Blog do Boris

DPVAT: além do tombo, o coice

A Seguradora Líder nega indenização até para vítimas de acidentes que comprovam documentalmente sua incapacidade física

Boris Feldman

10 de set, 2018 · 7 minutos de leitura.

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Não se sabe porque o governo federal se nega a corrigir as trapaças do DPVAT, administrado pela Seguradora Líder. Cabe a ela, ninguém é capaz de explicar o porquê, o monopólio do seguro obrigatório pago anualmente por todos os veículos. Somente no Brasil não se dá ao motorista o direito de escolher livremente a seguradora.

A Líder é um consórcio de cerca de 80 seguradoras que recebe compulsoriamente muitos bilhões de reais, destina parte desta verba colossal para o governo e outra para indenizar os acidentados de trânsito. Um processo surreal, pois o valor é pago obrigatoriamente, como imposto ou taxa do governo. Mas a Líder é uma entidade privada e mal fiscalizada, o que deu origem a um escandaloso esquema que desviou bilhões de reais em dois tipos de fraudes: a própria diretoria da seguradora estabeleceu contratos de fachada com consultorias fantasmas, além de dezenas de quadrilhas que atuaram em todo o país forjando documentos para simular acidentes.

Tantos foram os escândalos que a Policia Federal e o Ministério Público decidiram investigar a Líder e montaram a operação “Tempo de Despertar”. A roubalheira veio à tona com centenas de documentos comprovando toda a maracutaia. Além disso, também o TCU (Tribunal de Contas da União) e a Susep (Superintendência de Seguros Privados) examinaram as contas da Líder e emitiram pareceres contrários ao esquema montado para administrar o DPVAT.

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No final de 2016 houve uma mudança de diretoria da Líder e seus novos executivos introduziram modificações para tentar salvar a seguradora. Houve até uma confissão pública do escândalo ao se reduzir em cerca de 60% (em 2017 e 2018) os valores cobrados pelos seguros. Pois mesmo com essa abismal redução de faturamento, a Líder continuou a operar normalmente. E ainda conta com uma enorme reserva de caixa de cerca de R$ 4 bilhões aplicados em bancos a que pertencem suas principais seguradoras. Ou seja, tudo em família…

Mas, a título de combater fraudes, a Líder decidiu tornar mais complexo o processo de indenização dos acidentados. E foi endurecendo o jogo até criar uma nova calamidade, a simples negativa de pagamentos devidos às vítimas. A diretoria da seguradora diz que seu objetivo é eliminar fraudes. Mas está, aparentemente, eliminando indenizações…

Exigências da Líder vão além das previstas em lei

A Associação Brasileira das Empresas de Assessoria às Vítimas de trânsito (ABEAVT) estima em 80% o percentual de casos negados ou dificultados ou pela Seguradora Líder. Edi de Aguiar, seu presidente, afirma que a Líder pede à vitima documentos além dos exigidos pela lei. “Ela nega ou deixa pendentes os pedidos alegando que não existe sequela na vítima. Há casos absurdos de pessoas amputadas em que a Líder exige relatório médico para atestar a sequela, mesmo que o prontuário descreva a cirurgia de amputação”, diz Aguiar.


Um dos casos mais escabrosos aconteceu recentemente em São Paulo: uma pessoa foi atropelada em dezembro de 2017, teve traumatismos cranianos e cerebrais graves e foi submetido a neurocirurgia. Seu estado se complicou com múltiplas infecções e submetido a uma traqueostomia. A equipe hospitalar declarou que o acidentado se apresentava “sem condições de retorno à vida laboriosa normal permanente” mas, ainda assim, a Líder negou a indenização, segundo um parecer que emitiu dez dias antes de a vítima falecer, em 25 de agosto. Num outro, um motociclista de Santarém vítima de um tombo, foi forçado a modificar sua declaração, permitindo assim que a Líder negasse a indenização.

Existem várias propostas que tramitam no Congresso Nacional para corrigir este esquema fraudulento. O relator de um projeto no Senado (176/2008) para eliminar a exclusividade da Líder, Sérgio Petecão (PSD-AC), é favorável ao término da cartelização do DPVAT.

A pressão contra o atual esquema do seguro obrigatório por entidades privadas e órgãos governamentais de fiscalização poderá resultar, no próximo ano, numa reformulação do sistema atual para que o cidadão tenha direito à livre escolha da seguradora.


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