Gerson Campos

Eu, um mortal, a bordo de um Fórmula 1 de verdade

O que a máquina mais rápida criada pelo homem pode fazer no corpo (e na cabeça) de um piloto de fim de semana

Gerson Campos

26 de jul, 2017 · 11 minutos de leitura.

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Templo da Fórmula 1
Crédito: Gerson pilotou um modelo da Renault em Paul Ricard, na França (Fotos: Gerson Campos)

Você está amarrado por um cinto de segurança de seis pontos que quase não te deixa respirar. Amarrado e deitado. Sim, deitado. A coluna fica apoiada a 45 graus, quase como se você estivesse no meio daquela sofrida abdominal na academia.

O pescoço precisa ficar um pouco inclinado para a frente, com o queixo levemente forçado na direção do peito. Um ressalto apoia a parte de trás dos joelhos. Os olhos só conseguem enxergar o volante com quase 20 botões, um pedaço da carenagem e os dois enormes pneus dianteiros.

Se você fosse um piloto de Fórmula 1, essa seria a sua vida. Disputando freadas em Monza a 370 km/h ou driblando os guard-rails de Mônaco a mais de 200 km/h.


Foi isso que eu pude experimentar durante três voltas (incluindo a de saída e de retorno aos boxes) no autódromo francês de Paul Ricard a bordo do Lotus-Renault que venceu o Grande Prêmio de Abu Dhabi de 2012 nas mãos de Kimi Raikkonen.

É o equivalente a bater uma bolinha com Pelé, jogar um 21 com Michael Jordan ou trocar raquetadas com Roger Federer. Um sonho que pode ser seu por € 8.000, o equivalente a R$ 30.000. Desde que você tenha bons contatos na Renault e consiga uma data. Meus contatos são mais do que bons: eu não só fui, como fui de graça (ironia: mode on).

CONFIRA O VÍDEO


 

Eu não poderia dar vexame. Rodar, nem pensar. Bater? Seria a morte. Por isso, o dia de atividades no programa da Renault que leva simples mortais para acelerar um Fórmula 1 de verdade começa baixando a adrenalina dos convidados com uma série de exercícios físicos na frente dos boxes. Você faz alguns polichinelos, agachamentos e flexões. Se o caboclo apitar ali, já volta para casa.


 

Passada a primeira fase, é a hora de um pequeno briefing antes de sentar e um Fórmula Renault de 200 cavalinhos, o capítulo inicial e necessário antes do Fórmula 1. São duas saídas de oito voltas cada. Ali eu estava em casa.


Já sou metido a esse negócio de correr de carro e acelero no Brasil um Sprint Race, uma espécie de mini Stock Car de 270 cavalos. Mas um Fórmula eu nunca havia acelerado. QUE DEMAIS! Como freia, como faz curvas e como exige do condicionamento físico. Isso porque estamos falando de um carro de 200 cavalos, quase 30 segundos mais lento que um Fórmula 1 num circuito.

Depois disso, mais briefing e a grande hora de acelerar um Fórmula 1. O mais interessante é que entre os convidados havia de tudo: desde jornalistas especializados com mais experiência, como eu, até ganhadores de uma promoção da Renault que nunca haviam acelerado um kart indoor na vida.

E todo mundo iria acelerar um Fórmula 1! Loucura? Não. Ninguém faz loucura com um carro que custa milhões de euros. Tudo é friamente calculado. A pista de Paul Ricard tem áreas de escape enormes e aquele Fórmula 1 estava ligeiramente limitado (das 7 marchas, pudemos usar “apenas” 6; e duvido que o motor estivesse chegando às 18.000 rotações por minuto que usava nas competições). Fora isso, acredite, é um carro MUITO FÁCIL de dirigir.


 

É isso mesmo: é fácil dirigir um carro de Fórmula 1. Eu, você e um recém-habilitado conseguem. É fácil dirigir. Pilotar é outra coisa. É para quem faz isso a vida toda. Já chegamos lá. Vamos à facilidade: para sair, é só segurar a embreagem, que fica no volante.


Calma: é fácil. É uma alavanca pequena do lado esquerdo. Na borboleta do câmbio, igual a que existe em um Toyota Corolla top de linha, você engata a primeira marcha. Não precisa nem acelerar. É só soltar a embreagem bem devagar e o carro começa a andar.

Entrando na pista, você está em um video-game da vida real. É só acelerar pouco, frear com suavidade, acompanhar o traçado e curtir a pista. Tudo muito fácil. A partir daí, você assume a beleza e a dor de quem decide sentar a bota em um carro de 750 cavalos que pesa menos de 600 kg (pelas regras de 2012, eram 640 kg com o piloto).

Os pedais te obrigam a acelerar com o pé direito e frear com o esquerdo, como em um kart. Até aí, tudo bem. O problema é ter a coragem de dar a patada de 80 kg que os freios exigem para funcionar direito. Eu peguei a reta de largada, pisei fundo, rasguei Paul Ricard a 280 km/h e não tive essa coragem.


Resultado: embarriguei a primeira curva e busquei uma área de escape. Obviamente o carro faria a curva com tranquilidade, mas e o medo de rodar? Era como se o F1 estivesse me avisando que, uma vez exigido, seria insanamente rápido, mas precisava da minha coragem e habilidade.

 


Voltei para a pista e segui tentando me adaptar. O monoposto grande é muito mais intimidador que o pequeno Fórmula Renault, que eu já tinha a ousadia de sentir escorregar no meio da curva. Para fazer um Fórmula 1 escorregar, amigo, é outro mundo. Um que eu jamais visitarei nesta encarnação.

Na volta de retorno aos boxes, já com a missão cumprida, resolvei abusar um pouco mais e entrar na curva depois da reta Mistral a pouco mais de 220 km/h para sentir melhor a força G. Meu pescoço praticamente desgrudou da cabeça e o almoço foi comprimido com força na parede esquerda do meu estômago.

Na curva seguinte, resolvei frear bem mais dentro do que antes. Quase passei reto. Mais uma vez, faltou aquela força de quem sabe o que está fazendo para dar a patada que o freio precisa.


Na sequência de curvas a seguir, fui “cozinhando” o acelerador com mais decisão e decidi pisar fundo duas vezes projetando onde tomaria a a próxima curva. Erro meu: enquanto eu pensava, a curva chegou e eu estava no meio dela.

No rádio, o instrutor nos boxes me chamava desesperadamente. Deve ter achado que eu pirei, já que na volta de desaceleração todo mundo costuma voltar baixando a adrenalina e eu vinha, como se diz no jargão automobilístico, classificando como se não houvesse amanhã.

Ali eu pude perceber que a maior definição do que é um carro de Fórmula é mesmo de Valentino Rossi, nove vezes campeão mundial de motovelocidade. Depois de testar uma Ferrari em 2007, pensando em encarar uma mudança para os carros, Vale desistiu e resolveu continuar nas motos.


Mas jamais se esqueceu da experiência. Com seu sotaque italiano inconfundível, explicou em uma frase em inglês o que é um Fórmula 1: “The car is faster than your mind”. Se é mais rápido que a mente de um cara acostumado a acelerar uma moto a 350 km/h, imagine do resto.

Aliás, eu sou Gerson Campos. Um dos criadores do Acelerados, que você pode ver no YouTube e nas manhãs do SBT, às 7h30 todo domingo. É um grande prazer compartilhar este espaço e esta experiência com vocês. Em texto e no vídeo que está aqui embaixo. Até a semana que vem. Grande abraço.

 


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