O anúncio do fechamento das fábricas da Ford e o fim de linha de produtos muito conhecidos no Brasil, como o EcoSport, pegou muita gente de surpresa. O Ka, por exemplo, se consagrou como o 5º modelo mais vendido do País em 2020. Um inegável sucesso. Então, o que houve de errado nos planos da marca? Conversamos com especialistas que explicam que, cada vez mais é crucial estar atento às tendências do mercado externo. E claro, estar protegido das flutuações do dólar alto.
Na visão de Flavio Padovan, ex-diretor de operações da Ford no Brasil e América do Sul, para quem acompanhou a evolução da companhia nos últimos anos, o anúncio já era esperado. “A Ford não teve capacidade de investir”, ele conclui. Em uma análise histórica, a incapacidade de investimentos comprometeu a lucratividade de negócio no Brasil. Mas ele não aposta em fechamentos de fábricas em série.
Como uma bola de neve, isso levou a empresa a perder mercado para concorrentes que traziam produtos atualizados. Amargando prejuízos, ela não conseguiu alavancar nas vendas e ficou paralisada, com 7% a 8% de participação do mercado.
Ford não terá mais carros básicos
O professor Antônio Jorge Martins, da Fundação Getúlio Vargas, explica que o acontecimento é o resultado de três fenômenos, majoritariamente. O primeiro é a necessidade de os carros saírem das fábricas mais equipados, com tecnologias embarcadas. Como falamos por aqui, os novos carros populares não serão mais básicos e nem baratos.
“A capacidade tecnológica precisa estar ligada a uma capacidade financeira. É muito difícil enfrentar uma série de desafios sem que se adeque a uma nova realidade do mercado”. No caso, a prova de fogo para a fabricante parece ter sido a pandemia de covid-19, ano em que vendeu cerca de 36% a menos do que 2019.
Exportação poderia ter fortalecido a fabricante ante à crise
Aliás, a montadora deixou de lado a importância na exportação de veículos brasileiros em momentos de crise. Ou seja, em fases em que há uma falta de estabilidade financeira e ocorre desvalorização da moeda perante o dólar.
“É importante para minimizar as flutuações em termos de cambio. Se o mercado está em baixa, eu exporto e minimizo o efeito do mercado pontual. Dessa forma eu diminuo os efeitos recorrentes da queda do mercado e o aumento os efeitos do câmbio, do qual eu exporto”, explica.
Já havia cortes mesmo com altas de vendas
É importante lembrar que em 2019 a Ford fechou sua fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo (SP) mesmo em alta. “O mercado até se encontrava em crescimento e o segmento de caminhões não estava mais em recessão. Eu enxerguei com uma reestruturação estratégica, de tal forma que ela se concentrasse em produtos com maior conteúdo tecnológico”, analisa o Prof. Antônio Jorge Martins, da Fundação Getúlio Vargas. Mas não foi o caso.
Parcerias estratégicas entre montadoras visam se proteger do mercado
Principalmente nos dias de hoje, em que a indústria automotiva é vista como um setor de risco, as fabricantes buscam por parcerias para diminuir seus investimentos e trocar tecnologias. Por exemplo, a formação da Stellantis e a parceria entre a Honda e a GM para desenvolver veículos elétricos.
O professor enxerga o crescimento de cooperações como fundamental no mercado mundial. “De uma forma geral, as empresas se protegem do lado tecnológico e do lado financeiro”. Vale reforçar que, em tempos de crise, a colaboração entre montadoras dificulta possíveis quebras.
Será mais rentável para montadoras produzirem no exterior e importarem para o Brasil?
Há um mês, a Mercedes deixou de produzir automóveis no Brasil. Assim, toda sua gama oferecida no Brasil virá de fora. Porém, no caso da Ford, estamos falando de uma montadora da qual fabrica carros populares. A atitude pode se repetir com outras concorrentes?
Jorge acredita que para todas ainda vale produzir no Brasil, entretanto, não é e nem será uma tarefa fácil. Ele atribuiu um dos principais motivos à queda da renda per capita no País. Ou seja, as empresas precisarão oferecer facilidades de compra e não largar mão dos veículos mais em conta de seus portfólios.
Da mesma forma, o ano ainda será difícil para a indústria. Em sua visão, o dólar deve flutuar entre R$ 5,20 e R$ 5,60, um patamar alto, no qual as montadoras já estão enfrentado. “Não vejo um aumento do custo no Brasil”. Contudo, elas precisam estar preparadas.
Crise política e econômica dificulta operação da indústria
Já para Padovan, é necessário que as fabricantes, bem como o governo “abram os olhos” para o que ocorreu com a Ford. Ele comenta que passamos por uma “crise política e econômica profunda”, cujas reformas ainda não foram aprovadas. Dessa forma, é preciso “uma conversa com todas as partes para encontrar um caminho e criar um ambiente mais favorável”. No entanto, este não é sinal, já que o presidente Bolsonaro normalizou a saída da marca dizendo que “negócios são negócios, se não tem lucro, tem que sair mesmo”.
O executivo defende uma maior atenção à nossa moeda desvalorizada, que pode tornar o valor dos futuros modelos da Ford mais caros e incompatíveis com seus concorrentes. Além disso, a indústria doméstica também depende do câmbio favorável, já que é necessário a importação de insumos e componentes para operar. “Nenhuma montadora que atua no Brasil está em uma posição confortável hoje”
Demissões e declínio no mercado
Como Flavio analisa, a saída da Ford significa uma enorme perda de empregos diretos e indiretos. Sindicatos falam em 50 mil demissões diretas e indiretas. Como resultado, isso terá um grande impacto na economia local de regiões fabris, como em Camaçari (BA), por exemplo. Em sua análise, a Ford agora se tornará uma empresa pequena e importadora no Brasil.
Sobre a nova gama confirmada para o País, ele acredita que virá. Mas depende do volume de veículos que aterrissará por aqui. “A competitividade fica muito comprometida, mesmo considerando o imposto reduzido. Você tem o efeito do câmbio”.