Quem viveu nos anos 1980 e 1990 e tinha um hatchback, acalentava o sonho de comprar um sedã ou uma perua para acomodar o crescimento da família. Muito antes da febre dos SUVs – o Ford EcoSport, primeiro utilitário compacto de grande sucesso nacional, chegou em 2003 -, peruas como a VW Parati e a Fiat Palio Weekend faziam muito sucesso. Idem para sedãs como o Chevrolet Monza, modelo que, a despeito do preço alto para a época, foi o automóvel mais vendido do País por três anos seguidos, de 1984 a 1986, desbancando opções bem mais em conta, como Fusca, Fiat 147, Chevette e Gol.
A Parati nasceu em 1982, o mesmo ano de lançamento do Jornal do Carro, e resistiu bravamente por 30 anos, até 2012. Embora fosse um modelo concebido para famílias, também caiu no gosto dos jovens, graças à boa dirigibilidade. Não era difícil vê-la com pranchas de surfe sobre o teto. Bem a propósito, a perua teve uma versão batizada de Surf.
JC e a cobertura do mercado
Temas relacionados ao mercado sempre estiveram entre os principais assuntos abordados pelo JC. Isso porque, em um ambiente de inflação altíssima, que no Brasil perdurou até a metade dos anos 1990, o automóvel era considerado como uma boa forma de capitalização, sobretudo por causa de sua liquidez.
Sob o título “Perua: investimento de 490% ao ano”, uma reportagem publicada no JC em maio de 1985 mostrava que modelos como a Chevrolet Caravan e a Ford Belina usadas haviam valorizado o dobro da inflação. O mesmo sucesso se repetia no mercado de novos. O jornal relatava que, nos primeiros quatro meses de 1985, as peruas representavam mais de 20% do total de vendas da indústria nacional.
“Procura-se um automóvel”
Em maio de 1986, na vigência do congelamento de preços determinado pelo Plano Cruzado, criado para tentar estancar a inflação, o JC estampou na capa: “Procura-se um automóvel”. A equipe de reportagem virou e revirou a cidade de São Paulo atrás de um carro zero-km. Encontrou filas, preços altos e denúncias de ágio.
Como era de se esperar, a inflação não caiu por decreto e os carros a preços de tabela desapareceram. A segunda tentativa, igualmente frustrada, foi tabelar o preço dos usados. Mas os valores continuaram subindo, à revelia da vontade do governo Sarney. Assim, em março de 1988 o JC trouxe, em três colunas, o preço do Chevrolet Diplomata, modelo mais caro da época. O sedã custava até Cz$ 3,5 milhões, quando equipado com opcionais como ar-condicionado e câmbio automático de quatro marchas.
A reportagem fez uma comparação com bens que podiam ser comprados com essa “pequena fortuna”. A lista incluía um apartamento mobiliado na praia de Pitangueiras, no Guarujá, litoral sul de São Paulo, ou uma frota de 22 Fusca ano 1980. O texto também trazia a conclusão de que essa quantia, ao ser depositada na caderneta de poupança, renderia “quase um Chevette básico por mês, ou cerca de Cz$ 700 mil”.
Aumento de 1.141%
No balanço de 1988, o JC constatou que os preços dos automóveis haviam subido 1.141% no ano. Dessa forma, superaram a inflação (980%, de acordo com o IPC). O jornal também mostrava que o sedã compacto Chevette, que custava Cz$ 542.486,01 no início do ano, chegou a dezembro por Cz$ 7.113.000. Ou seja, 13,11 vezes mais em 12 meses.
Em 1989, o Plano Verão surgiu como mais uma tentativa de o governo, então, domar a inflação. Uma reportagem publicada pelo JC em março mostrava claros sinais de que, mais uma vez, havia pouca chance de a iniciativa atingir o objetivo. O novo plano também determinava congelamento de preços, e o filme já visto de falta de carros voltou à cena.
As ofertas só existiam fora das concessionárias, com cobrança de ágio no mercado paralelo, a chamada “boca do automóvel”. Outro fenômeno decorrente daquela anomalia de mercado foi o fato de os carros usados atingirem valor superior ao da tabela dos novos.
Na edição de 22 de março, o JC constatou que, contra os NCz$ 11.835,03 sugeridos pela VW para a Parati CL 0-km, o mesmo modelo com um ano de uso estava cotado por nada menos que NCz$ 13 mil. O mesmo tipo de caso ocorria com as motocicletas. Enquanto uma Honda CBX 750 F nova, a mais cara do País na época, tinha tabela de NCz$ 13.866,22, unidades feitas em 1986, e, portanto, com três anos de uso, estavam à venda a NCz$ 14.500.