A Ford lança nesta terça-feira (15), no Brasil, seu mais ambicioso produto desde que passou a ser apenas importadora no País. A picape Maverick se vale do nome clássico para tentar ter sucesso nos dois principais segmentos do mercado atual – picapes e SUVs. Em versão única, sem opcionais e importada do México, a Maverick Lariat FX4 tem preço de R$ 239.990. Já em São Paulo, custa R$ 245.990 por causa do ICMS maior.
As vendas começam enquanto você lê este texto, mas as entregas devem levar cerca de 60 dias. A Ford evita fazer previsões de emplacamento. O objetivo da Maverick é ser opção não só contra a Fiat Toro, líder das picapes intermediárias e médias com mais de 70 mil unidades em 2021. Mas também contra picapes médias, como Toyota Hilux (45 mil entregas), Chevrolet S10, Mitsubishi L200, Nissan Frontier e VW Amarok.
Mesmo a Ford Ranger entra nesse escopo. A Maverick fica exatamente no miolo do portfólio da picape média. Assim, é mais cara que as configurações com motor 2.2 diesel (4×2 ou 4×4) da Ranger. E mais acessível que as opções Storm, XLT e Limited, que usam o motor 3.2 turbodiesel e oferecem tração nas quatro rodas com reduzida.
Além disso, a Maverick vai encarar ampla gama de SUVs médios. Desde as versões do Jeep Compass (líder com 70 mil unidades emplacadas em 2021). Ou opções de entrada do SUV de 7 lugares Jeep Commander. Por preço ou potência, ainda mira luxuosos como Land Rover Discovery Sport, Mercedes-Benz GLB e BMW X4.
São muitos competidores, mas a principal rivalidade – que a Ford não assume – é contra a Fiat Toro. As duas picapes têm dimensões bem próximas. Tanto é que o Jornal do Carro já traz esse primeiro comparativo em vídeo no nosso canal do Youtube.
Forte como uma picape a diesel
Se entre os rivais da Maverick temos até o BMW X4 com seu motor de 252 cv, é porque a picape traz sob o capô o elástico e forte motor 2.0 Ecoboost. Com turbo e injeção direta de combustível, usa apenas gasolina, mas entrega 253 cv e torque de 38,7 mkgf. Ou seja, na medida para encarar o crossover alemão, mas também rivais com caçamba e motor a diesel.
O gerenciamento é feito pelo câmbio automático de 8 marchas de fabricação da própria Ford, com tração integral sob demanda (AWD) – que vale à picape o sobrenome FX4. Assim, faz alusão à tração 4×4, mas traz um sistema eletrônico de tração. No modo Low, por exemplo, trabalha com base no freio a motor para dar maior tração em subidas e descidas.
Por outro lado, o conjunto mecânico entrega performance apelativa ao público de modelos esportivos. A aceleração de 0 a 100 km/h é feita em 7,2 segundos, mas com velocidade máxima limitada a 175 km/h. Por outro lado, não faz feio diante dos motores a diesel, seja no torque, seja no consumo de 8,8 km/l (cidade) até 11,1 km/l (rodovia), segundo o Inmetro.
Suspensão privilegia conforto e precisão
Para tanto, a Maverick precisou de adaptações para se “abrasileirar” e receber os certificados de consumo e emissões. O motor foi calibrado para a nossa gasolina e ganhou (marginalmente) mais potência frente ao Bronco Sport, embora o consumo seja (também) reduzido. Por fim, foi feito um ajuste na relação de marchas, que foi alongada.
Da mesma forma, a Ford modificou a suspensão HRS (sigla de “hydraulic rebound stop”, em inglês). O conjunto é independente nos dois eixos com braços múltiplos e amortecedores hidráulicos na traseira. Com esse layout, valoriza o uso em estradas, o conforto e a dirigibilidade, sem mirar tanto o ambiente rural e o transporte de cargas mais pesadas.
