À primeira vista, o Porsche GT4 e-Performance é um carro de competição que parece ser o 718 Cayman GT4 Clubsport. Mas tem a asa traseira ainda mais exagerada, além de uma tomada de ar dianteira gigante (S-duct). O esportivo herda o motor elétrico e o pacote de baterias do conceito Mission R. Ou seja, com essas características, o protótipo consegue entregar potência similar ao de um bólido de Formula 1. São 1.088 cavalos de potência máxima.
O Jornal do Carro foi até Franciacorta, na Itália, conhecer de perto o GT4 e-Performance. O esportivo elétrico foi exibido pela Porsche em um workshop de tecnologia e eletrificação. Assim, aponta o futuro dos modelos de performance que a marca alemã vai lançar nos próximos anos. A Porsche não cravou com todas as letras que a futura geração do 718 Cayman terá a brutalidade do protótipo. Até porque esta é uma versão “anabolizada” do cupê.
Mas há bons indícios de que, quando se tornar totalmente elétrico, a partir de 2025, o Porsche Cayman conseguirá empolgar mesmo os mais céticos.
Um elétrico com fôlego
Os carros elétricos atuais costumam entregar números de torque respeitáveis e a baixíssimos giros, quase “zero”. Por causa disso, fala-se que a entrega de torque máximo é “instantânea”. Mas mesmo os elétricos de alta performance, com dados de potência também elevados, acabam tendo um problema: a velocidade máxima é sempre limitada e inferior à obtida com um similar a combustão. É uma forma de preservar a autonomia e a durabilidade das baterias.
Só que a Porsche diz que o GT4 e-Performance vai mudar esse cenário, com capacidade entregar alta performance por tempo suficiente para disputar corridas, por exemplo. Para tanto, haverá estágios de atuação, claro. Assim, os 800 kW (potência original, equivalente a 1.088 cv) estão disponíveis no chamado modo de classificação (ou “Party Mode”), para voltas rápidas.
Por outro lado, no “Modo de Competição”, o carro poupa componentes de superaquecimento e fadiga. Por isso, gera 612 cv (ou 450 kW) de forma contínua por até 30 minutos. Esse tempo, segundo os engenheiros da Porsche, é suficiente para as provas da Carrera Cup. E, dessa forma, o GT4 e-Performance bate o desempenho do 911 GT3 Cup (geração 992, 510 cv).
15 minutos para encher o tanque
Criado por Grant Larson, Diretor de Projetos Especiais da Porsche e chefe do Centro de Estilo da marca alemã, o GT4 e-Performance é 14 centímetros mais largo que o 718 Cayman GT4 Clubsport. Assim, passa de 2 metros no eixo traseiro. As asas também são maiores e o chassi com caixas de roda e saias laterais mais largas permite usar pneus ainda maiores, de 18 polegadas. E feitos com 51% de materiais reciclados pela Michelin.
O processo de fabricação do esportivo elétrico muda bastante em relação ao 718 Cayman, já que o modelo tem cerca de 6 mil componentes alterados. O protótipo usa, por exemplo, várias peças feitas com fibras naturais e também com fibra de carbono reciclada. “Podemos dizer que apenas as portas e o estilo geral são os mesmos”, afirma Larson.
Além disso, sai o motor a combustão e câmbio tradicional, e entra o conjunto elétrico com arquitetura de 900V. Ou seja, maior que a do Taycan e similar àquela que será padrão na nova geração de carros elétricos da Porsche. Outro detalhe é que o sistema de refrigeração é ainda mais aprimorado – daí as enormes tomadas de ar na dianteira.
Além disso, tem um cabo de energia de bitola gigantesca, que corre dividindo o interior do habitáculo, no local onde estaria o sistema de transmissão convencional. Com isso, o tempo de recarga é superveloz: a nova plataforma PPE da Porsche promete encher o pacote de baterias até os 80% em 25 minutos. Só que isso é inviável para um carro de corrida. Por isso, o padrão no e-Performance é “encher” de 5% a 80% da carga em menos de 15 minutos.
A bordo do cupê elétrico
Com o Cayman elétrico, a Porsche dá um aperitivo das novas tecnologias em desenvolvimento. E aponta o futuro dos seus carros de competição. Infelizmente foram só duas voltas e, desta vez, como passageiro (e não ao volante). Mas a experiência exigiu preparação de piloto: foi preciso usar macacão, balaclava, capacete e proteção de pescoço (Hans), nos padrões da FIA. Também foi necessário fazer um minicurso de fuga do carro, para o caso de um acidente.
Primeiro, foi feito um treino de reconhecimento dos padrões de alerta do carro. A luz verde indica que está carregado, mas livre de risco. Já a luz vermelha aponta risco de eletrocussão. E a luz branca indica que o carro está em movimento pleno. Depois disso, treinamos o desembarque na condição sem risco (abrir a porta e descer, conforme comando do piloto e da equipe) ou com risco (abrir a porta e pular o mais longe possível da cabine, sem contato com a carroceria).
A partir do OK da equipe, foi o momento de conhecer a cabine, que é frugal. Tem uma gaiola de proteção, bancos de competição com cintos de segurança de cinco pontos e volante esportivo com grandes aletas que atuam nos níveis de regeneração e modos de condução. O painel gigante informa os dados de energia das baterias e de desempenho, como, por exemplo, potência e torque, tempo de volta e controle do diferencial. Mais nada.
Cabine é quente e apertada
O calor a bordo é alto, por conta dos componentes. Como é um carro de corrida, a refrigeração é apenas para o sistema elétrico, não para os ocupantes. Além disso, os pacotes de baterias são grandes e divididos em três blocos. O primeiro fica no cofre dianteiro, sob o eixo, na parte superior do capô. O segundo fica onde estaria o motor central-traseiro. E o terceiro é um sanduíche gigante que fica exatamente na posição onde vai o carona.
Isso significa que o espaço a bordo é reduzido. E que a posição não é tão sentada quanto se espera: as pernas ficam numa posição similar à adotada pelos pilotos de Fórmula 1. Só que mais longe do solo. Em carros muito fortes, é comum dizer que o corpo “cola” no banco nas acelerações. Mas no GT4 e-Performance isso vai a outro patamar. Nas duas voltas na pista, não foi possível descolar as costas do encosto e tampouco movimentar a cabeça para os lados.
A primeira volta foi no modo de competição e foi possível observar, no traçado curto, com uma reta que não deve ter muito mais de 500 metros, o painel indicando entre 160 e 180 km/h. Na segunda volta, em modo de classificação, o painel indicou números beliscando os 210 km/h. Segundo os engenheiros, o 0-100 km/h, a depender das condições de asfalto, leva 2,3 segundos, e a aceleração de 0-200 km/h é feita em menos de 4 segundos.
Na comparação com um modelo a combustão, o senão fica para o ruído de aceleração. O que se tem é um constante assovio, que fica mais ou menos intenso, conforme a velocidade aumenta. Como não há espaço para nada que não seja fundamental, fica inviável ter um sistema que mascare esse ruído com uma sinfonia típica: nada de ronco do motor. Mas faz falta.
*Viagem a convite da Porsche do Brasil.