O acidente aconteceu há 14 anos mas só agora foi divulgado. A atriz Uma Thurman fez papel de noiva no filme Kill Bill, produzido por Harvey Weinstein e dirigido por Quentin Tarantino entre 2003 e 2004. Weinstein é o famoso produtor de Hollywood que assediava e estuprava artistas de cinema.
Num dos últimos dias de filmagem, Uma deveria dirigir um Karmann-Ghia conversível numa estreita estrada de terra no México. Ela estava apreensiva e perguntou a Tarantino porque não contratar um dublê para gravar a cena. O diretor a tranquilizou e disse ter ele mesmo dirigido o carro naquele trecho, para estar seguro de que se tratava de uma reta sem curvas que não exigia nenhuma habilidade do motorista. Além disso, para facilitar a filmagem, ele tinha mandado substituir a caixa de marchas original, manual, por uma automática. A atriz não teria que se preocupar com embreagem nem alavanca de mudanças, comandos ignorados pela maioria dos motoristas norte-americanos.
Entretanto, na hora da filmagem, a equipe de produção percebeu que, com o pôr do sol, a qualidade das imagens seria prejudicada e sugeriu inverter a rota. Na mesma estrada, porém em sentido contrário. Tarantino concordou com a mudança de última hora. E instruiu a atriz para manter uma velocidade de cerca de 40/45 milhas por hora (entre 65 e 70 km/h) para garantir o efeito de cabelos esvoaçantes.
Publicidade
E lá se foi Uma Thurman, gravada por uma câmera instalada sobre a tampa traseira (capô do motor, no caso) do Karmann-Ghia com seus cabelos ao vento. Até que surge uma inesperada e não prevista sucessão de duas curvas, em “S”. Suaves, mas a atriz perdeu o controle do carro que saiu da estrada e bateu numa árvore, ferindo-a com certa gravidade, no joelho e no pescoço.
O caso só veio à tona há duas semanas, revelado pela atriz ao jornal New York Times, pois ela está na lista de artistas assediadas por Weinstein. O acidente foi todo gravado mas o vídeo só foi entregue recentemente por Tarantino para Uma.
Por que o Karmann-Ghia saiu da estrada? Provavelmente pelo mesmo motivo que vários GM Corvair se acidentaram na década de 1960 e se tornaram responsáveis pela fama do advogado Ralph Nader, que escreveu um livro a respeito (Unsafe at Any Speed, Inseguro a Qualquer Velocidade) e se tornou defensor dos direitos do consumidor. Nader chegou a se candidatar a presidente dos Estados Unidos.
Tomando o carro da GM como referência, elaborou um dossiê com dezenas de acusações contra as fábricas de automóveis , argumentando não se preocuparem com a segurança. Em 1965, meses depois da publicação do livro (que se tornou best-seller), a fábrica modificou toda a suspensão traseira do Corvair. Mas era tarde, e o carro sucumbiu diante da repercussão negativa provocada por Nader.
O Karmann-Ghia, construído sobre a mesma plataforma do Fusca, tem também o motor na traseira, assim como o Corvair. Isso provoca um comportamento chamado em inglês de “oversteering”, ou seja, a traseira derrapa para fora da curva. No caso do Corvair, Ralph Nader advertiu para um problema adicional: a fábrica recomenda pressão dos pneus traseiros superior à dos dianteiros, justamente pelo maior peso do motor atrás. Mas os norte-americanos não estavam acostumados e colocavam – em geral – mesma pressão nas quatro rodas. Ou até maior nas dianteiras, o que acentuava a instabilidade direcional.
Quentin Tarantino mandou trocar a caixa manual do Karmann-Ghia por uma automática, mais pesada. Sem se esquecer da câmera e todo seu aparato de fixação sobre a tampa do motor, também contribuindo para aumentar o peso na traseira e desbalancear ainda mais o carro, agravando sua tendência ao “oversteering”.
Newsletter Jornal do Carro - Estadão
Receba atualizações, reviews e notícias do diretamente no seu e-mail.