Vindo da Alfa Romeo, não poderia ser diferente. O primeiro utilitário-esportivo da marca italiana segue a receita básica dos carros do segmento até no máximo a página 2. O Stelvio é imponente e tem aparência robusta. São 4,69 m de comprimento e 1,67 m de altura. Até aí, nenhuma grande novidade. Mas, daí para a frente, é Alfa Romeo. A placa de licença dianteira descentralizada abre espaço para o cuore – a grade frontal vertical em forma triangular (ou de coração, se quiserem). Ela permite identificar um Alfa até onde a vista alcançar. Na traseira, o para-choque envolve as duas grandes saídas de escape. O acabamento escurecido, que encobre até o nome do veículo na versão Sport, como a avaliada, completa o serviço.
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Por dentro, o botão de partida no volante e as enormes borboletas para troca de marcha deixam claro que, na fase de desenvolvimento do modelo, o lado “esportivo” foi levado muito mais a sério do que o termo “utilitário”. Apesar, claro, da tração integral e da boa altura do solo.
Mais de 4 mil km em 18 dias com o Stelvio
Rodamos 4.426 km em 18 dias com o Alfa Romeo Stelvio pela França e Itália. O roteiro incluiu capitais (Paris e Roma), interior (caso de Bordeaux e Lyon, na França, e Turim e Bolonha, na Itália), além do litoral (como Nice e Marselha na França, e Pescara e Nápoles na Itália). O veredicto? Pena que a Alfa Romeo deixou de vender seus carros no Brasil.
O ponto de partida (e chegada) foi Paris. Em plena Champs-Elysées, no coração da capital francesa, o primeiro desafio foi tentar acomodar três malas grandes no porta-malas para 525 litros. Tenta de um jeito, tenta de outro, até que, lá pela terceira ou quarta vez, voilà, descobrimos o jeito correto para que todas coubessem no bagageiro.
Malas acomodadas, a próxima – e fácil – missão era rumar para a estrada. A posição ao volante é comum aos SUVs. O motorista fica no alto e vê tudo de cima. Na realidade, na Europa, o motorista de um SUV fica bem mais alto do que a média do trânsito. A razão é que no Brasil há mais SUVs nas ruas. Assim, se você está em um, você apenas está na altura média do trânsito. Já na Europa (ainda) imperam os carros compactos.
Conheça o Alfa Tonale, o mini-Stelvio
O carro é agradável por dentro, com espaço e boa dose de conforto. A posição de “descanso” dos ponteiros é na vertical, com as agulhas de velocímetro e conta-giros apontando para baixo. A grande tela da central multimídia (8,8″) não é sensível ao toque. O acesso é feito pelo controle giratório no console. No início da viagem, várias vezes a gente se pega mexendo na tela, até se acostumar.
Uma das poucas falhas apareceu quando acionamos o limpador de para-brisa. A água do esguicho acaba indo para a janela do motorista. Se o vidro estiver aberto, molha o interior. Fechado, tende a sujar o vidro.
Stelvio não é um SUV padrão
Apesar da posição elevada, o motorista não se sente dirigindo um SUV padrão. A começar pelo volante de aro mais grosso e com bom apoio para as mãos. A razão disso é que o Stlevio é um carro bem-nascido. Para ser mais preciso, ele utiliza a mesma plataforma do Giulia, um sedã médio que veio ao mundo também em 2016 para competir com o BMW Série 3.
Atrás do “cuore”, pulsa um motor 2.0 turbo de quatro cilindros, com 280 cv de potência e 41 mkgf de torque a apenas 2.250 rpm. Com isso, basta uma leve pressão no acelerador para o carro deslanchar com facilidade. O câmbio automático tem oito marchas, e o formato da alavanca lembra a da BMW. De acordo com a Alfa Romeo, o carro de 1.660 kg faz 0 a 100 km/h em 5,7 segundos e alcança máxima de 230 km/h.
Um carro com DNA
Muito se fala por aí que tal carro tem o “DNA da marca”. Virou até clichê, usado à exaustão por diversas montadoras. Mas os Alfa, Stelvio incluso, são os únicos com DNA de verdade. O Stelvio tem um seletor giratório no console central que permite modificar os modos de condução. São três posições (D, N e A). O “D” refere-se a dynamic, o modo esportivo. O “N” significa natural, o modo normal. Por último, o “A” ajusta o carro para o modo batizado de Advanced Efficiency, ou eficiência avançada. Trata-se do modo econômico.
