Crédito difícil, falta de chips, fábricas paradas e vários eventos fizeram os preços dos carros novos decolarem no Brasil. Essa alta distanciou o brasileiro do sonho de comprar o automóvel 0-km. O cenário naturalmente derrubou as vendas de veículos no País. E o governo federal tenta promover a volta do chamado “carro popular“, com preço de R$ 50 mil. Atualmente, os modelos mais baratos – Fiat Mobi e Renault Kwid – custam perto de R$ 70 mil.
Mas será que o plano do governo Lula – com anúncio marcado para o dia 25 de maio – é viável? O Jornal do Carro consultou especialistas do setor automotivo para entender como as montadoras podem baratear os modelos atuais. Afinal, será possível baixar os preços?

De acordo com Paulo Garbossa, consultor da ADK Automotive, a resposta é “não”. E o motivo é simples: “hoje não dá para baratear (os automóveis). O motor, por exemplo, precisa ter uma série de soluções para economia e redução de emissões, como injeção direta de combustível, por exemplo. Tem os airbags e o ABS. Aliás, não se trata de opção, mas de lei”, lembra Garbossa.
“Pé-de-boi”
Por outro lado, Garbossa ressalta que “não adianta tirar todos os equipamentos do carro para reduzir custos, afinal, ninguém vai querer comprar o carro pelado”. Na visão do especialista, o consumidor se recusa a, por exemplo, comprar um veículo sem ar-condicionado e direção elétrica. Ou travar o carro na chave (sem alarme) ou descer e subir os vidros na manivela. “Lá atrás, a Volkswagen resolveu baixar custo com o Fusca ‘pé-de-boi’, que tinha soluções como para-choque pintado e porta-luvas sem tampa. Mas, hoje, o consumidor não aceita esse tipo de solução”.

Para ele, “Não existe fórmula mágica”. Desse modo, Garbossa defende que a única saída é “todo mundo dar a sua parcela de contribuição”. Trocando em miúdos, para que o carro volte a ser mais barato, precisa haver cortes de todos os lados. Assim, tanto o governo precisa cortar imposto quanto as montadoras têm de cortar os lucros.
Sem comentários
Recentemente, a Fenabrave, associação que reúne as concessionárias de veículos no País, demonstrou total apoio aos debates sobre o novo carro popular em um curso do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Entretanto, nem a Fenabrave, nem a Anfavea, associação das montadoras, e nem mesmo as fabricantes comentam o assunto. O grupo Stellantis (dono de Citroën, Fiat, Jeep e Peugeot, por exemplo) disse ao Jornal do Carro que não se posicionaria, afinal, o tema ainda não foi apresentado pelo governo.
De acordo com o documento entregue ao presidente Lula pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC), além do carro mais barato, é necessário ter facilidade de compra. Assim, o estudo propõe linhas de crédito de 60 até 72 meses. Procurado pelo JC, o sindicato não enviou seu posicionamento sobre o tema até o fechamento da reportagem.
Nada de retrocesso!
O engenheiro Erwin Franieck, presidente do instituto SAE4Mobility, afirma que “um veículo sustentável, eficiente e seguro agrega uma série de sistemas obrigatórios e itens essenciais, como chapas de aço reforçados para crash test e outros componentes que, no mínimo, geram impacto superior a US$ 2.000 (R$ 9.900 na conversão direta) no custo do veículo. Acredito que não devemos retroceder em níveis de sustentabilidade e segurança já atingidos, mas evoluir os modelos de negócios”, pondera Franieck.
Já na visão de Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Mobility, “o jeito mais fácil de baixar preço é a desoneração de imposto”. “É tirar taxa. O governo precisa abrir mão da sua parte, porque só pela montadora, seria bem complexo”, opina.

Seminovo completo ou zero pelado?
Trujillo aponta que o caminho das fabricantes consiste em tirar conteúdo dos carros. “Mas acho difícil um veículo desse, por mais barato que seja, ter muito volume. O consumidor, afinal, vai preferir um seminovo completo a um carro 0-km popular e pelado”.
De acordo com ele, a redução de custo exigira retirar conteúdos de segurança, conectividade, telas digitais, comandos elétricos para vidros e por aí vai. “Não tem para onde fugir. A não ser que o governo abra mão de impostos, como IPI, ICMS, PIS/Cofins. Com alíquotas menores, faz mais sentido. Assim consegue manter o conteúdo do veículo, mas com preço menor. Entretanto, não sei se chega na casa dos US$ 8.000 que o governo está querendo”, enfatiza.