Gerson Campos

Hey, ‘cool girl’, não morra!

Porque insistir em andar de bike no meio dos carros é um esporte de risco

Gerson Campos

02 de ago, 2017 · 8 minutos de leitura.

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Bikes
Crédito: Segurança do ciclista depende mais dos outros do que dele próprio

Cruzamento da avenida Nove de Julho com a rua Groenlânida, São Paulo. Mais de 30 carros e motos aguardam a abertura do semáforo como se fosse a largada do GP da Hungria de Fórmula 1. No meio de todos eles, uma cool girl com uma cool bike. Look Amsterdam mesmo, um charme gostoso de se ver em uma cidade tão cinza.

Eu estou de moto e observo de longe, preso no corredor apertadíssimo entre os carros. Olho aquela moça frágil no meio de tanto ferro e gás carbônico e me dá até um mal estar. “Bom, pelo menos ela está com uma jaquetinha”, penso eu. No instante seguinte, a cool girl in da cool bike tira a porcaria da jaquetinha e coloca na cool cestinha.

“A mina me tira a única proteção decente que ela tem caso caia no asfalto quente?”, penso eu, de jaqueta, luva, bota e capacete. O farol abre. Obviamente ninguém dá espaço para a cool girl. Ela sai pedalando obviamente assustada com o Hyundai Santa Fe de 2 toneladas que cruza a frente dela, com o Uno da companhia telefônica que sai a milhão e com o motoboy que passa do lado raspando. Eu virei à direita preocupadíssimo. Não tinha ideia de quem fosse a moça.

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Mas ela é irmã/mãe/amiga/esposa/namorada de alguém. Esbocei uma reação para desistir da curva e tentar segui-la. Acabei perdendo-a de vista. Eu queria pará-la no próximo semáforo e pedir encarecidamente: “Moça, por favor, não faça isso. Você vai morrer. Mais cedo ou mais tarde. É estatístico.”

O que eu entendo de estatística? Nada. De segurança ciclística? Nada vezes dois. Mas eu sou curioso e pesquiso. Outro dia pesquisei muito sobre esportes de risco, já que pratico um: o esporte a motor. Corro de moto e, como se não bastasse para a agonia familiar, também corro de carro. Sei o risco disso tudo. Não é absurdo.

Duvida? Então segura esta: aquela cool girl in da cool bike corre muito mais risco que eu. É estatístico. A motovelocidade tem um acidente fatal para cada 2.500 atletas profissionais por ano. O automobilismo, um para cada 5.000.


O ciclismo de estrada mata 100 profissionais por ano (não me cobrem as fontes; pesquisei numa madrugada insone em que eu me questionei seriamente sobre o risco que corria. Arredondei os números também).

Sabe por que os ciclistas são tão frágeis na estrada? Porque eles dependem dos outros. E na grande maioria das fatalidades são atropelados por motoristas imprudentes enquanto pedalam no acostamento.

Todos eles estavam certos. Só que veio um idiota a 120 km/h e passou por cima deles. Eu vi o risco que aquela moça corria, acreditando num mundo melhor, em que as pessoas não teclam enquanto dirigem, veem uma bicicleta como ela deve ser vista (tem um ser humano ali em cima, cacete) e não pensam em todos os problemas enquanto dirigem. O esporte dela, ali, naquela muvuca motorizada, é muito mais arriscado que o meu.


Não ando de bike no dia a dia, não sou cicloativista tampouco entendedor do assunto. Mas defendo toda e qualquer iniciativa para uma mobilidade melhor em cidades como São Paulo. Sou a favor de ciclistas, ciclovias e motociclistas.

Vejo no dia-a-dia a fragilidade de andar no meio dos carros. Ali você não é absolutamente nada. Sua vida pode acabar no momento em que um Whatsapp mal respondido irrita o motorista, que se distrai, dá um totó na sua bike/moto e te joga debaixo de um ônibus de 10 toneladas.

Depois da cena da cool girl, fui pesquisar mais a fundo sobre o tema do ciclista no cenário urbano. Aprendi que ele deve se posicionar à frente dos carros e largar antes do sinal vermelho, justamente para evitar o confronto com os carros. Faz todo o sentido, mas os carros vão chegar. E vão babar em cima da sua garupa. Vão buzinar, cortar e talvez te derrubar.


Li durante as pesquisas que as mortes de ciclistas em São Paulo cresceram 75% no primeiro semestre. Uma realidade triste em uma cidade que caminha para o bug do milênio do trânsito a qualquer sexta-feira pré-feriado, já que se todos os carros de SP sairem às ruas dá para empilhar quatro andares deles – outra triste estatística.

Aos ciclistas: nós estamos do mesmo lado. Eu sonho em uma cidade em que todos respeitarão os direitos dos bikers, dos motocas e dos pedestres. Mas isso vai levar muito, muito tempo. Outra dura realidade.

Quando me perguntam sobre comprar uma moto para andar em São Paulo, eu não recomendo. Quando vejo bikers confiando no bom senso do motorista brasileiro, ando me desesperando. Não façam isso. Não por enquanto.


Hey, cool girl in da cool bike: bota a jaqueta e vai pela calçada, por favor. A cidade precisa de você. Um dia ela vai retribuir.

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