Blog do Boris

Recall: mais uma tentativa, dez anos depois

Mesmo sabendo tratar-se de um defeito que coloca em risco motorista e passageiros, brasileiro não atende ao recall

Boris Feldman

08 de jul, 2019 · 6 minutos de leitura.

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Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, durante cerimônia para assinatura de Portaria Interministerial que cria o Serviço Nacional de Notificação de Recall de veículos.
Crédito: Agência Brasil/Divulgação

Foi perfeita a comemoração dos 10 anos em que se assinou uma (inócua) portaria interministeral (n.69/2009) determinando o registro no documento que o carro não atendeu ao recall: outra portaria exigindo exatamente o mesmo.

Só mudaram os protagonistas: em 2009 foram os ministérios da Cidade (ao qual estava subordinado o Denatran) e o da Justiça (onde estava o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor). Na semana passada, eram o Ministério da Infraestrutura (para onde pulou o Denatran) e o da Justiça (que engloba agora a Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon).

A ideia continua a mesma: pressionar o dono do carro a levá-lo à concessionária caso esteja envolvido num recall, ou seja, para o reparo (gratuito) de algum componente defeituoso que coloca em risco a segurança do motorista e passageiros.

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Foi a Senacon que elaborou o novo documento que disciplina campanhas de recall e determina, ainda, além da criação do Serviço Nacional de Notificação de Recall, que os veículos não submetidos aos reparos sejam notificados em seu documento – Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV).

Há muitos anos que o baixo comparecimento dos carros envolvidos em recalls incomoda governo e fabricantes. No passado, antes da portaria publicada em 2009, o Denatran (presidido à época por Alfredo Peres) tentou impedir a venda do carro não levado ao recall. Mas desistiu por complicações jurídicas. Nem mesmo o registro no documento vingou por falta de entendimento entre fabricantes, concessionárias e governo.

Baixa adesão

Segundo a Senacom, é um desafio aumentar o número de atendimento às convocações. Aqui, nenhuma medida nem campanha foi capaz de mobilizar os donos de veículos. Ela revela que, das 701 campanhas de recall realizadas no Brasil nos últimos cinco anos, 189 apresentaram níveis de atendimento abaixo de 10%. E 103 ficaram entre 10% e 40%.


Os recalls no Brasil atingem um percentual de apenas 40% dos veículos chamados, muito inferior a outros países como os EUA com índice de 90%. A advogada Thaís Matallo Cordeiro Gomes, especializada em Direito das Relações de Consumo, comenta que “não se sabe ao certo se as pessoas não atendem os recalls por falha na comunicação ou por falta de vontade. A Portaria trata das duas questões”.

A advogada diz que a nova portaria tem mais chances de ser cumprida: “A comunicação agora será mais assertiva e fácil de ser executada. Além de não ter o custo do acesso ao banco de dados do Denatran, as marcas poderão recorrer às possibilidade digitais (aplicativos), cartas e publicações em meios de comunicação”.

Constrangimento para quem não atende ao recall

A Associação dos Fabricantes de Veiculos Automotores (Anfavea) participou do processo de desenvolvimento da portaria e seu presidente está otimista: “A expectativa é de que a média de atendimentos a recall no Brasil suba para o patamar internacional de 80 a 90%”, disse Luiz Carlos Moraes. Ele acrescenta que, se as fábricas souberem do paradeiro dos veículos, podem direcionar corretamente as ações e as peças.


Se o documento do carro tiver registrado o não atendimento ao recall, o novo proprietário fica ciente do risco que corre. E ainda o constrangimento criado no negócio: dá para desconfiar de que não deve ter sido correta a manutenção de um carro que sequer foi levado para o reparo gratuito de um item de segurança!

O brasileiro não se preocupou sequer com o maior recall na história da indústria automobilística, que quebrou a japonesa Takata, maior fabricante mundial de airbags: rodam no país cerca de 3,5 milhões de veículos com o equipamento que atira estilhaços de aço (a 300 km/h) no motorista e passageiros. Já se registraram 25 mortes e centenas de feridos no mundo. No Brasil, menos da metade dos automóveis foram levados às concessionárias. Isso significa que cerca de dois milhões deles ainda circulam com airbags que podem ferir ou matar no caso de um impacto frontal.

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