Até mesmo os criadores de memes estão desistindo de brincar com a alta do combustível, em especial a gasolina. E essa realidade vem impactando cada dia mais o bolso do consumidor. Tem gente parando de usar carro e, outros tantos, quebrando a cabeça para saber o que sai mais em conta. Afinal, qualquer centavo a mais no preço faz a diferença na hora de encher o tanque. Mas ainda assim fica a dúvida: nesses tempos de gasolina a R$ 7 o litro (em média), será que vale encher o tanque com etanol?
Embora muitos proprietários de carros flex estejam craques em fazer aquela famosa continha (multiplicar o valor do litro da gasolina por 0,7 e, se o resultado for menor que o preço do etanol, o derivado do petróleo sai na vantagem) para saber qual combustível vale mais a pena, há outros fatores nessa equação. Afinal, além do preço, os combustíveis têm suas diferenças. Se você quer mais potência e torque com menos emissões de poluentes, opte pelo etanol. Mas, se quer autonomia, gasolina nele! Nesse sentido, a questão vai além da diferença nos valores cobrados nas bombas.
Falar de consumo envolve práticas que vão desde comprar um carro que tenha consumo baixo até outros méritos, como modo de condução econômica e manutenção correta, por exemplo. Mas a primeira pergunta é: você sabe quanto o seu carro faz de consumo? Sabe dizer a diferença entre o que ele consome com gasolina e a média com etanol?
Não basta calcular
Muita gente, na hora de abastecer, estabelece a regra dos 70%. Nesse sentido, quando o carro flex passou a fazer parte da realidade, muito se falou que abastecer com etanol só compensava se o valor custasse, no máximo, 70% do preço da gasolina.
“Isso acontece porque o etanol tem 70% da energia disponível na gasolina para realizar a combustão”, explica Clayton Barcelos Zabeu, doutor e professor de engenharia mecânica do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). A grosso modo, o derivado da cana-de-açúcar bebe de 30% a 40% a mais que a gasolina e, por isso, precisa de maior quantidade para rodar a mesma distância.
Entretanto, de acordo com Zabeu, “a conta só vai valer se o modelo em questão tiver consumo parecido. Depende do ciclo de condução”, esclarece. Afinal, nem sempre há rendimento de 70% do álcool em relação à gasolina. A questão depende até mesmo do modelo do carro. E tem, ainda, o agravante da atual quantidade de 27% de álcool anidro etílico na gasolina vendida no Brasil – antes, permitia-se a mistura de até 22%. Ou seja, a gasolina vendida nos postos perdeu uma parcela de sua energia.
Esvazia, completa, esvazia, completa…
Na prática, o ideal é esvaziar o tanque do carro, completar com gasolina, zerar o hodômetro e conferir a média – seja anotando ou com a ajuda do computador de bordo. Feito isso, repita o procedimento, entretanto, com uso de etanol. E é só a partir desse resultado que é possível fazer a medição “da vida real”, com a maneira de dirigir do condutor.
Por exemplo, seu carro faz média de 10 km/l com gasolina e 7 km/l com etanol, basta dividir 7 por 10. Neste caso, o resultado é 0,7. Ou seja, a regra dos 70% é válida. Por outro lado, caso o carro faça 10 km/l com gasolina, mas rode 8 km com 1 litro de etanol, então, deve-se dividir 8 por 10, que dará 0,8. Assim, quando o dono deste carro chegar ao posto, precisa multiplicar o valor da gasolina por 0,8. Se ficar abaixo do preço do etanol, sinal de que vale a pena a gasolina.
Exemplo:
Preço da gasolina: R$ 6,50
Preço do etanol: 5,32
Consumo gasolina/consumo etanol: 8/10 = 0,8
R$ 6,50 x 0,8 = R$ 5,20
Resultado: abasteça com gasolina, pois o etanol está acima da margem
Por que etanol e não álcool?
Quem nasceu nas décadas de 1970 e 1980 para trás precisou se acostumar a pedir para abastecer com etanol, ao invés de simplesmente álcool como se costumava denominar o combustível nos postos. Isso acontece porque, independentemente de questões políticas, a ideia era facilitar a exportação do produto. Nos Estados Unidos, o combustível (por lá, feito de milho) atende por ethanol.
Nesse sentido, optou-se por – a partir do final da década de 2000 – abandonar a nomenclatura que representa a classe de substâncias (álcool) para o produto em si (etanol). De acordo com a especificação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o nome completo do combustível é álcool etílico hidratado combustível (AEHC). “Temos outros grupos (de álcool) e, por isso, o combustível poderia ser confundido, inclusive, bebidas”, exemplifica Zabeu.
