O carro a álcool surgiu no Brasil na década de 1970 e ganhou mercado nos anos 1980. Entretanto, a partir de 1990 o derivado da cana-de-açúcar perdeu espaço para a gasolina. Até que, após estudos de algumas fabricantes (veja abaixo), a Volkswagen lançou o primeiro carro flex do mercado nacional. Em março de 2003, chegou às lojas do País o Gol Total Flex, que permitia misturar os combustíveis no motor 1.6. Assim começava a era dos carros flex nacionais.
Seja com qualquer dos combustíveis, ou mesmo com a mistura de ambos em qualquer proporção, o Gol Total Flex chegou às concessionárias da VW em março de 2003. Assim, acaba de comemorar 20 anos da introdução da tecnologia no Brasil. Mas o hatch da fabricante alemã não ficou sozinho nessa. Afinal, o modelo abriu um legado e, hoje, já são mais de 40 milhões de veículos bicombustíveis no País.
De acordo com a Anfavea, associação das fabricantes, 83% dos carros vendidos atualmente em território nacional têm alimentação flex. Os demais, se dividem entre puramente a gasolina, híbridos (combustão + elétrico) e diesel.
Cadê o tanquinho de partida a frio?
Nesses 20 anos, diversas montadoras realizaram avanços nos modelos flexíveis. Os reservatórios de gasolina, por exemplo – popularmente chamados de tanquinho de partida a frio -, deixaram de existir nos carros mais novos. O recipiente, em síntese, armazenava a gasolina que é misturada na admissão para ajudar o carro a funcionar em locais com temperaturas baixas. Agora, o item é substituído por evoluções técnicas, como aquecimento dos dutos de injeção de combustível.
De populares a carros de luxo
Outro fato é que o sistema ultrapassou as fronteiras de modelos populares, como Gol Total Flex e Chevrolet Corsa Flexpower. Afinal, os modelos mais caros também se renderam ao sistema flex. Assim, a alimentação bicombustível deixou de ser coisa de carro popular e, ao longo dos anos, conquistou desde as alemãs Audi, BMW e Mercedes-Benz, até chinesas e japonesas, que se renderam ao novo conceito para cair na preferência nacional.
Etanol vantajoso?
Aos olhos do consumidor, o etanol pode ser mais vantajoso por diversos benefícios, como preço mais baixo e foco na sustentabilidade, por exemplo. Entretanto, cabe lembrar que, muitas vezes, a gasolina é a alternativa mais viável em praticamente todo o País. Na hora de abastecer, deve-se levar em consideração o preço e o consumo do combustível. Desse modo, se o etanol (que faz o carro ter consumo extra) custar mais de 70% do preço da gasolina, o derivado de petróleo é economicamente melhor.
História
Apesar de, no início do século passado, o Ford T levar o título de primeiro carro capaz de rodar com mais de um tipo de combustível, a tecnologia do motor flexível apareceu somente no início dos anos 1990. Na ocasião, a Bosch instalou o sistema em um Chevrolet Omega. No entanto, o funcionamento era lento (para mudar os parâmetros da injeção) e toda a operação era muito cara para produção em larga escala.
E foi também nos anos 1990 que houve a fabricação do primeiro carro flex. Isso foi fruto da oscilação na oferta do álcool nas bombas. Coube, portanto, ao Ford Taurus o título de primeiro carro flex do mundo, em 1993. No sedã – vendido, à época, nos Estados Unidos -, a mistura poderia atingir até 85% de etanol. Os 15% de gasolina buscavam facilitar a partida e funcionamento a frio, já que não havia reservatório para injeção do combustível derivado do petróleo.
Presente e futuro
Um dos argumentos para conquistar o cliente a optar pelo carro flex, a princípio, era o poder de escolha do combustível que quer utilizar. Agora, portanto, que a tecnologia já ficou comum no mercado, se faz necessário enfrentar novos desafios. A eletrificação é um exemplo. Afinal, as leis mais rígidas para controle de emissões de poluentes exigem, neste primeiro momento, a adição de tecnologias de propulsão elétrica aos modelos a combustão.
Desse modo, uma das principais soluções é a chegada dos veículos com motor híbrido flex. Neles, há utilização de um motor a combustão associado a um ou mais propulsores elétricos, que podem operar simultaneamente ou em modo individual. E a combustão pode utilizar gasolina ou etanol. Dentre as vantagens, combinam autonomia elevada, rapidez no abastecimento e redução de consumo. Some ainda a menor emissão de poluentes.
Nesse sentido, a Toyota está na vanguarda. A marca japonesa já tem no portfólio os modelos Corolla e Corolla Cross com tal solução. E não vai parar por aí. Nissan e Volkswagen, por exemplo, já têm cartas na manga e trarão novidades em breve. Afinal, a eletrificação faz parte do futuro da indústria automotiva e, até 2025, praticamente todas as fabricantes terão híbridos flex – e também o híbrido leve flex, que conta com uma unidade de 48V.
