Blog do Boris

Troller: Ford não perdoa as brechas da lei

Os policiais cearenses não sabem o risco que correm ao volante do jipe produzido pela “fábrica de incentivos” da Ford

Boris Feldman

19 de mar, 2018 · 6 minutos de leitura.

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Brecha 1

O que levou a poderosa Ford a comprar a minúscula fábrica de jipes Troller, no interior do Ceará (Horizonte), em janeiro de 2007? Para Mário Araripe, seu proprietário, parecia um conto de fadas: as centenas de milhares de reais que pagara pela empresa dez anos antes transformaram-se em centenas de milhões.

A marca norte-americana não tinha know-how para fabricar jipes? Ou se curvou diante de uma revolução tecnológica implantada na Troller por Araripe?

Nada disso. Os inconfessáveis motivos que levaram a Ford a comprar a Troller foram os incentivos fiscais que a isentavam de pagar boa parte dos impostos gerados na linha de montagem. Quem sabia da verdadeira história dizia que a Ford tinha comprado uma “fábrica de incentivos”, pois a isenção passou a valer para qualquer unidade industrial instalada no Nordeste. Era onde a Ford queria chegar com sua peripécia tributária: em seu gigantesco complexo industrial em Camaçari, na Bahia.

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Não se tratava, portanto, de deixar de recolher aos cofres públicos alguns trocados provenientes da fabricação de 2.000 ou 3.000 jipes por ano, mas os bilhões de reais gerados pela produção de 250 mil Ecosport, Ka e Ka+ por ano na Bahia. Esta foi a “esperteza” da Ford: aproveitar-se de uma brecha da lei e “convencer” governantes a viabilizar os incentivos do Ceará também na Bahia. Um gigantesco calote de bilhões rigorosamente dentro da lei.

Aliás, repetido pela Fiat que gostou da maracutaia e comprou uma pequena fábrica de peças no Pernambuco para fazer jus à isenção de impostos na fábrica da Jeep, em Goiana.

A rigor, o jipe Troller era um fiasco tecnológico e as poucas unidades vendidas de sua problemática versão picape (Pantanal) acabaram sendo recompradas aos donos pela Ford. Mas o governo do Ceará exigiu, para aprovar a negociata, que a empresa norte-americana mantivesse a linha em operação para garantir os empregos da fábrica. O que obrigou a Ford a investir para modernizar a linha de montagem e despejar tecnologia e engenharia para conferir um mínimo de qualidade ao jipe. Mas jamais colocou nele seu logotipo.


Brecha 2

No mês passado, a Ford iniciou a entrega de 50 jipes Troller T4 para diversas unidades de fiscalização do governo do Ceará. O que os policiais ao volante do T4 não imaginam é que estarão correndo sério risco, pois os jipes não contam com airbags para protegê-los em caso de acidente. Mas, não existe desde 2014 a obrigatoriedade de airbags em todos os veículos vendidos no país?

Sim, mas vai aí outra brecha da lei espertamente aproveitada pela Ford: a legislação que tornou obrigatório o airbag isenta os veículos off-road do equipamento. O argumento: ao rodar em trilhas, eles se deparam com obstáculos e solavancos que podem disparar involuntariamente as bolsas infláveis. Concorrentes como o Jeep Wrangler ou o Suzuki Jimny oferecem os airbags. Alguns jipes permitem desligá-los quando entram na trilha.

O Troller T4 não é apenas um jipinho bom no off-road, mas a Ford caprichou no acabamento da nova geração para que seja visto pelo mercado como um utilitário esportivo de verdade, com maior porta-malas, ar-condicionado, som estéreo, direção assistida, bancos em couro e outras mordomias, para justificar o preço de R$ 130 mil. Tem freios ABS e um motorzão diesel de 200 cv, mais potente que muito SUV importado e que acelera para valer o Troller.


Houvesse no Brasil uma legítima preocupação com a segurança veicular, bastaria exigir um simples comando (manual ou automático) para desligar as bolsas infláveis dos fora de estrada quando estivessem em trilhas. Caso provável dos policiais cearenses a bordo do Troller perseguindo bandidos em ruas e estradas.

Mas, lamentavelmente, o foco do governo e das empresas brasileiras não está exatamente na segurança veicular…

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