Impacto ambiental
Opção sustentável de abastecimento é uma das maiores necessidades do planeta, afinal, isso contribui para as mudanças globais, que afetam a vida de todos os habitantes da Terra. De olho nisso, cabe esclarecer que o etanol é menos nocivo para a natureza e tem ciclo renovável.
Ou seja, o CO2 liberado pelo etanol volta para a cana-de-açúcar e, assim, fecha o ciclo. Entretanto, cabe ressaltar que a colheita e transporte da matéria prima exigem uso de veículos a diesel, desse modo, a conta não fecha. Afinal, ainda fica uma pequena contribuição de combustíveis fósseis na produção de etanol.
No fim, a quantidade de CO2 emitida por quilometro em um veículo flex é muito similar entre gasolina e etanol. “Mas o etanol tem o grande benefício de praticamente não aumentar a quantidade líquida de CO2 na atmosfera, reduzindo assim o impacto no efeito estufa. Coisa que não acontece com o derivado de petróleo”, pondera Zabeu.
Por que acompanha a gasolina?
Muita gente se pergunta o motivo de o etanol sempre acompanhar a alta de preço da gasolina. Afinal, trata-se de um produto nacional e que, nos dias de hoje, não tem qualquer relação com a invasão russa à Ucrânia, por exemplo. O barril do petróleo saltou de US$ 60 para mais de US$ 100 em dois anos. Mas o que o etanol tem a ver com isso?
Para entender essa matemática, procuramos o doutor em Economia e coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Ricardo Balistiero. De acordo com ele, há alguns fatores envolvidos nessa questão. “Precisamos pensar, a princípio, na oferta e na demanda”. Assim, o etanol acompanha a alta do petróleo porque torna-se mais buscado com a elevação dos preços da gasolina. “Os produtores sobem (os preços) e os postos repassam aos clientes”, conclui.
Nesse meio-tempo, tem as épocas de safra (de abril a setembro) e entressafra. Ou seja, quando a oferta de etanol fica mais escassa, o preço sobe. Da mesma forma, é necessário entender que, além de a necessidade de transporte do etanol para abastecer todo o País, diversas usinas produzem tanto etanol quanto açúcar. Em síntese, o produtor pode processar mais ou menos açúcar para a produção, interferindo na oferta de etanol. Tudo depende da cotação internacional.
Dessa forma, se está mais vantajoso exportar açúcar, o produtor prioriza a sua fabricação e compromete a produção de etanol. Isso também influencia no preço. De 2020 para 2021, o mix de produção de açúcar subiu de 35% para 46% do total. E, como é praxe no Brasil, quem arca com o prejuízo é o consumidor final.
Alta constante pode acabar
Questionado se essa situação de constantes altas nos preços nas bombas de combustível pode se reverter, o professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da USP, Heleno Taveira Torres, afirma que sim. Para que os preços baixem novamente, é necessário adotar alíquota única do ICMS. Com ela, todos os estados do País seguiriam a mesma base.
“O ICMS tem grande impacto no preço do combustível e, se tivermos essa unificação, todos saem ganhando. O Estado ganha com menos sonegação de imposto e as empresas ganham com a simplificação”, sintetiza Torres. De acordo com o professor, o maior beneficiado caso essa prática vire realidade é o consumidor, afinal, isso geraria um congelamento maior de preços. Mas, para gasolina e etanol, só a partir do ano que vem.
Os carros mais vendidos e econômicos
Abaixo, você confere o consumo de combustível divulgado pelo Inmetro dos 5 modelos mais vendidos do Brasil. O dados de emplacamentos são publicados mensalmente pela Fenabrave, associação que reúne as concessionários do Brasil.
Fiat Strada 1.3 flex
- Gasolina – 12,6 km/l (cidade) e 13,8 km/l (estrada)
- Etanol – 8,8 km/l (cidade) e 9,7 km/l (estrada)
Chevrolet Onix 1.0 flex
- Gasolina – 13,9 km/l (cidade) e 16,7 km/l (estrada)
- Etanol – 9,9 km/l (cidade) e 11,7 km/l (estrada)
Hyundai HB20 1.0 flex
- Gasolina – 13,3 km/l (cidade) e 14,9 km/l (estrada)
- Etanol – 9,5 km/l (cidade) e 10,7 km/l (estrada)
Volkswagen T-Cross 1.0 turbo
- Gasolina – 11 km/l (cidade) e 13,5 km/l (estrada)
- Etanol – 7,6 km/l (cidade) e 9,5 km/l (estrada)
Jeep Compass 1.3 turbo flex
- Gasolina – 10,5 km/l (cidade) e 12,1 km/l (estrada)
- Etanol – 7,4 km/l (cidade) e 8,7 km/l (estrada)