Logo no primeiro mês de 2022, o mercado brasileiro despediu-se de três modelos vendidos no País há alguns anos. A Hyundai parou de produzir o aventureiro HB20X, enquanto a Honda encerrou a oferta dos SUVs HR-V e WR-V. No caso da marca japonesa, a dupla continua em linha na fábrica de Itirapina (SP), porém, apenas para exportação. Mas a Honda confirmou o lançamento do novo HR-V no segundo semestre. Já o WR-V será substituído até 2024 por um novo SUV feito sobre a base da nova linha City.
Seja como for, estão nas concessionárias as últimas unidades 0-km do trio. Será que vale a compra? O Jornal do Carro conversou com revendedores de Honda e Hyundai, e com especialistas, para entender se é bom negócio e se é possível obter algum desconto nessas unidades.
Efeito cascata
Primeiro, veio a pandemia da Covid-19, que paralisou a indústria de todo o planeta. Consequentemente, a oferta de semicondutores não acompanhou a demanda e, por sua vez, gerou uma crise como jamais vista na história, paralisando as fábricas de veículos e derrubando as vendas de 0-km. Efeito imediato: supervalorização dos usados. Na prática, isso acabou com os famosos descontos para carros novos em fim de linha. Afinal, como diz aquela famosa frase: “se você não quer, tem quem queira”.
“Hoje, o que podemos fazer para ver o cliente feliz é ter o carro, a cor que ele deseja e, no máximo, conseguir um pagamento facilitado”, enfatiza a gerente comercial da Honda SP Japan, Priscila Shibata.
Nada de campanha especial
De acordo com Priscila, a Honda não posicionou seus revendedores sobre a aposentadoria da dupla HR-V e WR-V. “Por isso, continuamos com as mesmas campanhas”, aponta ela. Sobre aumento ou diminuição da procura por parte da clientela, a gerente diz que tudo está dentro da normalidade, “nem para mais, nem para menos”.
A mesma situação foi encontrada na Hyundai Brasil. Com o recente anúncio da aposentadoria do HB20X (leia aqui), o Jornal do Carro consultou diversas concessionárias para entender possíveis promoções, descontos ou até sobrepreço e aumento de demanda.
Entretanto, em todos os estabelecimentos consultados a situação é exatamente a mesma: zero descontos. “Além de a Hyundai ainda não ter nos posicionado (sobre a retirada de linha do HB20X), temos pouquíssimas unidades em estoque, então, não compensa fazer promoção”, disse o gerente de uma das concessionárias da marca sul-coreana, que preferiu não se identificar.
Estoque baixo e ausência total
E ele não está sozinho quando o assunto é estoque baixo. Praticamente todas as revendas de 0-km consultadas estavam com poucas unidades disponíveis. Na Grand Brasil, por exemplo, havia apenas uma unidade em estoque. Trata-se da versão Evolution, pela qual a revenda pede R$ 97 mil – praticamente o mesmo preço da tabela de janeiro da Hyundai Brasil.
Ao menos três revendas já não tinham mais o HB20X em estoque. Na Caoa São Bernardo, por exemplo, não havia mais unidades à venda na manhã de ontem (31). De acordo com um funcionário, embora não houvesse posicionamento oficial por parte da Hyundai, nitidamente o modelo havia saído de linha, afinal, não havia planos de receber mais nenhuma unidade do aventureiro.
Desconto é coisa do passado
A crise dos semicondutores baixou os estoques de veículos 0-km de 50 dias para apenas 16, em média. Ou seja, hoje, é preciso esperar mais por um modelo novinho em folha (quem comprou um Commander que o diga!). Isso acabou empurrando tantos consumidores para o segmento de usados e semi-novos que os preços desses modelos até aumentaram. Quem já viu um carro de segunda mão ser mais caro que um novo? Pois é, isso vem acontecendo no Brasil.
De acordo com o consultor da IHS Markit, Fernando Trujillo, “Como as montadoras tiveram muitos problemas para produzir o veículo novo, o mercado ficou desabastecido e, assim, com demanda reprimida” explica. “Nesse sentido, o valor dos veículos semi-novos subiu. Os consumidores passaram a comprar mais semi-novos por falta de opção”.
Então, é possível notar que o mercado é outro. Se você tem aquele pensamento: “Quem tem dinheiro dá o preço”, está na hora de rever seus conceitos. Afinal, a coisa não funciona mais assim.
“Entendo que as montadoras não estão dando desconto como de costume nos veículos que estão saindo de linha, pois há essa demanda reprimida por carros 0-km“, explica Trujillo. Ele ainda compara a situação com a Black Friday, onde montadoras costumavam fazer diversas promoções. “No ano passado não aconteceu, porque o mercado não precisa, no momento, usar promoções e descontos para vender.”
