No comecinho de janeiro, a General Motors retomou o projeto de investimentos no Brasil, anunciado em 2019, mas postergado por causa da pandemia do novo Coronavírus. São R$ 10 bilhões, injetados para modernização de fábricas instaladas no País e para o consequente lançamento de modelos. Na contramão disso, outra gigante norte-americana, a Ford, decidiu fechar suas operações fabris no Brasil, interrompendo uma história secular. Os carros, porém, continuam em vendas. Mas até quando?
A Ford vem evitando falar sobre o assunto que, para alguns especialistas, é fruto de falta de planejamento. Já outros defendem a fabricante, apontando vertentes como a alta do dólar, os problemas econômicos do Brasil e até mesmo a pandemia.
Mas o fato é que a montadora fechou suas fábricas no Brasil e, com isso, deixou um portfólio de modelos – bem colocados no ranking de vendas do mercado, diga-se – com estoque incerto. É o caso de Ka, Ka Sedan e EcoSport.
Nas revendas
Consultadas pelo Jornal do Carro, algumas concessionárias estão com descontos. Uma delas, que fica na Zona Leste da capital paulista, tem a versão intermediária do Ka (SE) na cor preta por R$ 49.990. São R$ 2.900 a menos que o valor de tabela de R$ 52.890.
Já outra concessionária, em Mogi das Cruzes (SP), afirmou registrar alta nas vendas porque “as pessoas gostam do carro e estão aproveitando as últimas unidades”. A loja comercializa o mesmo Ka SE (cores branca e vermelha) por R$ 49.100. O parcelamento é negociável. De acordo com o vendedor, é possível dar entrada de R$ 20 mil e parcelar o restante em 60 vezes de R$ 699,44. Total: R$ 61.966,40.
Um funcionário de um grupo de concessionárias que preferiu não de identificar afirmou que as cinco lojas da empresa em que trabalha (em São Paulo), até a última semana, tinha estoque de 140 carros – modelos nacionais. “Esse número deve durar uns dois ou três meses”, conta ele.
Por lá, o mesmo Ford Ka SE já estava sendo encontrado a R$ 48.990. O EcoSport SE 1.5 AT, de R$ 85.490, havia baixado mais de R$ 6.000 até o início dessa semana. “Se os carros ficarem encalhados, os preços vão baixar ainda mais. Se vender rápido, os preços devem ser mantidos, ou até aumentar”, apontou a fonte.
Números vão enxugar
Segundo ele, o grupo vendeu cerca de 80 carros no mês passado. Apenas 25% disso representa a linha importada. “Isso reduz público e, consequentemente, quadro de funcionários, fecha lojas, e por aí vai. Pelo que eu soube, só o Grupo Caoa vai fechar oito dos 10 distribuidores Ford, transformando-os em Caoa Chery e Hyundai.”
O profissional aponta que na semana retrasada, no entanto, havia previsão de chegada de mais de 100 carros (vindos da fábrica). Com a paralisação da produção (determinada pelo sindicato logo após o anúncio de fechamento), foi necessário ligar para todos os clientes cancelando as vendas. “A falta de produtos reverteu as negociações que já estavam fechadas”, conta.
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Inscreva-seMais de 50% das compras foram canceladas pelos clientes desde o dia 11 (data do anúncio). “Eles estão com medo de problemas futuros, como falta de peças, por exemplo.”
Preços dos importados
Na contramão da linha popular, os modelos importados seguem com a mesma política de preços de antes do fechamento das fábricas. Em quatro revendas, também de São Paulo, a versão topo de linha da Ranger, Limited 3.2 Diesel 4×4 AT, permanece com o preço sugerido de R$ 238.390. Há facilidades como entrada de 20% e saldo parcelado em 60 vezes – taxa de 1,05% ao mês. Ou seja, R$ 47.678 + 60 x R$ 4.457, que resulta em R$ 315.098.
Questionada se planeja alguma ação especial para alavancar as vendas, a Ford respondeu, em nota: “Ainda é prematuro falar sobre política de preços. Ela seguirá as condições de mercado”.
Comprar Ford é boa ideia ou não?
Afinal, vale a pena comprar esses poucos modelos que ainda restam em estoque? Procurada pelo Jornal do Carro, a Associação Brasileira dos Distribuidores Ford (Abradif) não se pronunciou sobre o número de modelos disponíveis para compra nas 280 concessionárias da marca que ainda estão abertas no País.
Se tem gente que não gosta da ideia de comprar um carro que saiu de linha, outros não ligam. Ou enxergam vantagens. Tudo depende do ponto de vista. Para a consultora do setor automotivo, Leticia Costa, “não dá para responder com um simples ‘sim’ ou ‘não’. Isso depende do preço de compra. Uma vez que estes modelos serão descontinuados, é natural que sofram depreciação e que o valor de revenda caia bastante”, explica.
Para ela, com o fechamento das fábricas da Ford no Brasil, haverá uma preocupação real com disponibilidade e custo de peças de reposição por parte da clientela. “Assim sendo, vale a pena comprar se o desconto for expressivo e se o valor de revenda não for um fator decisivo para o cliente”, argumenta Letícia.
Desistência é direito?
Ford e revendas não falam detalhadamente em número de desistências por parte dos compradores, mas cabe informar que a saída da montadora do País não dá o direito ao consumidor de desistir da compra.
“O fato de a montadora não manter sede administrativa ou operacional no país não quer dizer, por si só, que ela não vá cumprir o dever de prestar garantia ao consumidor. Por isso, não há previsão na lei que autorize ao consumidor desistir da compra em razão dessa mudança de sede da empresa”, esclarece Marco Antonio Araújo Junior, especialista em direito do consumidor e diretor do Instituto Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor (Brasilcon).
De acordo com ele, entretanto, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não deixará os brasileiros desprotegidos. Afinal, em situações como essa, é exigido que todo fornecedor de produtos e serviços preste garantia ao bem vendido e garanta ao consumidor a reposição de peças e mão de obra.
Em resumo, se isso não ocorrer, independentemente da empresa estar ou não sediada no Brasil, o consumidor terá seus direitos garantidos. É possível, no entanto, acionar os órgãos de defesa do consumidor ou o Poder Judiciário para exigir que a empresa cumpra a lei.