Primeira Classe

O naufrágio das tradições e a ascensão da falta de emoção

Porsche está fora da 24 Horas de Le Mans. Audi já saiu. E Mercedes abandonou DTM. Todo mundo vai para a Fórmula E

Rafaela Borges

28 de jul, 2017 · 10 minutos de leitura.

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Porsche
Crédito: Depois da Audi, Porsche também dará adeus a Le Mans (Foto: REUTERS/Regis Duvignau)

Notícia péssima para quem é apaixonado por carros esportivos e gosta de automobilismo, principalmente, pela emoção provocada pelo barulho de um motorzão em aceleração. A Porsche está fora do Campeonato Mundial de Endurance, competição da qual faz parte a 24 Horas de Le Mans, na França.

E para onde a Porsche vai? Fórmula E. A Audi e a BMW também caminham para a categoria de carros elétricos. A Mercedes, claro, não ficaria de fora. Também vai.

E como a Mercedes vai investir em Fórmula E, Fórmula 1 e DTM? Não vai. A marca vai deixar a DTM no fim da temporada de 2017. Ao menos, na Fórmula 1 ela continua. Por enquanto.

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O que isso significa. Significa que o mundo está chato, e ficará cada dia mais chato. Esse movimento é visto dia a dia na indústria automobilística. O carro autônomo deixou de ser uma questão de “se”. Agora, a pergunta é “quando”.

Sinceramente, eu não tenho nada contra o carro autônomo, desde que a comodidade não me impeça de dirigir quando eu quiser. Porque eu gosto de dirigir. Porque eu amo carros.

Mas, também sinceramente, eu tenho tudo contra o carro elétrico. Eu não gosto dessa tecnologia. Já guiei alguns elétricos por aí, e, sinceramente, não têm graça nenhuma.


Podem até ser potentes, mas não são rápidos. Não têm aquela progressão maravilhosa do motor a combustão, que vai evoluindo a medida que sobe o conta-giros.

Não têm aquela patada avassaladora que um bom motor a combustão, seja aspirado ao turbo, entrega quando atinge seu pico de torque máximo. Nesse momento, a força da aceleração começa a subir junto com as batidas no coração e o frio na barriga de pura adrenalina.

Mais que isso: o carro elétrico não faz barulho. Sabe aquele som emocionante que sai do escape de uma Ferrari em aceleração? Quando a era do carro elétrico chegar, não ouviremos mais isso.


Os motores elétricos são racionais, feitos para um mundo que pretende ser mais racional. Um mundo sem dependência do petróleo e, principalmente, sem emissões de poluentes por carros.

O carro elétrico não tem volta. Ele vai acontecer. É neles que as montadoras estão passando a investir. A Volkswagen, depois de fraudar testes de emissões para tentar convencer que o diesel é “limpo”, foi obrigada a recuar. Seu foco agora é a motorização elétrica.

A Volvo anunciou recentemente que, na década que vem, todos os seus carros serão elétricos ou híbridos. Até a Land Rover, antes avessa à eletricidade, já anunciou que vai aderir a ela também – em algum momento, e eu espero que isso demore bastante a ocorrer.


Mas que vai ocorrer, vai. Tanto que a “irmã” da Land Rover, a Jaguar, já está na Fórmula E.

 

NAS PISTAS


Se o carro elétrico é o caminho, nada mais normal que as montadoras alemãs, as mais importantes do mundo, queiram investir no automobilismo dedicado a esse tipo de automóvel. A Audi foi a primeira a anunciar, a BMW veio atrás, a Mercedes não ficou de fora e, agora, veio a decisão da Porsche.

Porsche elétrico? Sim, existirá. E não só nas pistas. Dois anos atrás, a marca já havia mostrado seu conceito de superesportivo puramente elétrico, o Mission E. A produção do carro em série está confirmada, aliás.

Com exceção da BMW, todas as outras alemãs desistiram de algo para estar na Fórmula E. E desistiram de algo visceral, apaixonante, instigante. Desistiram daquilo que eu ainda considero ser automobilismo de verdade.


Audi e Porsche estão deixando o Mundial de Endurance. Quem já foi a Le Mans sabe que aquilo sim é automobilismo de verdade. A corrida atrai todos os anos cerca de 200 mil pessoas à cidadezinha do interior da França.

Na pista, há carros variados, de protótipos de corrida a esportivos preparados para as pistas. O barulho é ensurdecedor. As disputas, desafiadoras, e um tanto loucas. Afinal, há carros com níveis de velocidade completamente diferentes correndo no mesmo circuito, ao mesmo tempo.

Nas arquibancadas, a torcida não é por um piloto, e sim por um time. Mais que por um time: por uma marca. Cada um, em Le Mans, tem sua montadora do coração.


E como são 24 horas de prova, os bastidores são incríveis. As pessoas acampam nos arredores do circuito de La Sarthe, onde ocorre a corrida. São milhares de barracas com bandeiras de diversos países europeus, e até de outros continentes.

À noite, há sempre festa nos acampamentos, ou deslocamento entre diversos pontos do circuito para ver os carros rasgando a pista, deixando um rastro de luz e a melodia do trabalho de seus motores a combustão. É de arrepiar.

Le Mans é a maior confraternização do entusiasta de verdade, daqueles que têm gasolina na veia. E, agora, Le Mans praticamente chega ao fim.


Claro que a corrida não vai acabar, e vai continuar atraindo fãs de corridas. Mas sem as montadoras, cujos times de fábrica estão na categoria LMP1, a principal, dedicada a protótipos.

Sairá a Porsche, maior vencedora da história de Le Mans. Já saiu a Audi, que vinha dominando a categoria nos últimos quinze anos. A Peugeot já havia abandonado Le Mans, assim como a Nissan (que correu uma temporada apenas).

Agora, sobrou a Toyota. E será que a marca japonesa vai continuar investindo para correr sozinha.


Enquanto isso, a Fórmula E cresce. Se a Fórmula 1 é cara demais para atrair investimento das montadoras, a E é um laboratório e um tremendo marketing para a promoção do carro elétrico, o carro do futuro próximo.

Só que a Fórmula E é chata. Os circuitos, sempre urbanos, são muito travados, estreitos, proporcionando poucas condições de ultrapassagens. Os carros passam a impressão de ser lentos. Muito lentos. E não há aquele barulho que é a marca registrada do automobilismo.

Eu duvido que a Fórmula E venha a ter, um dia, grande apelo para quem ama carros e corridas de carros. Não no formato atual. Mas se as ruas vão ser elétricas, parece que as pistas também terão de ser.


Para os fãs de carros, resta um conformismo um pouco revoltado, e uma saudade antecipada de dias mais emocionantes, de motores mais fortes, de barulhos capazes de arrepiar, de disputas de verdade. Tempos sombrios estão a caminho, e o apocalipse automotivo está próximo.

Não estou entrando, aqui, no mérito da redução da emissão de poluentes, ok? Ela é sim necessária. Isso não significa que não sentiremos saudades dos automóveis exatamente no conceito que eles utilizam agora. Conceito que está dando seu último suspiro, antes do naufrágio.

 


 

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