Por fim, a Ford mudou a programação da grade ativa do radiador. E validou a eletrônica e a conectividade, já que a Maverick pode ter internet 4G para assistência e monitoramento do Ford Pass. O nicho da placa no para-choque traseiro também mudou por conta do formato da placa Mercosul. E os retrovisores externos trazem os repetidores de setas obrigatórios.
O que a Maverick entrega
Segundo Marcel Bueno, do Marketing da Ford, a “Maverick tem DNA de verdadeira picape americana”. Mas vai pegar carona no histórico local da Ranger, “com estilo mais urbano, trazendo essa versatilidade de picape ‘raça forte’ para esse ambiente”, diz Bueno.
A tal “pegada urbana” vem do estilo com linhas robustas e visual quadradão, chamado pela Ford de “boxer”. Os ângulos retos determinam as extremidades, com os faróis Full LEDs num bloco único que se une à grade. Ao mesmo tempo na tampa traseira, os recortes conectam as lanternas, que avançam para as laterais da carroceria.
Mas essa conexão com o público das cidades vem do porte reduzido em relação à Ranger. A Maverick é 30 centímetros menor no comprimento e é mais baixa e próxima do chão. De para-choques a para-choques, são 5,07 metros de comprimento, com entre-eixos de 3,07 m, altura de 1,74 m e largura de 1,84 m.
Com o centro de gravidade mais baixo e altura de 218 mm em relação ao solo, a Maverick é uma sucessora espiritual da Ranger Splash de 1995. Entretanto, tem estilo mais esportivo e moderno, assim como melhores acessos à cabine e à caçamba.
Versão única
De início, a Maverick chega ao Brasil em versão única. Nela, o destaque é o “pacote FX4”. Ele incluí rodas de aro 17 e pneus todo-terreno Pirelli Scorpion ATR 225/65. Bem como ganchos funcionais para reboque na dianteira, e engate inteligente atrás.
A picape aposta na versatilidade e no uso recreativo. Pode servir ao dia a dia e em viagens de final de semana. Tal como os SUVs, a Maverick tem cabine dupla e quatro portas. O trunfo é a caçamba com área de 1,34 m x 1,35 m, e 516 mm de altura no compartimento. Dessa forma, pode levar 943 litros de volume ou uma carga de até 617 kg.
Além disso, é possível puxar até 499 kg com reboque, que é reconhecido pela eletrônica da picape. Tem até um modo específico de condução que controla oscilação da carroceria e faz a entrega de potência mais gradual, alongando as marchas.
Cabine é espaçosa e tem acabamento modesto
Dentro da picape, temos um ambiente espaçoso e arejado, com ampla área envidraçada. A mistura de materiais e finalização das peças de acabamento puxa mais para um tom descolado do que para o luxo ou para a esportividade. As cores são claras e vão do branco (nas colunas e no teto) ao azul e acobreado, nos painéis, nichos e demais superfícies.
A bordo da picape, é preciso se acostumar aos puxadores diferentes das portas. Segundo a Ford, o formato aberto e chapado das peças permite ancorar (no banco traseiro) uma bicicleta.
Vida a bordo
Em termos de conforto, a Maverick entrega muitos equipamentos. Há ar-condicionado de duas zonas, chave inteligente, volante multifuncional com assistência elétrica, comando para a caçamba junto aos botões dos vidros elétricos das portas. Os bancos têm dois tons, mas só o do motorista conta com ajustes elétrico – são oito posições.
Em termos de porta-objetos, há grande variedade de nichos. Tem porta-garrafas de 1 litro e mais dois compartimentos para garafas de 600 ml (nas portas). Tem porta-copos e chave no console central, e bandeja para celular. A cabine tem quatro portas USB dos tipos A e C, mas não tem carregador sem fio. Há ainda 73 litros sob o banco traseiro, numa caixa estanque.
