Isso já ocorre desde 2021, quando a vacinação ainda estava no início e a pandemia apresentava números terríveis. Porém, em 2022, a crise dos chips continua a frear a produção de carros no mundo inteiro, e algumas montadoras no Brasil estão sofrendo bastante com isso.
Como consequência, os lançamentos estão praticamente todos atrasados. Ao menos os mais esperados do ano. São os casos dos novos Honda HR-V, Volkswagen Polo, dos Chevrolet Bolt EV e Equinox, e do Citroën C3, por exemplo. Para se ter ideia, em março, quando divulgou o início da produção do hatch à imprensa, a marca francesa prometeu que o modelo estaria nas lojas já em abril. E cadê? Ele estreia nas próximas semanas e deve chegar às lojas em junho.
O fato é que, conforme já noticiamos no Jornal do Carro, a crise afeta diretamente toda a indústria automobilística. Afinal, os chips atualmente são parte essencial dos veículos. Eles estão por toda a arquitetura eletrônica, e controlam motor, câmbio, módulos de airbags, multimídia, alarme, etc. A BMW, por exemplo, optou por remover telas e outros equipamentos para conseguir entregar os carros aos clientes. A VW fez o mesmo com T-Cross e outros modelos.
Em 2021, a GM ficou meses sem produzir uma só unidade do Onix. Resultado: o hatch compacto despencou no ranking dos mais vendidos. Assim como ocorreu com as montadoras, a GM precisou paralisar a fábrica de Gravataí (RS) por um período maior que o previsto.
Afinal, quando isso acaba?
Com base em afirmações da fabricante de holandesa de chips, ASML, o jornal Financial Times apontou recentemente que a crise dos chips vai durar, ao menos, mais dois anos. Já pesquisa da consultoria GlobalData afirma que as dificuldades no abastecimento podem perdurar até 2023, a depender da região. Afinal, isso envolve políticas e estratégias.
Por enquanto, as montadoras priorizam o fornecimento de chips para modelos que entregam maiores margens de lucro, como SUVs e picapes. Os veículos mais antigos, por exemplo, que usam menos chips, perderam espaço na lista de prioridades.
De acordo com Lucas Mastromonico, operador de renda variável da B.Side Investimentos, a solução está mais perto do que se prevê. Para ele, a situação, que já tinha demonstrado sinais de melhora, voltará à estaca zero, mas deve ser retomada em alguns meses.
“Há poucas semanas, os casos de Covid-19 começaram a aumentar na China e, Pequim, com sua política (de Covid Zero), promoveu lockdowns em 20 cidades, afetando cerca de 200 milhões de pessoas”, explica Mastromonico. “Isso, portanto, afeta também o porto de Xangai, responsável por 30% das exportações chinesas. Ou seja, a crise deve ser amenizada depois de alguns meses, quando a China relaxar suas medidas”.
De Honda a Tesla
Também por causa da crise dos semicondutores, a Honda, por exemplo, ainda não lançou o novo HR-V. O SUV já tem até hotsite brasileiro. Ele está confirmado pelo CEO da marca na América do Sul, Atsushi Fujimoto, mas a estreia será somente em agosto. De início, tal como antecipamos no Jornal do Carro, o lançamento seria no primeiro trimestre de 2022.
O SUV, que será feito em Itirapina (SP), tem entre os destaques o amplo conteúdo tecnológico. O próprio Fujimoto disse que o novo HR-V “vai estabelecer uma nova referência no segmento”. Ou seja, quanto mais equipado, mais dependente é de semicondutores e, assim, explica-se o atraso no lançamento. Afinal, a tendência é que as montadoras tenham um abastecimento irregular ou em menor quantidade dessas peças, o que impacta na produção.
Até mesmo a Tesla, que andava se vangloriando de não ser afetada pela crise dos semicondutores, precisou atrasar o lançamento de dois modelos. Há um ano, conforme contamos o JC, a marca do bilionário Elon Musk alterou a data de estreia de novas versões do sedã Model S e do SUV Model X. À época, a fabricante – que não tem assessoria de imprensa – não assumiu o problema e preferiu deixar de apresentar justificativas.
Como tudo começou
Meses depois do início da pandemia da Covid-19, já em 2020, as indústrias automobilística e de tecnologia foram atingidas por uma crise sem precedentes. Após a paralisação das fábricas em todo o planeta, os semicondutores – ou chips – ficaram escassos. Isso não voltou ao normal até hoje.
E com esse excesso de demanda, o preço de tudo ficou mais alto, afetando o bolso da clientela. Nesse sentido, a fabricante paga mais caro para obter os semicondutores, bem como precisa arcar com a despesa da interrupção da produção. Assim, o preço da mercadoria sobe e, como sempre, quem paga o preço é o consumidor final. Isso, por fim, prejudica a retomada das vendas, que já não vinham bem das pernas por causa da pandemia.
E os agravantes não param por aí. De acordo com Mastromonico, “Outro ponto negativo está relacionado às exportações brasileiras de veículos, que também são relevantes. Sem contar o mercado de trabalho, que também poderá ser afetado com montadoras possivelmente dispensando funcionários”, pondera.
Tem saída?
Mesmo grandes potências, como Estados Unidos, Japão e os países europeus estão na mesma situação do Brasil em relação a dependência de semicondutores e, portanto, suscetíveis à crise. Isso é culpa da globalização. Nesse sentido, “Não há saída no curto prazo para esse problema”, diz Mastromonico.
Por outro lado, o executivo explica que a solução para o Brasil se tornar menos dependente de componentes importados consiste em investir na indústria doméstica. “No entanto isso não ocorre porque há barreiras, como os altos custos de investimento”, esclarece.
Há projeções de que a China concentrará 80% da produção mundial de semicondutores nos próximos anos. Afinal, a corrida por chips significa estar no topo do desenvolvimento tecnológico. Hoje, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), 90% dos semicondutores no Brasil vêm do exterior. Ou seja, os lançamentos vão continuar atrasando não só no Brasil, mas no mundo todo.