Ainda não existia telefone celular, que atualmente permite a qualquer pessoa fazer flagrantes nas ruas. Mas, para compensar, o Jornal do Carro nasceu com uma equipe atenta quanto aos segredos de fábrica. Logo na segunda edição do jornal, em 18 de agosto de 1982, o JC trazia fotos do Fiat Oggi, a versão de três volumes do 147. Na época, ainda nem nome tinha. Assim, a prática não parou mais. Na edição de setembro de 82 – um mês após a estreia -, o jornal estampava na capa as fotos do VW Voyage de quatro portas, sem disfarces. Em seguida, no mesmo mês, o JC antecipou informações sobre três modelos que estavam prestes a chegar: VW Santana, Ford Escort e a versão sedã do Chevrolet Monza.
Fazer plantões nas portas das fábricas. Cultivar fontes que pudessem antecipar dicas exclusivas e pular muros de montadoras – apesar dos riscos em operações desse tipo. Isso sempre foi parte da rotina dos repórteres do JC. O objetivo era trazer informações aos leitores sobre as novidades e tendências de mercado que estavam a caminho. E, então, possibilitar tomadas de decisões mais racionais no momento da troca de carro. Esse conhecimento prévio era ainda mais relevante em uma época em que o automóvel, mais que um meio de transporte, era também um investimento.
JC antecipou Uno, Gol e outros sucessos
Em 1983, o JC apresentou um desenho de como seria o Escort conversível. E, no início de 1984, o Uno, ainda com disfarces, apareceu na capa do jornal. Um recorte na grade imitava o “cuore”, a tradicional dianteira da Alfa Romeo que lembra o desenho de um coração. Em vão. Os profissionais do jornal sabiam que ali estava o sucessor do 147. E que, anos depois, viria a ser um dos maiores sucessos da Fiat em todos os tempos.
Em agosto do mesmo ano, enquanto a Fiat apresentava oficialmente o Uno, o JC adiantava informações sobre o Prêmio, a versão sedã do modelo, que chegaria no ano seguinte. Ainda em 1984, as páginas do jornal mostravam o “Tião”, um projeto de carro popular da Gurgel. Até a sua apresentação, no Salão do Automóvel de 1988, ele trocaria de nome mais três vezes: 280-M, Cena (iniciais de Carro Econômico Nacional) e, finalmente, BR-800. A troca do nome Cena ocorreu por divergências com a família do piloto Ayrton Senna, que não aprovou a associação que ocorreria devido à similaridade sonora.
Flagras exclusivos
Antes do lançamento do Kadett, o hatch da Chevrolet também deu as caras nas páginas do JC, no início de 1989, na versão esportiva GS. A unidade tinha apenas leves coberturas nos logotipos da fabricante.
No mesmo ano, o Ford Verona, sedã feito sobre o Escort, ganhou um registro no momento em que saía da caçamba do caminhão, para testes. E o Fiat Tempra, que estrearia no Brasil no final de 1991, já dava as caras nas páginas do JC no ano anterior. Sob o título “A primeira foto do novo Fiat”, o texto mostrava que com o sedã a Fiat iria brigar num segmento inédito para a marca. Ou seja, com oponentes de peso como Chevrolet Monza e VW Santana.
Helicóptero
Em 1992, o JC fez um sobrevoo histórico de helicóptero no campo de provas da GM, em Indaiatuba (SP). E o fotógrafo Oswaldo Luiz Palermo conseguiu, assim, imagens exclusivas de um dos mais bem guardados segredos da época: o Omega, substituto do Opala, já sem disfarces. Antes que o ano terminasse, em dezembro o JC ainda traria dois grandes segredos. Um era o VW Logus, sedã baseado no Ford Escort, coberto por alguns disfarces.
O outro era uma grande antecipação da segunda geração do Gol, que só chegaria às lojas em 1994, e que mais tarde ganharia o apelido de “Gol Bolinha“, por causa de suas linhas arredondadas. O modelo, líder de vendas no Brasil, também protagonizou um histórico flagra pelo ar. Foi logo após mais um voo de helicóptero, desta vez na pista de testes da Ford em Tatuí (SP). Na época, Ford e VW mantinham a joint-venture Autolatina, o que explica, portanto, o uso compartilhado do campo de provas. Apesar dos disfarces que cobriam completamente a frente e a traseira, o texto já revelava que a dianteira longa era um sinal de que o motor continuaria na longitudinal. Ou seja, como na primeira geração do hatch.
Numa reação aos importados, as marcas nacionais começavam, então, a trazer automóveis mais atualizados, na tentativa de reduzir a distância que separava produtos nacionais dos estrangeiros. No final de 1993 o JC mostrava os planos das montadoras. Em três páginas, o jornal apresentava novidades que incluíam a perua Fiat Tempra (que era a foto da capa, ainda com disfarces), bem como o VW Golf GTI e o Ford Mondeo.
Motos
Além dos carros, diversas motocicletas também foram reveladas durante a fase de testes. Foi o caso, por exemplo, da Yamaha Ténéré e da Honda 350 (que cinco meses depois, em agosto de 1990, no lançamento, receberia o nome oficial, Sahara). Houve também ocasiões de descoberta de segredos coletivos. Como, por exemplo, o que resultou em imagens de cinco modelos da Yamaha de uma só vez. As motos faziam testes no litoral paulista. Um deles, o scooter Axis 90, foi o destaque na edição de dezembro de 1992.
De volta ao presente, a chegada de smartphones com câmeras fotográficas poderosas tornou ainda mais difícil a tarefa de testar protótipos fora dos muros das montadoras sem que alguém registre a cena. Que o digam os motoristas do novo Fiat Fastback e da nova Chevrolet Montana. Estes são dois dos mais aguardados lançamentos do momento, que não conseguem rodar um quarteirão no anonimato.