Painel de instrumentos é uma evolução daquele já usado no Fusion, com tela central digital ladeada por mostradores analógicos, mas agora em alta definição. Ao centro, a tela multimídia sensível ao toque é de apenas 6 polegadas e deixa um curioso – e quase inútil – nicho vertical ao lado. O espaço permitiria ter uma tela maior, de 8 ou 10 polegadas, que daria mais sofisticação ao sistema Sync.
Picape tem serviços conectados
Além de Android Auto e Apple Carplay, há o Ford Pass, que permite comandar funções remotamente pelo celular. Entre os comandos, é possível dar a partida do motor, ligar o ar-condicionado e acionar o alarme. O app no celular também mostra dados de bordo, pressão a dos pneus e o nível de combustível no tanque. Bem como mostra a localização de estacionamento, tem manual do proprietário e agendamento de serviços.
Na segurança, a Maverick tem o básico para os segmentos que pleiteia: sete airbags, frenagem automática com detecção de pedestre (a até 50 km/h), frenagem pós-colisão, controles de estabilidade e de tração, farol automático, controle de descida e câmera de ré.
Ainda num aceno à clássica Ranger Splash, a Maverick tem 10 opções de cores para a carroceria, com algumas bem expressivas e chamativas: vermelho Aurora, laranja Délhi, azul Lili (especiais), azul Indianápolis, azul Malacara, cinza Dover, prata Orvalho (metálicas), cinza Torres, preto Astúrias e Branco Ártico (sólidas).
Há ainda alguns “truques” escondidos na caçamba. Além dos tradicionais ganchos para apoio de carga, tem preparação elétrica que permite instalar compressores de ar, por exemplo, ou espaçamentos e furações que permitem instalar barras customizadas. Ou ainda um abridor de garrafas embutido na lateral da tampa.
Maverick X Toro: expectativa e realidade
Tivemos uma unidade da Maverick à disposição por curtas, mas importantes, 72 horas: além de coletar informações para primeiras impressões, foi possível colher um pouco da opinião de público e preparar o vídeo comparativo contra a Fiat Toro. Traduzindo: pudemos passar, ainda que de forma limitada, da expectativa dos executivos da Ford à realidade do nosso mercado, que mistura oferta e demanda de picapes intermediárias com SUVs de segmentos médio e premium.
Durante a apresentação, o presidente da Ford da América do Sul, Daniel Justo, disse esperar uma boa demanda pela Maverick, “visto que, em todo lugar do mundo em que lançamos o produto, a receptividade tem sido boa. Atende a consumidores que nunca pensaram em ter uma picape e ainda reforça nossa oferta de picapes urbanas, como as versões Black e Storm, que já são mais de 30% das vendas da média Ranger”.
Nas ruas, porém, este repórter foi abordado por três diferentes donos de picapes, sendo um proprietário de Toyota Hilux cabine simples, interessado em oferta semelhante por parte da Ford. O outro é dono de uma F-1000 com carroceria especial da Souza Ramos. Esbarramos ainda com o proprietário de uma Ranger Limited.
Todos confundiram a Maverick com uma nova geração da Ranger, o que atesta que a picape parece ser maior e ter mais porte do que a Toro. E todos se mostraram descontentes com a falta de opção de motor turbodiesel. Mas ficaram contentes com o visual, que também torceu pescoços nas ruas e avenidas da capital paulista.
Neste ponto, temos mais um choque entre a expectativa do marketing de uma empresa que agora é apenas importadora. E a realidade de uma picape pensada não para nosso mercado, mas para a América do Norte.
Nova categoria de picape?
De fato, a Maverick meio que inaugura (junto à Hyundai Santa Cruz) o segmento de picapes médio-compactas nos Estados Unidos. Por lá, o modelo da Ford está fazendo enorme sucesso, a ponto de ter sua reserva paralisada, uma vez que a Ford não tem mais capacidade de produção para este ano, após 100 mil unidades serem encomendadas.