Sim, a gente sabe o que vocês estão pensando. O sistema “DNA” foi um caso clássico de sigla criada antes do significado que cada letra teria. O nome foi tão bom que ninguém criou caso pelo fato de o modo “eficiência” ter de começar com a letra A.
Desde o começo do roteiro, a estratégia era clara. O SUV seria utilizado basicamente no deslocamento entre cidades, para curtir a paisagem e ganhar tempo nas ótimas autoestradas europeias. Ou apreciar com calma as paisagens pelas estradas secundárias, como na Toscana (abaixo). Nas cidades, por outro lado, o carro deveria ficar descansando, enquanto a gente se cansava. O melhor jeito de descobrir os segredos de cada lugar é bater pernas e utilizar transporte público.
As cidades europeias costumam ter boa parte da área central fechada para automóveis, e por uma razão óbvia. Boa parte delas preserva construções muito antigas, algumas da era medieval.
É o caso, por exemplo, de Lyon, a primeira parada, a 470 km ao sul de Paris. Além de ser considerado um centro gastronômico muito importante da França, Lyon é famosa também pelos “traboules”, passagens meio secretas, que dão acesso a pedestres entre as ruas da parte histórica.
Com o Stelvio “descansando” no hotel, rumamos sem destino pelos traboules. A sensação é a de que você está entrando em lugares proibidos, no quintal de alguma residência particular. São áreas de circulação, corredores sob as construções que servem de atalhos públicos.
E qual o significado de Stelvio, afinal?
Na etapa seguinte, o Stelvio voltou para casa. Entramos na Itália beirando os Alpes, e rumamos para Turim, cidade industrial que é o berço da Fiat, e que oferece vista para as montanhas nevadas. Como estávamos em território da Alfa, não foi muita surpresa quando encontramos um modelo ainda em testes, com alguns disfarces
A história da caça ao Alfa está aqui.
Não muito longe dali, está a estrada que dá origem ao nome do SUV.
Agora que já sabemos o que são os traboules, resta explicar o que significa Stelvio. Este é o nome da estrada mais alta da Itália. Ela vai serpenteando os Alpes, e chega a 2.757 metros de altitude. São 20 km de extensão e mais de 75 curvas do tipo “cotovelo”. A passagem existe desde 1820, e era considerada muito perigosa. Serve de ligação entre o norte da Itália e a Suíça. Assim, o nome remete às aptidões que o carro tem para vencer caminhos adversos.
A maior parte da viagem, no entanto, foi feita por caminhos não adversos, embora a tração integral Q4 estivesse ali, a postos para qualquer problema.
Na estrada, usando o acelerador com juízo e com o tal do “DNA” no modo normal (ou “natural”), o carro fez média de 10,5 km/l. É um número razoável para um carro desse porte. A 130 km/h, o 2.0 turbo ronrona a 2.200 rpm.
Gasolina na Europa tem 5 ou 10% de etanol
Na Europa, normalmente a gasolina está disponível nas bombas com adição de 5 ou 10% de etanol, caso deste posto, em Pescara, na Itália. Sempre optamos pela alternativa com mais etanol. Além de ser a opção menos poluente, é também a mais barata. Mesmo assim, o preço é alto: para completar toda a viagem, fizemos dez abastecimentos, e pagamos preços entre 1,43 e 1,64 euro o litro. Fez as contas? A gasolina custou de R$ 6,60 a R$ 7,57 o litro, ou no mínimo 50% a mais do que no Brasil.
Depois de Turim, o Stelvio continuou a ser um bom companheiro até Bolonha e, na sequência, Pescara, cidade banhada pelo mar Adriático, no lado de trás da “bota”. Dali, o próximo destino foi Nápoles. E Nápoles é um capítulo à parte…
Nápoles desafia os melhores motoristas
O Stelvio não ofereceu nenhuma dificuldade de locomoção até a chegada a Nápoles, cidade portuária no sul da Itália e à beira do mar Tirreno. No entanto, bastou sair da estrada e reduzir o ritmo para tentar se localizar e não errar o caminho para que fôssemos recepcionados com uma salva de buzinas, que nos acompanharia praticamente o tempo todo.
