Em tempos de confinamento social provocado pela covid-19, muita gente está tendo de mudar o comportamento. Para o jovem que já se acostumou a ver filme no laptop e até no celular, não deve fazer muita diferença, mas a crítica do The New York Times, Manohla Dargis, escreveu um texto precioso sobre a dificuldade de uma profissional que sente falta da sala escura e da liturgia de ver o filme acompanhada pelo público. Pode ser um problema geracional, mas ninguém consegue prever a consequência dessa fase difícil. Mais pessoas presas em casa só têm a alternativa de procurar novas plataformas para seguir vendo filmes, como um drive-in.
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E não são só os cinemas. Parques também foram fechados para evitar aglomeração. Estão ficando na lembrança as corridas com amigos, as peladas de futebol, o escurinho do cinema – agarradinhos, chupando dropes de anil. Os drive-ins, nem se fala. Antes do coronavírus só restava um cinema do tipo no Brasil – em Brasília –, mesmo que volta e meia iniciativas trouxessem de volta o velho hábito. Em outubro do ano passado, um espaço em Interlagos, equipado com uma tela gigantesca, foi preparado para abrigar até 200 carros. Várias pessoas espremidas dentro de um carro? Nem sonhar. O que agora se pode, e até deve, é viajar um pouco na imaginação. Tudo para lembrar o drive-in como espaço ficcional. Não os filmes no drive-in, mas o drive-in nos filmes.
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Em 1968, Peter Bogdanovich era um crítico com menos de 40 anos (nasceu em 1929), que ganhou projeção nacional (nos EUA) e até internacional por seu amor dos velhos mestres. John Ford, Allan Dwan, Howard Hawks. Numa época em que Fritz Lang ainda era reverenciado por sua herança expressionista – a fase alemã –, Bogdanovich ousou revisar a fase hollywoodiana para mostrar que ela era tão boa, e até mais, que a outra. Com os holofotes dirigidos para ele, Bogdanovich ligou-se ao chamado mestre do cinema barato, Roger Corman, para sua estreia na direção. Corman sempre foi ligado ao cinema de gênero (gângsteres, o ciclo de terror inspirado em Edgar Allan Poe). Assim, não houve surpresa quando surgiu “Targets”.
História
Literalmente, Alvos – mas no Brasil o filme chamou-se “Na Mira da Morte”. A ficção de Bogdanovich passa-se num drive-in que apresenta um filme de terror estrelado por um ator muito conhecido por suas incursões no gênero, Boris Karloff. Ele se chama Byron Orlok e está programado para acompanhar a exibição de seu novo filme – num drive-in. Em paralelo, Bogdanovich mostra um tal Bobby Thompson Jr., obcecado por armas. Ele mata a mulher, a mãe e todo mundo que cruza seu caminho, terminando por refugiar-se em uma caixa d’água que fica justamente atrás da tela que exibe o filme de Orlok.
Por medida de economia, o filme dentro do filme é “O Terror”, de 1963, dirigido por Corman e com… Karloff! Do nada, Bobby começa a disparar contra os carros, matando seus ocupantes. Bogdanovich não apenas investe contra o culto das armas na sociedade norte-americana. Também expõe o que Orlok diz numa entrevista no começo de “Targets”. O horror ingênuo dos filmes não consegue mais dar conta (e isso em 1968!) do horror causado pela realidade.
Retomada
Quatro anos mais tarde, foi a vez de George Lucas – de 29 anos, pois nasceu em 1944 – voltar ao drive-in com “American Graffiti” (no Brasil, “Loucuras de Verão”). Numa única noite de despedida – alguns deles vão morrer no Vietnã –, os jovens dizem adeus à adolescência amando, brigando, participando de rachas de carros e idas ao cinema (drive), tudo ao som de uma irretocável trilha de rock. Ah, sim, entre os jovens está Harrison Ford. Quem imaginaria a extraordinária carreira que ele trilhou depois?
No Brasil, justamente o drive-in de Brasília abrigou a trama de “O Último Cine Drive-in”. O longa de Iberê Carvalho, de 2015, venceu o Festival de Gramado. Conta a história de Marlonbrando (é!), interpretado por Breno Nina, que volta para casa, em Brasília, e descobre que a mãe está morrendo no hospital. Ele então se une ao pai (Othon Bastos), com quem não fala há anos – dono do drive-in da cidade –, para realizar um desejo da mãe. Todos esses filmes estabelecem o drive-in como espaço mágico, assustador, de encontros e desencontros. Não é isso o cinema? A vida?
Sucesso nos EUA
Com o avanço do coronavírus, o drive-in, tipo de cinema em que o espectador assiste o filme de dentro do carro, é uma ótima opção para reduzir o risco de contágio. No Brasil há um último remanescente do ramo, em Brasília, mas nos Estados Unidos essas “casas” de espetáculo ao ar livre ainda fazem sucesso – e ganharam novo fôlego em tempos de covid-19.
Ainda existem mais de 300 locais desse tipo nos EUA, de acordo com informações da Associação de Proprietários de Teatro Drive-in. Ainda segundo a associação, apenas os Estados do Alasca, Delaware, Havaí, Louisiana e Dakota do Norte não contam com drive-ins.
Normalmente esses espaços, que não ficam abertos o ano todo, funcionam a partir do início do verão. Mas, por causa da pandemia e do fechamento de shoppings, seus proprietários decidiram antecipar a abertura.
Nova opção
“Quem diria que os filmes drive-in voltariam a ser melhor opção para sair de casa?, pergunta Josh Frank, dono do Blue Starlite, em Austin, no Texas.
No Brasil, o último cine drive-in fica em Brasília. Inaugurado há 47 anos, tem capacidade para quase 400 carros. Não há lanchonete − para pedir comida ou bebida, basta acender a lanterna do veículo.
Hoje a programação inclui a animação “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica”, às 18h40; “O Chamado da Floresta”, com Harrison Ford, às 20h20; e “Luta por Justiça”, com Jamie Foxx e Brie Larson, às 22h .