Mas, por lá, a Maverick é um modelo de entrada, que custa a partir de US$ 25 mil (cerca de R$ 130 mil na conversão direta, sem taxas. E tem, além da opção a gasolina, versões híbridas, que ampliam a autonomia, reduzem o consumo e melhoram a performance. Mas, por enquanto, a Maverick eletrificada não está nos planos para o Brasil.
Aqui, a Maverick chega como modelo premium. Ou seja, com preço equivalente ao de SUVs médios e de marcas premium. Entretanto, sem todo o nível de equipamentos e requinte que estes modelos entregam. Não há, por exemplo, recursos semiautônomos como ACC, controle de manutenção de faixa, controle de tráfego cruzado ou auxílio avançado de ponto cego. Porém, estes itens são encontrados em modelos da Jeep, da Volkswagen, da Toyota e de outras marcas sul-coreanas, inglesas e alemãs.
Também não existem recursos elementares e amplamente disponíveis até em modelos compactos, como sensores de estacionamento, câmera 360º, espelho interno eletrocrômico e carregamento de celular por indução. Aqui, a Maverick é comparada à Fiat Toro, versão de topo de linha que tem tabela de R$ 207.400 – ou de R$ 214.200 mil em SP. A ausência do motor turbodiesel se combina à falta de mimos como capota marítima (ou rígida) para a caçamba ou mesmo um santantônio mais vistoso.
Maverick é (um pouco) aior que a Toro
Em termos de dimensões, a Toro é de fato mais curta, com 13 cm a menos de comprimento e 8 cm a menos na distância entre-eixos. Ainda assim, o modelo da Fiat tem a mesma altura e largura, o que garante bom espaço para cinco ocupantes a bordo. Por ser feita para nosso mercado, a Toro tem vão livre 2 cm maior (238 mm).
Além disso, por causa do uso do motor 2.0 turbodiesel, a picape da Fiat é bem menos potente (170 cv) e mais lenta em acelerações e retomadas. Segundo a Fiat, a aceleração de zero a 100 km/h leva 12 segundos. Por outro lado, o torque é compatível (35,7 mkgf) e pode ser despejado nas quatro rodas pela tração 4×4, com opção de reduzida em caixa eletrônica. Assim, além da capacidade off-road e da versatilidade urbana, há promessa de consumo melhor: 10 km/l na cidade, e mais de 12 km/l em rodovias.
Estilos e propostas diferentes
Se a Maverick é muito chamativa agora, a Toro faz isso desde o lançamento em 2016 com seu visual que ainda pode ser considerado futurista e ousado. Faróis e lanternas de LEDs estão ali, assim como a tampa traseira bipartida, com abertura lateral para a caçamba.
Falando no compartimento de carga, por ter motor diesel, a Toro tem capacidade para transportar 1 tonelada, ainda que o volume da caçamba seja um poquinho menor que na Maverick (937 l). E a versão Ultra vem com santantonio, capota rígida com braços pneumáticos e bolsa flexível para cargas sensíveis. São itens que agradam usuários dispostos a trocar sedãs e SUVs por picapes.
Tal como a Maverick, a Toro só tem piloto automático padrão e pede desesperadamente por sensor de ponto cego. O modelo da Ford não tem o recurso, mas traz os espelhos mistos típicos de modelos norte-americanos, com uma área convexo na extremidade.
A Toro entrega câmera de ré, sensores de obstáculos, painel de instrumentos digital, tela central gigante em forma de tablet, conexão sem fio com celulares e interior todo escuro, agradando a consumidores mais antenados, mas também fãs de esportividade.
Considerando o pós-venda, o pacote da Ford é acertado, já que a Toro cobra R$ 8.600 por revisões e garantia extra. Mas a Fiat tem rede bem mais abrangente no País, com mais de 530 lojas. A marca italiana também tem mais condições de se adequar rapidamente às mudanças de demanda do mercado, já que a Toro tem fabricação nacional. É algo que a Ford jamais poderá fazer com a Maverick, já que o Brasil ficará sempre num nível secundário dentro da estratégia da matriz.