A eletrificação da frota mundial de automóveis avança a passos largos. O mais recente relatório da International Energy Agency (organização internacional de fomento da indústria de energia) indica que 6,6 milhões de carros elétricos foram vendidos no planeta em 2021 – uma participação de mercado de 8,57%. É mais que o dobro de 2020. E, se voltarmos a 2012, o total de elétricos vendidos naquele ano inteiro representa o que foi comercializado em apenas uma semana de 2021. Ou seja, que o futuro dos carros é elétrico, pouca gente duvida. Mas qual é o papel das baterias nessa história?
Até chegar ao ponto em que os elétricos vão superar a produção de veículos com motores de combustão interna, há alguns desafios pelo caminho. Como a ampliação da rede de recarga, por exemplo. E se pensarmos apenas no automóvel em si, não há dúvidas de que as baterias são o ponto crucial. É por isso que praticamente todas as fabricantes (e também o governo de muitos países, além de universidades e outras empresas do setor) vêm investindo pesado na pesquisa e desenvolvimento desses componentes.
As questões das baterias atuais
As baterias de íons de lítio são o padrão atual dos carros elétricos. Elas surgiram no início da década de 1990, voltadas principalmente para eletrônicos. Sua migração para os carros elétricos foi natural – mas a autonomia era um fator limitante. O Nissan Leaf, pioneiro entre os 100% elétricos contemporâneos, rodava cerca de 160 km com uma carga de bateria. Hoje, já há modelos com autonomia superior a 500 ou 600 km. O tempo de recarga também era uma questão crucial – e existem outras tantas importantes.
O custo é um deles – as baterias de carros elétricos são o componente mais caro. Outra questão é o eletrólito líquido, altamente inflamável – imagine os possíveis cenários em um acidente. Por isso, elas precisam ser acondicionadas em compartimentos de segurança que são pesados e ocupam muito espaço. Além disso, o cobalto, um dos seus elementos mais usados, é caro e tóxico. Essa pequena lista dá a dimensão do desafio.
Cobertor curto
A estrutura de uma bateria é composta pelo ânodo (eletrodo positivo), cátodo (negativo), o separador das duas polaridades e o eletrólito condutor. Quando conectadas a um circuito elétrico, a corrente elétrica é gerada pela migração dos elétrons do ânodo para o cátodo, por meio do eletrólito, enquanto os íons de lítio fazem o caminho inverso. O fluxo é invertido quando a bateria é recarregada.
“Grande parte da pesquisa atual é relacionada à combinação dos materiais utilizados nas baterias e em seu design”, explica Raul Beck, pesquisador da área de baterias e coordenador da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE BRASIL. Ao mesmo tempo, outra tendência atual, segundo Fátima Rosolem, pesquisadora da área de baterias do CPqD (organização voltada para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e inovação), é o uso da nanotecnologia. “A estrutura molecular dos materiais é reorganizada para, por exemplo, melhorar o fluxo e a acomodação dos íons, de forma a melhorar o seu desempenho”.
Conseguir equilibrar tantas demandas nas baterias de carros elétricos é um dos grandes desafios. Um exemplo é a bateria de titanato de lítio, que oferece autonomia e vida útil muito maior – mas o custo do titânio inviabiliza o seu uso em larga escala. Em outras palavras, o cobertor é curto. Além disso, uma coisa é obter os resultados em laboratório, em um experimento controlado. Outra, é levar isso para uma produção em série, em que o resultado precisa se repetir com mínima margem de variação.
Aposta da Tesla
Neste jogo de estica e puxa, a questão do cobalto já está sendo resolvida, com sua substituição por outros elementos, mais acessíveis e não tóxicos. É o que acontece, por exemplo, nas novas baterias de carros elétricos desenvolvidas pela Tesla, batizada de 4680. No lugar do cobalto, o cátodo usa níquel. Além disso, no lugar do grafite, material mais comum no ânodo, a 4680 usa o silício – abundante na Terra e que também reduz custos. O nome 4680 vem de suas medidas. Cilíndrica, ela tem 46 mm de diâmetro e 80 mm de altura.
Mas, criado do zero, o design é a base da inovação. A 4680 ocupa metade do espaço e gera a mesma energia de uma bateria do atual Model Y (ambas são de íons de lítio), segundo a empresa de Elon Musk. A Tesla diz que o custo por km caiu 56%, ela oferece 16% mais autonomia e sua estrutura reduz o tempo de carregamento para só 15 minutos – e ela ainda teria vida útil de 1 milhão de km. Além disso, após 4 mil ciclos de carga e descarga, ela mantém 90% de sua capacidade. Ela deve equipar o primeiro Tesla em 2023.
