O magnata norte-americano Howard Hughes Junior morreu em 1976, mas, se estivesse vivo durante a atual pandemia, as autoridades de saúde não teriam a menor dificuldade em convencê-lo da necessidade de isolamento social. Além de empresário, piloto de avião, engenheiro aeronáutico e diretor de cinema, entre outras atividades, Hughes tinha pavor de ser contaminado por germes e bactérias. Tanto que seus carros eram equipados com um complexo sistema de filtragem e purificação de ar externo.
O jovem Howard nasceu em 1905 no Texas e, desde cedo, demonstrou interesse por mecânica e aviação. Cresceu superprotegido pela mãe, que sofria de misofobia, medo patológico de contato com sujeira, contaminação e germes.
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Não temia voar, mas tinha pavor de contágio
Hughes nunca teve temor de se aventurar nos negócios ou na pilotagem de aviões projetados por ele mesmo. Chegou a ser um dos homens mais ricos do mundo, além de figurar também entre os mais excêntricos e reclusos de sua época.
Ao perder os pais antes de completar 20 anos, ele assumiu os negócios da família. Mudou-se do Texas para Hollywood para fazer filmes, e também passou a construir aviões. Em 1935, pilotando uma de suas criações, ele quebrou o recorde mundial de velocidade, ao voar a 566 km/h na Califórnia. Dois anos mais tarde, durante um teste com um avião espião feito para o governo americano, Hughes quase morreu ao cair nas vizinhanças de Beverly Hills.
Nada disso, no entanto, o assustava. O medo que o acompanharia – e que se intensificaria com o tempo – era silencioso e invisível: germes e bactérias. Dois de seus carros mais conhecidos, um Buick Roadmaster 1953 e um Chrysler New Yorker 1954, foram transformados em uma cápsula selada que o isolava do mundo exterior. O Buick, um dos carros preferidos do empresário, ficava em seu endereço de Beverly Hills, na Califórnia, enquanto o Chrysler era mantido em Las Vegas.
Ar-condicionado ocupava todo o porta-malas
Por fora, o Buick preservava o visual intacto, o que permitia ao excêntrico bilionário rodar anonimamente pela Califórnia. Mas o enorme sedã tinha um sistema de ar-condicionado e filtragem de ar que ocupava praticamente todo o porta-malas.
Além do sistema elétrico de 12 Volts original, o sedã recebeu outras quatro baterias de 6 Volts cada, alojadas no porta-malas. Ligadas em série, geravam 24 Volts e alimentavam o sistema de ar-condicionado, que não dependia da força do motor V8. A fonte extra servia também para eventualmente auxiliar no acionamento do motor de aviões.
Todo o sistema de ventilação foi substituído por outro que continha filtro de poeira e bactéria. A obsessão de Hughes chegou ao ponto de ele determinar que apenas a janela do motorista poderia ser aberta, enquanto as demais eram travadas, assim como os quebra-ventos. Estima-se que o custo das adaptações, tanto no Buick como no Chrysler, superou em muito o valor dos próprios carros na época.
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Inscreva-seAutomóveis foram a leilão
Como o empresário tinha vários carros e viajava muito de avião, cada um de seus automóveis era usado somente em curtos deslocamentos. Em 2005, após ter permanecido guardado por 20 anos, o Buick foi levado a leilão. Salvo as modificações referentes ao sistema de ar, mantinha exterior e interior originais. Era o caso da pintura azul com teto verde claro e do interior também azul. O painel marcava 5.339 milhas, ou 8.500 km.
O sedã foi arrematado por US$ 1,65 milhão, pouco mais de R$ 9 milhões pela cotação atual. A soma representou um recorde para um Buick. Dez anos depois, em 2015, o modelo voltou a ser leiloado. Dessa vez, no entanto, ele foi arrematado por uma fração do valor pago anteriormente: US$ 110 mil, ou cerca de R$ 600 mil.
O Chrysler utilizado em seus deslocamentos por Las Vegas era ainda menos rodado. Tinha apenas 1.685 milhas (2.696 km) quando foi a leilão, este ano. Foi arrematado por US$ 126.500, ou cerca de R$ 700 mil.
Europa
Além dos carros espalhados por seus endereços nos EUA, o empresário se dava o luxo de manter também um automóvel na Inglaterra. E não se tratava de um modelo qualquer. Hughes tinha um Daimler Royal Limousine, modelo feito exclusivamente para a realeza europeia. Ele conheceu o carro durante visita ao rei da Suécia, e pediu um exemplar à fábrica. Que abriu uma exceção, devido aos poderes do industrial.
Além de usá-lo quando estava na Inglaterra, deslocava-se com o Daimler também quando ia para parte continental da Europa. Como os demais automóveis do empresário, o modelo europeu também recebeu o sistema de ar-condicionado especial. A diferença para os modelos norte-americanos é que o Daimler era equipado também com um banheiro, além de uma divisória entre os bancos dianteiro e traseiro.