Blog do Boris

Multas: cobrança é verdadeira chantagem contra o dono do carro

Código de Trânsito Brasileiro obriga motorista a pagar infração que não cometeu. Além de outras 'pérolas' surrealistas

Boris Feldman

09 de mar, 2020 · 7 minutos de leitura.

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Desde março de 2023, quem é notificado por infração de trânsito pelo Detran-SP pode optar, através do SNE, pelo pagamento com até 40% de desconto
Crédito: JOSÉ PATRÍCIO/ESTADÃO

Prefeitura pode expulsar de casa quem não pagou o IPTU? Mas, no caso do automóvel, a autoridade de trânsito pode, sim, apreendê-lo se houver multa ou taxa pendente.

Está em pauta o caso da taxa de licenciamento para obtenção do CRLV, documento de porte obrigatório. Ela não pode ser paga caso haja dívidas de multas ou taxas do carro. E, sem ela, o carro é apreendido.

Duas propostas, na Câmara e no Senado, procuram corrigir essa aberração.

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1 – O PLS 309/2017 apresentado pelo senador Sérgio Petecão propõe abolir a possibilidade de o Detran apreender o carro com débito de multas ou taxas.

O relator da matéria, ex-senador Wilder Moraes recomendou sua aprovação:  “Não pode a Administração Pública utilizar a apreensão do veículo como penalidade ou coação para obrigar o condutor ao pagamento das multas e débitos tributários, uma vez que há meios legítimos para cobrança judicial do débito”.

2- Enquanto isso, o PL 40/2020 do deputado federal Alexandre Frota veda “a subordinação do pagamento da taxa de licenciamento ao pagamento de quaisquer outras espécies tributárias ou penalidades decorrentes do veículo”.


Cara de pau

Mas são muitas as aberrações do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Uma das mais esdrúxulas permite que o Detran exija de quem compra um automóvel o pagamento de infrações cometidas pelo dono anterior não registradas na data da aquisição.

É óbvio que o erro é do governo, não do cidadão. Projeto de Lei aprovado pelo Congresso no passado tentou eliminar este surrealismo, mas foi vetado pelo então presidente Lula.

A explicação “de bastidores”: o Detran tem todos os dados do ex-proprietário mas é mais fácil cobrar do atual. O Denatran, consultado, tem a “cara de pau” de recomendar que o motorista prejudicado acione judicialmente quem a cometeu.


O CTB tem outras “pérolas”. Recomenda o uso de faróis ligados na estrada mesmo durante o dia. O que vem a ser uma “recomendação”? Ou é obrigatório ou não. Certa ou errada, uma lei acabou tornando-a obrigatória.

Outro artigo do código diz que o motorista pode recorrer à autoridade de trânsito para converter multa em advertência, desde que a infração seja média ou leve e não tenha cometido outra similar nos últimos 12 meses. Mas não explica os critérios para a “autoridade” conceder a conversão.

O ex-senador Wilder Moraes entrou com o PLS 255/2018, já aprovado pela CCJ do Senado que torna automática a conversão da multa em advertência mas amplia o prazo para 24 meses. O projeto vai agora para a Câmara dos Deputados.


Kafka

Capítulo à parte nestes surrealismos kafkianos é o que trata dos pontos negativos no prontuário do motorista. Medida existente em diversos países para suspender – por determinado período – a habilitação de motoristas que ameaçam a segurança do trânsito.

Mais realistas que o rei, nossos legisladores foram muito além da ideia básica e saíram sapecando pontos a torto e a direito. Nem Kafka seria capaz de punir com pontos no prontuário quem adquiriu um carro usado e não respeitou o prazo de 30 dias para registrar sua transferência junto ao Detran.

Uma falha administrativa que nada tem a ver com o trânsito mas que significa cinco pontos no prontuário. Imagine se um motorista que por qualquer motivo deixa de registrar a transferência de quatro carros num ano: perde a habilitação com 20 pontos no prontuário.


O presidente Bolsonaro sugeriu aumentar o limite de 20 para 40 pontos. Ele ouviu o galo cantar sem saber exatamente aonde: o que se deve é racionalizar a atribuição de pontos.

Em outros países que adotam sistema semelhante, pontos vão para o prontuário só no caso de infração gravíssima, como ultrapassar em lugar proibido, avançar sinal vermelho, dirigir alcoolizado e outras do gênero.

Entre outras aberrações da nossa legislação de trânsito, vale lembrar que as cadeirinhas foram regulamentadas apenas para carros particulares. Crianças podem ser transportadas sem o dispositivo em táxis, ônibus e, acreditem… Em vans escolares.


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