Lâmina chinesa
A bateria Blade, da chinesa BYD, é outra solução recente, composta de fosfato de ferro e lítio. “É uma composição desenvolvida pela BYD e que é mais estável, com menor deterioração, permitindo mais ciclos de recarga”, afirma Adalberto Maluf, diretor de marketing e sustentabilidade da BYD no Brasil. “Seu design também facilita a reciclagem, o que é importante pelo lado ambiental e econômico. Recuperar o lítio de baterias antigas custa 20% do valor do lítio puro“, aponta Maluf.
Mas o principal trunfo da Blade está na arquitetura, que faz um melhor aproveitamento do espaço, com células longas e finas – em formato de lâmina, como o nome em inglês sugere, e possuem bordas resistentes. Elas se encaixam em um painel de alumínio de alta resistência em forma de paralelepípedo. Dessa forma, passam a fazer parte da estrutura do pacote, dispensando boa parte das vigas e travessas de sustentação.
No mesmo espaço e com peso menor, é possível ter 50% mais pacotes de baterias, e ela ainda pode receber cargas rápidas sucessivas sem problemas. Mas a segurança é o seu atributo mais forte. A Blade superou todos os testes de perfuração e esmagamento, com resultados muito melhores que as de fosfato de ferro na arquitetura tradicional e também as de íons de lítio. Não apresentou vazamento do eletrólito, nem aumento da temperatura ou explosão. Elas já equipam os veículos de passeio da BYD, como o Tan EV, que chega em breve ao Brasil.
O santo graal
Quem vem mobilizando a indústria automobilística – e tratada como o santo graal dos carros elétricos – é a bateria de estado sólido. Como o nome já sugere, elas não usam eletrólito líquido, mas sim um eletrólito sólido. Hoje em dia, elas estão presentes em equipamentos como smartwatches e marcapassos. E qual o motivo de tanta expectativa em relação a essas baterias?
O primeiro ponto é a segurança. Um elemento sólido ocupa o lugar do eletrólito líquido e inflamável. Assim, reduz-se a chance de incêndio ou vazamento de elementos químicos. Ela também retém mais energia (ou seja, mais autonomia), a um custo menor, com tempos de recarga mais rápidos em uso normal. Isso porque os íons se movimentam em maior velocidade e ela é mais estável.
Ford, GM, Stellantis, Renault-Nissan-Mitsubishi, BMW, Mercedes-Benz, Volkswagen… Praticamente todos os grupos automobilísticos estão investindo nessa tecnologia, não só com desenvolvimento próprio, bem como com parcerias. Mas foi a Toyota a primeira a anunciar o uso das baterias de estado sólido em um veículo, com lançamento previsto para 2025. A marca não revela detalhes da tecnologia, mas já é certo um modelo híbrido será o primeiro a utilizá-la.
O motivo? A curva de aprendizado. “A tecnologia híbrida se apresenta como uma ótima opção para manter os custos de um modelo de produção a um preço baixo, além de proporcionar uma introdução mais rápida destas baterias no mercado”, diz a Toyota, em nota, ao Jornal do Carro. “As baterias de estado sólido carregam e descarregam de forma diferente das convencionais. Portanto, usá-las em um contexto híbrido pode fornecer uma visão mais ampla antes de combiná-las com um carro 100% elétrico”.
O que mais vem pela frente?
As baterias do tipo metal-ar são vistas com um bom potencial para serem uma alternativa viável e mais eficiente que as atuais de íons de lítio. Elas ainda estão em um estágio preliminar de desenvolvimento, mas, em teoria, uma bateria de lítio-oxigênio (Li-O2) poderia armazenar uma carga maior. O oxigênio do ar é o cátodo, ou seja, não há necessidade de armazenamento na bateria.
Independente da tecnologia, uma coisa é certa: a reciclagem das baterias terá um papel fundamental na vida dos carros elétricos – como Adalberto Maluf, da BYD (que também é presidente da ABVE, Associação Brasileira do Veículo Elétrico), ressaltou em relação aos custos do lítio. Maluf explica que as baterias deverão ter uma segunda fase de uso, quando sua capacidade cair para cerca de 70%.
“Depois disso, entre 70% e 35%, as baterias serão usadas em uma segunda aplicação, em sistemas estacionários de energia“, diz. Elas podem, dessa forma, serem usadas para armazenar a eletricidade produzida por sistemas de energia solar e eólica. “Atualmente já trabalhamos com projetos de batalhões de fronteira e antenas em locais distantes da rede de distribuição. Mas, por enquanto, usamos baterias novas”. A ideia é que, futuramente, as baterias retiradas dos veículos migrem para esta segunda aplicação. Depois, ao atingir 35% de capacidade, a reciclagem será o seu destino.
Considerando que estimativas apontam que há quase 1,5 bilhão de veículos circulando pelo mundo atualmente, é certo que há espaço para mais de uma tecnologia de baterias. Além do mais, em um futuro não tão distante, você irá ter um carro eletrificado na garagem.