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Carros novos podem ficar mais caros e até em falta com a crise energética
Mercado

Carros novos podem ficar mais caros e até em falta com a crise energética

Baixos níveis dos reservatórios aumentam o risco de apagões, o que pode afetar a produção de carros; tarifa maior vai inflacionar os preços

Vagner Aquino, especial para o Jornal do Carro

24 de set, 2021 · 13 minutos de leitura.

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carros Fiat Strada
Com possível falta de energia elétrica, fábricas de carros podem parar a produção, e tarifa mais cara da energia deve inflacionar os preços
Crédito:Fiat/Divulgação

Em alguns municípios de São Paulo, a falta de água já é realidade. A crise energética vem sendo alertada desde o ano passado – e tem até cartilha do Ministério de Minas e Energia (MME) para tentar evitar o colapso. A consequência é a possível interrupção no fornecimento de eletricidade. Afinal, mais de 62% da energia elétrica no Brasil depende das hidrelétricas. E esse risco está deixando as montadoras preocupadas com uma eventual paralisação na produção de carros.

Para o setor automobilístico – que vem sofrendo com a falta de peças desde o início de 2021, por causa da pandemia – a crise hídrica terá impacto direto, como suspensão das atividades nas fábricas. Além disso, o aumento do custo da energia elétrica, que acaba de subir, vai inflacionar os carros. Assim, a produção – que já está em queda (veja abaixo) – pode cair ainda mais neste ano e em 2022, quando a crise dos chips persistirá.

“O Governo atrasou a diretiva de racionamento. O sinal de alerta (sobre falta de água) deveria ter sido emitido há meses, para garantir o funcionamento e diminuir os impactos ao sistema. Há grande ameaça. O negócio é rezar para que a chuva chegue com força a partir de novembro”, explica o professor Jose Aquiles Baesso Grimoni, do Departamento de Engenharia de Energia e Automação da Poli USP.

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No início deste mês, o governo brasileiro lançou medidas para estimular a economia de energia e evitar racionamento ou apagão. O programa, entretanto, é voluntário. “As metas para a redução do consumo de energia precisariam ser mais intensivas, afinal, não temos mais usinas no Brasil com as chamadas reservas. Lançar propagandas incentivando troca de lâmpadas é pouco. É preciso convocar a população e as empresas com metas mais firmes para evitar o caos”, defende o professor.

Produção de carros pode afundar

Só no mês passado, a indústria automobilística brasileira foi impactada pela paralisação de 11 fábricas em todo o País. Com a crise hídrica – a pior desde 1930, quando teve início o registro dos dados -, isso tende a piorar. E o fenômeno não está longe de acontecer.

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Alex Silva/Estadão

Para Leticia Costa, especialista no setor automotivo e sócia-consultora da Prada Assessoria, a crise energética deve ser sentida de forma mais aguda nos últimos meses de 2021. “Se ela (a crise) se materializar, o que é bem possível, são duas as consequências. Além de aumentos nos preços de energia, visando incentivar a redução de consumo, ou alguma forma de racionamento forçado, como em 2001, os apagões também são uma ameaça”, alerta.

De acordo com a especialista, em qualquer um dos casos, a consequência para a indústria de carros será a redução de vendas. “No primeiro caso, porque o aumento de custo será repassado ao consumidor, que já está com o poder aquisitivo impactado pela inflação e pelo desemprego. No segundo caso, porque haverá redução na produção, também impactando vendas de carros e complicando mais ainda os supply chains, já que a falta de peças deverá persistir durante este ano”, explica Leticia.

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Hyundai/Divulgação

Montadoras temem pelo pior

Na visão da Anfavea, associação dos fabricantes de veículos do País, o impacto da crise hídrica é preocupante. Ao Jornal do Carro, a entidade enviou o seguinte posicionamento:

“Estamos enfrentando sérias dificuldades em função da falta dos semicondutores, responsável por paradas intermitentes nas nossas fábricas desde o início do ano. O aumento do preço da energia elétrica afeta o custo de produção, já prejudicado pelos diversos aumentos dos insumos incorridos desde o final de 2020. Além disso, impacta também o bolso do consumidor, com consequências na inflação e nos juros.”