Isso, no entanto, envolve alguns desafios como a redução de custos na fabricação de baterias – o item mais caro de um automóvel eletrificado. Mas, ainda com preços elevados, o mercado desse tipo de modelo vem crescendo. Tanto que a eletrificação já se tornou realidade em quase 3% dos carros 0-km vendidos no País.
Veja, abaixo, 20 fatos e curiosidades sobre os 20 anos do carro flex*:
1) No dia 22 de março de 2003 o Volkswagen Gol Total Flex chegou ao mercado brasileiro, com a possibilidade de usar etanol e gasolina no tanque, em qualquer proporção. Um mês depois chegou o Fiat Palio Flex, e em meados do ano o Chevrolet Corsa Flexpower.
2) A invenção da tecnologia foi dos norte-americanos, mas a viabilização comercial só ocorreu após o trabalho da engenharia brasileira, que criou um modelo matemático de pós-combustão. Isso eliminou uma série de sensores, reduziu o custo da tecnologia e permitiu a produção em larga escala.
3) A chegada dos carros flex resgatou o etanol como combustível. Se depois do Proálcool (programa federal criado em 1975) os carros a etanol dominaram o mercado brasileiro, sobretudo nos anos 1980, eles praticamente desapareceram das lojas na metade dos anos 1990.
4) A evolução tecnológica do motor flex em 20 anos foi muito rápida, em função da concorrência entre marcas e das demandas regulatórias por melhor eficiência energética e redução das emissões.
5) No início os carros flex tinham tanque auxiliar de partida a frio. Em 2009 esse tanquinho extra de gasolina começou a ser abolido, com a entrada de tecnologias de pré-aquecimento dos bicos injetores.
6) Ao longo do tempo as fabricantes incrementam o aproveitamento calorífico de ambos os combustíveis e introduziram tecnologias como o turbo e a injeção direta, o que melhorou sensivelmente a eficiência energética.
Híbrido flex
7) Em 2019 foi lançado no Brasil o primeiro carro híbrido flex do mundo, com um motor elétrico e outro a etanol/gasolina. O feito foi da Toyota do Brasil, com o sedã Corolla.
8) Depois de uma resistência inicial, o flex teve tanta aceitação entre os consumidores, que se tornou dominante em toda a produção nacional. Até mesmo alguns modelos produzidos em países como Argentina e México recebem motores flex feitos no Brasil antes de serem exportados para cá.
Modelos flex quase dominam o mercado
9) Em 2003 foram vendidos 39 mil automóveis flex no Brasil, 3,2% do mercado. O ano com maior volume de vendas até hoje foi 2012, com 3,1 milhões de unidades, 91% do total.
10) Em apenas 6 anos os flex já tinham superado a marca de mais de 90% das vendas totais de automóveis/ano, patamar em que permanecem há 14 anos.
11) Além dos automóveis, também há uma série de comerciais leves flex no mercado, como picapes, vans e furgões. Mais de 7,1 milhões desses modelos foram vendidos nesses 20 anos, o que representa em média 57% do total de vendas do segmento.
12) Em fevereiro, o Brasil atingiu a marca de 40 milhões de veículos flex produzidos e comercializados.
13) Hoje esses modelos representam 85% da frota de veículos leves circulante no País.
14) O ano de maior participação de automóveis flex no share de vendas no País foi 2019, com 93,9%. Para os comerciais leves foi 2007, com 66,1%.
Novos tempos
15) Se há 20 anos eles surgiram com uma lógica de oferecer ao consumidor uma opção do combustível mais econômico na bomba, hoje eles agregam uma importante função ambiental, dado o reconhecimento do etanol como um combustível renovável que elimina a pegada de carbono, no cálculo do poço à roda. Por isso, são mais importantes e estratégicos hoje do que no próprio lançamento.
16) Na América do Sul, apenas o Paraguai utiliza em larga escala os veículos flex produzidos no Brasil. Já os modelos híbridos flex estão sendo exportados para vários mercados da América Latina.
17) Países como a Índia e outros do sudeste asiático demonstram grande interesse na tecnologia flex, já que sofrem pressão por descarbonização no âmbito da ONU, mas não têm condições de eletrificar rapidamente a sua frota.
18) A evolução do etanol pode proporcionar um novo salto na qualidade dos veículos flex. Nosso etanol ainda tem 7% de água, elemento sem função alguma no processo de combustão.
19) Se no início todo o etanol brasileiro vinha da cana, hoje uma parte considerável começa a vir do milho, como ocorre em outros países. Um uso misto de cana e milho propicia safra ao longo de todo o ano, o que pode aumentar a oferta de etanol e reduzir seu preço na bomba, tornando o uso mais atrativo em todas as regiões do País.
20) Os próximos 20 anos do flex são muito promissores no sentido de propiciar mais eficiência, redução de emissões e uma importante ferramenta de transição para uma frota mais eletrificada.
*Fonte: Anfavea