Em síntese, se você está de olho num carro 0-km que acaba de sair de linha, saiba que barganhar pode ser um ato em vão. Afinal, cliente querendo comprar é o que não falta. “Hoje a demanda se sobressai a oferta no mercado, por isso, é tão difícil conseguir descontos”, explica Paulo Garbossa, consultor da ADK Automotive.
E aí, vale a pena ou não?
Dado o panorama, cabe explicar que, de acordo com especialistas, não é preciso ter medo da desvalorização na hora de comprar um carro 0-km que está saindo de linha. Afinal, diversos fatores influenciam nessa questão, aumentando ou diminuindo as vantagens.
Gustavo Braga, diretor de comunicação da Carupi, tem essa visão. Para ele, “carros que saem de linha, porém, com fábrica ativa no País, têm o mesmo comportamento de um carro que acabou de ser lançado.”
Na opinião de Garbossa, “Embora esteja saindo de linha, eles (HB20X, HR-V e WR-V) são modelos atualizados e têm toda a tecnologia que a marca pode oferecer dentro dessa faixa de preço. Além disso, têm peças de reposição e um bom mercado para seminovos”, detalha.
Com a mesma visão, Trujillo conclui que mesmo sem desconto, o carro 0-km ainda vale a pena, caso seja a vontade do cliente. “O usado está muito valorizado. Então, a desvalorização do veículo novo acabou diminuindo, após as diversas mudanças do mercado em geral como a falta de microprocessadores, desvalorização do real e problemas logísticos”, argumenta.
Nesse ínterim, comprar um carro que saiu de linha pode ser uma boa. Afinal, é consenso que o modelo desvalorize quando for revendido. Entretanto, vale ressaltar que o valor desse veículo vai depender muito de como ele e seu substituto são vistos no mercado. Por exemplo, quando um sucessor não é tão bem quisto quanto o modelo antigo, a taxa de desvalorização do mais recente acaba sendo maior. Tudo depende da demanda.
Outros fatores
Veículos populares também podem não sofrer tanto impacto de desvalorização. Para se ter ideia, o Uno Ciao (versão de despedida do hatch após quase 40 anos de Brasil) já aparece com preços bem maiores que o divulgado logo após o lançamento – quase R$ 85 mil. Hoje, tem concessionária pedindo abusivos R$ 110 mil pelo modelo compacto.
Para entender se vale a pena ou não, um dos pontos é avaliar o desempenho do modelo no mercado. Chevrolet Celta e Ford New Fiesta, a princípio, são dois fortes exemplos de que nem sempre sair de linha significa ficar barato. Desse modo, é possível afirmar que o cenário de aquecimento do mercado de usados afetou, diretamente, a questão da compra de carros que saíram de linha. Em síntese, se a procura por determinado modelo for alta, seus preços podem cair menos ou até subir por conta da escassez.
Manutenção
Muitos clientes têm medo de comprar carro que está saindo de linha por causa da perda de valor na hora da revenda. Mas muitos outros querem mesmo é saber das vantagens ou desvantagens na hora da manutenção. Afinal, vai ter peça para um carro que, por exemplo, amassou o para-choque?
Quanto à isso, vale ficar tranquilo. Afinal, a lei determina que todas montadoras mantenham a linha de produção das peças dos respectivos veículos por mais dez anos a partir de sua aposentadoria.
“Hyundai e Honda são duas das cinco marcas de veículos mais confiáveis do mundo e sua oferta de peças vai ficar alta e disponível por, ao menos, uma década. Portanto, podemos esperar queda no valor de negociação de HB20X, HR-V e WR-V apenas na próxima década”, enfatiza Gustavo Braga, diretor de comunicação da Carupi.
Antes de fechar negócio, vale sondar se o modelo que saiu de linha está inserido numa família que ainda esteja à venda. O HB20X, por exemplo, deixa os irmãos hatch e sedã, com quem compartilha diversas peças. Ou seja, a produção de componentes continua a todo vapor. Quando o carro tem fabricação nacional, essa conta fica ainda mais fácil.
HR-V
Dentre as três opções de 0-km, quem mais deve desvalorizar é o Honda HR-V. No mercado, funciona assim: quando o veículo tem engenharia melhorada, é provável que a versão velha seja mais desvalorizada. Ao contrário dos facelifts.
E, no caso do SUV da Honda, a mudança será tanta que o modelo até vai subir de posição. Migrará da categoria de SUVs compactos para a de SUVs médios. Apesar de, a princípio, manter a mecânica (o híbrido vem depois), o HR-V será praticamente outro. Chega no segundo semestre, com mais tecnologias e completamente repaginado – o que pode jogar os preços da atual geração lá embaixo ainda neste ano.