Em Nápoles, as habilidades do motorista são colocadas à prova a todo instante. E o que é considerado um bom condutor em qualquer outra parte do mundo não necessariamente é aprovado na cidade italiana. Para começar, é preciso lidar bem com espaços reduzidos. Com o endereço do hotel no GPS, lá fomos nós. As ruas foram estreitando, estreitando, enquanto a voz metálica, impassível, ia mandando entrar à sinistra e à destra nas vielas onde é difícil entrar até de Smart. Sinistro
Os retrovisores dos outros carros estavam cada vez mais perto, e, quando você acha que nada de pior pode ocorrer, aparece um caminhão no meio do caminho, descarregando. Aí, você para, com a certeza de que é o ponto final. Sob uma orquestra de buzinas atrás, o motorista do caminhão, na maior calma, fez sinal para eu seguir, como se aquele 1 cm de folga de cada lado do carro (que a essa altura já estava com os retrovisores fechados) fosse uma boa margem de segurança. Passamos!, mas sem respirar. Muitos não passam, a julgar pela quantidade de retrovisores quebrados e latarias amassadas. Va bene!
Outra coisa. Em Nápoles, onde couber um carro, haverá um carro, mesmo que não seja um local considerado ideal por moradores de outros lugares. O local em que o motorista decidiu deixar o Stelvio exemplifica o que queremos dizer:
E, para finalizar, pagamos a mais para estacionar em Nápoles. O preço normal para carros era de 15 euros por dia. Mas, no caso de SUV, a pedida subiu para 20 euros. Cosa fare?
E aí o Alfa resolveu quebrar!
Saímos inteiros de Nápoles (o que inclui o carro e seus espelhos) e continuamos a rota para Roma. No caminho, passamos ao lado de Cassino, a fábrica da Alfa Romeo onde o Stelvio nasce. Após Roma, rumamos para Florença. Depois de dar o addio à Itália, entramos novamente na França e rumamos para Nice, Marselha, Carcassone e Bordeaux.
Foi aí que o Stelvio apresentou, digamos, um desconforto. Paramos na beira da estrada para um rápido lanche perto de Bordeaux e, na volta, o Stelvio acusou um defeito. C’est domage. A luz espia de pane no motor acendeu no painel e o motor entrou no modo de segurança. Com isso, houve corte de potência, o giro não ia além de 4 mil rpm, e o carro mal chegava a 120 km/h. Outro efeito colateral é que o sistema start-stop deixou de operar, assim como o controle do DNA.
Chegamos a Bordeaux e deixamos o carro descansar um pouco, para ver se ele reconsiderava suas atitudes. Não quis saber. No dia seguinte, o jeito foi passear pela região das vinícolas em marcha lenta (ou quase). Luz de motor acesa, sem start-stop, sem DNA, sem muito giro no motor.
Demos uma olhada na internet e constatamos que não se tratava de um caso isolado. Havia várias reclamações de clientes relatando os mesmos sintomas não só no Stelvio, mas também no Giulia e na Giulietta. Paciência. Ao menos, o vinho local era um bom consolo, para afogar as mágoas.
E aí o Alfa resolveu sarar sozinho!
No fim do dia, após não aguentar mais andar no meio de tantos vinhedos, notamos que era o momento de dar uma ducha no Stelvio. A viagem se aproximava do fim, e a lataria havia perdido parte do brilho do início da jornada, após duas semanas de estrada, sob sol e alguma chuva.
Colocamos o carro para tomar uma ducha e – surpresa! Ao ligar o carro, percebi que a luz do painel não estava mais acesa. O motor acelerou cheio de saúde, o start-stop estava normal e o controle DNA, também. Ufa. Preciso depois entrar na internet e falar para o pessoal lavar o Alfa deles.
De Bordeaux, rumamos para Tours. E, de lá, mais um tirinho rápido e estávamos devolvendo o Stelvio na Champs-Elysées, após consumir cerca de 380 litros de gasolina em dez abastecimentos e cerca de 600 euros, o que em reais custou… Deixa pra lá. Melhor guardar os bons momentos.
Ficha técnica
Alfa Romeo Stelvio Sport
Motor: 2.0, 4 cil., 16V, turbo, gasolina
Potência: 280 cv a 5.250 rpm
Torque: 41 mkgf a 2.250 rpm
Câmbio: automático, 8 marchas
Comprimento: 4,69 m
Largura: 1,90 m
Altura: 1,67 m
Entre eixos: 2,82 m
Porta-malas: 525 litros
Tanque: 64 litros
Peso: 1.660 kg
Fonte: Alfa Romeo
Prós e contras
Prós: Dirigibilidade
SUV é bom de aceleração, direção, suspensão e freios
Contras: Tela multimídia
Monitor é grande (8,8″), mas não é sensível ao toque