo sanados. E novas tecnologias estão chegando, como maior autonomia de baterias, por exemplo. Certamente, novos projetos estão nascendo enquanto estamos conversando aqui.