O baixo nível de água nas hidrelétricas por causa da falta de chuvas força, então, o acionamento das usinas termelétricas. Isso, consequentemente, eleva os custos da energia. Ou seja, contas mais altas refletem nos lucros das montadoras, que, assim, repassarão esse prejuízo ao consumidor. Em síntese, os sucessivos aumentos mensais nos preços de diversos veículos só tendem a se agravar.


Entretanto, para a Anfavea, o que mais preocupa é, de fato, a parada de produção por falta de energia. O que é “bastante preocupante”, conforme disse Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, durante a última coletiva de imprensa para apresentação dos números do setor. Ele afirma que as montadoras de carros estão monitorando a distribuição de energia semanalmente em paralelo ao Ministério de Minas e Energia (MME).

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Daniel Acker/Bloomberg

Estoques têm menor nível histórico

De acordo com dados da Anfavea, na virada de agosto para setembro, eram 76,4 mil unidades disponíveis em estoque (concessionárias e fábricas). A princípio, o montante equivale a 13 dias úteis. É o estoque mais baixo (tanto em unidades quanto em dias úteis) registrado pela entidade desde o início das medições, em dezembro de 1999. Isso explica as filas de espera enfrentadas pelo consumidor que busca o carro zero-km.


Essa situação – agravada pela crise dos semicondutores – só tende a piorar se houver apagão. Afinal, a demanda está voltando à normalidade (período pré-pandemia). No entanto, a oferta está cada vez mais escassa, devido às quedas na produção. Em suma, não há reposição de estoque, o que afeta diretamente a rede, com o represamento de entregas.

Para se ter ideia, o Jornal do Carro entrou em contato com algumas concessionárias da Chevrolet na capital paulista e na região Nordeste. Onix e Onix Plus não estão disponíveis para pronta-entrega em nenhuma das praças consultadas. A previsão de entrega para o hatch e para o sedã é de 30 a 45 dias. Cabe lembrar que a produção foi paralisada por mais de cinco meses na fábrica de Gravataí (RS), onde a dupla é feita. A retomada aconteceu em agosto, mas com apenas um turno. A operação em dois turnos volta a partir desta segunda-feira (27).

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Volkswagen/Divulgação

Números

A falta de componentes eletrônicos reduziu em 21,9% a produção nacional de carros de agosto na comparação com o mesmo mês de 2020. Contando apenas os segmentos de automóveis e comerciais leves, o total de unidades produzidas ficou em 147.554 mil até o momento. Ou seja, uma queda de 26,8% na comparação com agosto do ano passado.

As vendas também caíram 5,8% em agosto em relação ao mesmo período do ano passado. Com 172,8 mil unidades emplacadas, o mês teve 1,5% menos licenciamentos que julho. E isso pôde ser sentido de perto pela rede de concessionárias Volkswagen.

Na semana passada, a fábrica de Taubaté (SP) completou duas semanas sem a produção de Gol e Voyage. As interrupções frequentes, que acontecem desde junho, já refletem nas concessionárias. Tem modelo com fila de espera de 45 a 60 dias. Do T-Cross, por exemplo, restam algumas versões de acabamento em estoque.


Outro SUV que já sentiu impacto por causa de interrupção de produção foi o Nissan Kicks, feito em Resende (RJ). Com 2.955 unidades emplacadas em agosto, o utilitário da marca japonesa vendeu 207 unidades a menos que no oitavo mês do ano passado. Os números são da Fenabrave, associação que reúne as revendas de carros do País.



MME não vê motivos para alarde

Para o Ministério de Minas e Energia, no entanto, não há motivo para alarde. Afinal, o cenário atual difere de 2001, quando houve a primeira crise hídrica por aqui. De acordo com o órgão, de lá para cá, a matriz elétrica brasileira vem passando por processo de expansão e diversificação de fontes. Além disso, há hoje uma maior integração entre as regiões, o que ampliou o sistema de transmissão.

Para se ter ideia, a geração de energia eólica expandiu em mais de 17 GW entre 2001 e 2020. O MME afirma que, nesse período, enquanto houve ampliação da capacidade instalada em 130%, o consumo de energia elétrica aumentou menos de 80%. Ou seja, a situação atual é mais favorável do que no começo da década de 2000.


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